Um estranho no bar

1234 Words
2018 Aline Um dia normal. Foi um dia normal. Eu encarei o copo de vodka com soda na minha frente, antes de tomar um longo gole. Beber era um hábito r**m, eu sabia, mas era o que acalmava os meus nervos naquele dia. Fechei os olhos e respirei fundo, e tentei não pensar. 9 dias, era o prazo que eles pediam para divulgar os resultados da segunda fase da OAB. Eu dei o meu melhor. Uma frase que eu repeti durante as horas que seguiram depois da prova. Não era uma frase aceitável para o meu pai, o renomado Juiz que planejava que eu assumisse todo o legado dele. Respirei de novo. Mais um gole. Meio copo agora, e eu já sentia o meu corpo relaxar. 9 dias naquela espera seriam o meu fim. Tentar manter a confiança intacta, mesmo quando eu não tinha certeza que tinha passado. - Posso me sentar com você? - Uma voz intensa, de controle e que prometia coisas perversas me atingiu. Olhei para o lado, e se eu não tivesse sentada teria caído com a imagem na minha frente. Uma imagem quase familiar naqueles olhos verdes. Um tom dourado nas feições que pareciam sofridas. Era um rosto completamente fora do comum. Lindo, para dizer o mínimo. Uma boca carnuda, com um sorriso sério, enquanto esperava a minha resposta. Ele era alto e estava vestido com uma camisa de manga longa branca e calça social preta. Um homem de negócios? Empresário? Advogado? Percebi que estava ficando chato o meu silêncio quando ele insistiu. - O bar está cheio e eu não quero voltar para casa. Preciso de uma bebida. - Olhei para a cadeira na minha frente, desocupada. - Prometo não te incomodar. - Ele explicou. - Tudo bem. - Um estranho em um bar cheio me pedindo uma gentileza. Alguém que teve um dia tão merda quanto o meu, talvez? Ele se sentou e apoiou a caneca de cerveja na mesa, e a promessa de não me incomodar foi quebrada assim que ele levou o vidro aos lábios, e bebeu um longo gole, sem tirar os olhos do meu. A reação nos meus nervos foi violenta com a visão e eu senti o meu pulso acelerar violentamente. Bebi mais um gole da vodka e olhei para o outro lado, tentando não pensar que aqueles olhos fixos me observando. - Dia difícil? - Ele perguntou e de novo a voz fez o meu corpo estremecer em lugares inesperados. - Um pouco. - Falei, mas mantive os olhos longe dele, sabendo que ele ainda me observava. - O meu também foi. - Ele respirou fundo. - Parece que a sua gentileza foi a única coisa boa nesse dia. - Eu assenti, ainda não olhando na direção dele. - Sei que prometi não te perturbar, mas estou curioso… - Ele fez uma pausa, como se esperasse a minha permissão. Eu encarei os olhos dele e esperei. - O que uma moça como você faz sozinha em um bar como esse? - Olhei ao redor. Era uma sexta-feira, final de tarde, em um bar badalado perto da Vila Olímpia. Milhares de pessoas saiam do trabalho e vinham beber para esquecer os problemas da semana, ou casais saem para flertar. Mas ninguém sozinho, exceto nós dois. - Não quero voltar para casa também. - Falei, talvez a vodka tenha me encorajado, então eu continuei. - As expectativas do meu pai me sufocam. - Uma expressão de tristeza tomou o rosto dele e eu me calei, esperando que ele dissesse alguma coisa. Talvez algum trauma com paternidade movia aquele sentimento que ele demonstrava sentir. - Expectativas paternas me trouxeram aqui também. - Ele explicou. - Mesmo que a carreira que eu tenha escolhido tenha se tornado impossível, ainda assim, eu fiz o que o meu pai queria. - Então eu percebi. O olhar dele, a tristeza naquele lindo rosto era luto. - Sinto muito. - Falei e ele sorriu, um sorriso que não chegou aos olhos. - Vamos falar de você. - Ele disse espantando a expressão de tristeza. - Quais expectativas te sufocam? - Parte da calma que vi antes retornou aos olhos dele, mantendo um interesse genuíno no que eu teria para dizer então eu contei. - O sonho do meu pai é que eu siga os passos dele no direito, e hoje fiz a segunda fase da prova da OAB, o primeiro passo para o destino incrível que ele imaginou para mim. - E ele sorriu intensamente para mim. - Turma 32. - Ele falou e eu sorri em resposta. - 41. - E ele levantou o copo, como que para brindar e eu o imitei. - 9 dias para o resultado parece uma eternidade. - Concordo. - Ele manteve os olhos em mim e a tensão entre nós pareceu crescer. - E o que você fará se passar? - Perguntei e ele balançou a cabeça. - Estávamos falando de você. - Senti a minha bochecha esquentar. - O que você fará? - Tenho uma vaga como advogada criminal em um dos escritórios do meu pai desde que eu nasci. Vou advogar até ter experiência para a promotoria e assim por diante. - Expectativas e planos bem encaminhados então. - Eu assenti. - E o seu medo é não passar? - Besteira eu sei. - E ele sorriu de novo. - De forma nenhuma. É o medo de qualquer um que estava naquela prova hoje. Inclusive o meu, mesmo que o direito seja um sonho que talvez eu não possa seguir. - Se é o seu sonho, você deveria. - Ele balançou a cabeça de novo. - Eu herdei os negócios da família e digamos que estou preso a isso. O direito era um sonho quando eu tinha escolhas para a minha própria vida, agora… - Ele parou de falar. - De qualquer forma, desejo sorte na sua carreira, mesmo que você não pareça precisar. E como se o mundo tivesse se fechado ao nosso redor, tudo parecia quieto, um silêncio diferente me tomou quando eu olhei para ele, observando a forma que ele me olhava. As palavras dele foram diretas, com confiança. Como se ele tivesse certeza do que dizia, mesmo não me conhecendo. - Me chamo Alice. - Eu falei, tentando quebrar o silêncio que dominou a minha mente. - Matheus. - A familiaridade daqueles olhos me fazia forçar a memória. Como se em algum momento eu já tivesse visto ele. - O que quer falar agora? - Eu tenho a impressão de te conhecer de algum lugar. - Falei sem pensar. - De onde você é? - Dúvido que alguém como você já tenha me visto, fiz faculdade no interior… - Mas está aqui agora. - Falei e ele assentiu. - Estou aqui agora. - E de novo os olhos dele ferveram com uma tristeza profunda, como se ele debatesse algo internamente. O silêncio caiu entre nós de novo e eu terminei o meu copo. - Sucesso Matheus, vou embora agora. - Ele ficou de pé, um sinal forte de educação e cavalheirismo, quando eu me organizei para partir. Assim que fiquei de pé o mundo girou e a bebida fez um excelente trabalho ao relaxar o meu corpo e enfraquecer as minhas pernas. Eu sabia que ia cair, e não me importei por meio segundo, quando apenas aceitei o meu corpo bambear e depois impulsionar para frente.
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