Filho do dono do morro

878 Words
2017 Matt - Quero um baile como essa favela nunca viu! - O recruta me olhou pu.to. - Mano, quer celebrar a morte do Jacaré? - Eu não me importei com a pergunta, agora a minha vontade era uma ordem. - Quero que a favela comemore que ele não vai apodrecer guardado. Ele fez muito por esse lugar. Todos nós devemos algo para ele. - Chefe, com todo respeito… - O outro recruta falou e o monstro dentro de mim ferveu. - Não devo explicações. É a minha vontade! Façam o que eu mando CARALH@! Mico e Jon eram seguranças legais, na maioria dos dias, desde que eu me lembrava eram fiéis ao meu pai e no fim deram a vida por aquele lugar, como todos os outros. Acolher os filhos deles era o mínimo que eu poderia fazer para recompensar. - Fesho chefe, vou providenciar! - O Miquinho era o mais fácil de lidar e o menos preocupado com qualquer coisa. Vivia adoidado e eu às vezes o invejava por isso. - Sábado? - O J perguntou, ainda pu.to. Eu desconfiava ele sempre ficaria pu.to com as minhas ordens, afinal o comando seria dele, se eu não tivesse voltado pra casa quando o meu pai foi preso. - Sexta, sábado e domingo. - Ele me mostrou os dentes. Certo, não desconfio mais. Receber ordens minhas não era nada legal pra ele. - Feito chefe, vou espalhar a notícia e organizar as atrações. - Eu não pedi licença antes de subir pro segundo andar da casa, agora minha casa. Sentei no topo e acendi um cigarro, vício esse que aderi depois que voltei pro morro. Olhei para a imensidão de casas e respirei fundo. Tudo meu. E no fim, tudo o que o meu pai fez para evitar isso, foi em vão. Seu José, que era como eu conhecia, me adotou quando eu tinha 5 anos, depois que o bos.ta do meu pai biológico assumiu o morro, eu não sabia qual era o acordo deles, mas o plano era eu levar uma vida fora do crime, e o seu José trabalhou a vida inteira para me passar valores que iam além daquele lugar. Me ensinou a importância de estudar e de me manter fora do crime. A minha mãe nunca foi citada, por nenhum dos dois. E eu não me importava também. Mesmo que eu fosse diferente dos demais, que normalmente não tinham pai. Eu tinha dois. Um que eu amava intensamente e outro que era a escória desse lugar. Quando eu tinha 18 anos, e estava me preparando pra ir pro interior fazer faculdade o desgraçado do Cacá fez uma visita na nossa casa. Meu pai biológico, que eu vi poucas vezes na vida, sentou na pequena cozinha da nossa casa e me convocou para o comando. Eu lembro de rir e depois tudo é um grande borrão. Naquela noite, eu não era eu. O monstro que tinha dentro de mim tomou o controle das coisas e as cenas eram confusas, mas no fim, eu sabia exatamente o que tinha acontecido. Ele ameaçou o meu pai, José, dizendo que ia estripar ele se eu não assumisse um cargo no comando, para ser preparado para assumir o morro no futuro. Discutimos, depois ele sacou a arma e apontou para o meu pai. Fez acusações e chamou ele de Jacaré covarde. O meu pai saiu do comando pra me criar como uma boa pessoa, e só não saímos da favela, porque ali ele podia me dar condições de estudar, sendo conhecido, pode trabalhar lá dentro, sem o risco de ser pego pela polícia fora da favela. Foragidos. Meus dois pais estavam foragidos. Depois de muita discussão eu lembro de empurrar o Cacá, e foi quando ele apontou a arma para mim, e eu realmente achei que acabava ali. O demônio do morro finalmente veio me buscar, assim como eu temi durante toda a minha vida. Eu esperei e até torci que ele me matasse, isso mostrava como ele era uma escória nojenta, matando o único e legítimo filho. E em uma atitude desesperada o meu pai o atacou, esfaqueando o desgraçado por todo o corpo. O monstro que controlava o meu corpo sorriu vendo aquilo, sorriu de orgulho do meu velho, que me defendeu, mesmo que isso custasse a vida dele. Meu velho, José Cunha, vulgo Jacaré matou o dono do morro na nossa cozinha, e por isso, ele se tornou o chefe oficial do comando. E eu segui a minha vida, fiz minha faculdade e estava finalmente me preparando para o exame da ordem. Suspirei fundo, lembrando do dia que a operação foi noticiada. O bope matou metade dos homens do comando e levou o meu pai. E depois que ele foi preso e julgado, o Juiz Moreira informou no noticiário 124 anos de prisão, sem direito de regime aberto futuro. Condenado, depois de ser acusado de muitos crimes, dele e do Cacá. Foi uma operação imensa, e eu soube que era hora de voltar. Larguei meu futuro como advogado e entrei pro comando, para cuidar do legado dos meus dois país. Eu não era o chefe, eu apenas representava ele. Até aquela manhã, quando ele morreu, de infarto na cadeia, e essa cruz finalmente passou para mim.
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