O amigo

1991 Words
— Detento Lewinski! Levante da cama e faça alguma coisa útil! — o agente penitenciário Fischer falou alto de frente à cela do polonês. — Fala sério… — Robert resmungou deixando o livro que relia deitado na cama caísse de propósito sobre o seu rosto. — Este é o detento Diego Diaz. Preciso que você mostre o presídio a ele — o guarda já havia ocupado parte do seu tempo levando o novato até o bloco Sul e agora precisava ir cuidar de outros assuntos relacionados à gestão de Windfeld. — E por que devo me ocupar com isso? — ele continuava com a voz abafada pelas páginas de ‘A Revolução dos Bichos’. — Porque você é o único que não faz absolutamente nada produtivo aqui dentro. E se quiser continuar assim, vai receber uma ocorrência por desobediência! Somente um tom de ameaça era capaz de levantá-lo da cama. Robert deixou o livro de lado ainda aberto na página em que estava, passou a mão nos cabelos e olhou sem muita paciência para os dois. Diego parecia ter se conformado com a sua nova realidade e não deu sinais que iria tornar a gritar com um dos guardas. Fischer despediu-se dele com um aceno de cabeça e tomou o seu caminho até a sala da direção. — Vai, me conta logo. O que você aprontou para vir parar aqui? — Robert havia cruzado os braços e olhava o rapaz dos pés à cabeça. Ele preferia estar conversando com o novato loiro pelo qual se interessou, mas não teve sorte o suficiente para tê-lo no mesmo bloco. Diaz tinha completado recentemente 23 anos. Tinha cabelos negros num corte moderno, olhos castanhos e um porte físico de quem era assíduo na academia. Um ativista ambiental e filho de um empresário colombiano que participou de um protesto violento na cidade de Dortmund durante as suas férias e acabou sendo detido em flagrante por desacato à autoridade e perturbação da ordem pública. — Nada que seja da sua conta! — Mas era atrevido demais para apenas dar a resposta. — Vem cá, moleque. Você sabe com quem tá falando?! — Com algum i****a que lê livros infantis de bichinhos — Diego apontou para o livro deixado de lado. — Não é uma história infantil! Nunca leu esse livro? — Lewinski esclareceu o que julgava como óbvio, mas logo percebeu que seria perda de tempo discutir com Diego. Mesmo contrariado, Robert cumpriu a ordem e passou o resto da tarde apresentando as principais áreas de Windfeld. Com o passar das horas o seu mau humor crescia exponencialmente, junto de sintomas físicos como dor de cabeça e um pouco de tontura. E a razão disto ia muito além de ter que lidar com um jovem presunçoso. Ele sabia que aquela sensação era apenas um dos primeiros sinais da abstinência, o jeito era terminar logo a tarefa e ir em busca de mais uma dose. *** — Oi de novo… — Antoine disse ao retornar à cela de Mark. Wolff se distraía com uma revista sobre carros que ganhou como presente de boas vindas de um outro detento. — Você está melhor? — disse o alemão. — Um pouco... Obrigado por perguntar. Acontece que é difícil viver um dia depois do outro sabendo que estou condenado a morrer aqui dentro. E às vezes eu passo m*l quando muita gente me encara… Todo mundo me julga pelo o que fiz. Naquele momento não houve nada que Wolff pudesse dizer. O silêncio tomou conta da cela e Mark ficou apenas observando o quão atormentado aquele preso estava. — Desculpe por pesar o clima, não foi a minha intenção — o mais baixo coçou a nuca — Vou te mostrar o presídio e depois a gente janta. Mark levantou-se, deixou a revista na cela e o acompanhou. Após conhecer o território onde passaria os próximos meses, eles percorreram o caminho até o refeitório. Passaram pela enfermaria e por uma fila de detentos que tinham medicamentos para tomar no horário. Mark não percebeu, mas Robert Lewinski era um deles. E o polonês nem sequer percebeu o outro novato de macacão laranja já que seus sintomas de abstinência pioraram rapidamente. — Espero que você goste da comida — Antoine continuou — Ou pelo menos da sobremesa. Hoje é pudim, então tome cuidado, sempre tem alguém querendo roubar dos outros. Furto de doces não era bem o que Wolff esperava ver num presídio. Mesmo sendo de segurança mínima, ele imaginava que os problemas internos fossem bem mais complexos, como conflitos por interesses, tráfico e acertos de conta. Dois agentes faziam a vigília do refeitório, mas nenhum parecia atento. O ambiente era amplo, as bandejas e talheres de plástico movimentados nas mesas produziam sons comuns em áreas de alimentação. Alguns presos riam e falavam alto, outros comiam quietos ao mesmo tempo que preenchiam palavras-cruzadas. — Eu não costumo comer aqui fora. Mas sinta-se à vontade se você preferir — Antoine entrou na fila e pegou uma bandeja. Mark fez o mesmo, pois sua curiosidade lhe dizia para passar mais um tempo com Antoine. — Você leva a comida para a cela? — disse o alemão seguindo a fila. Os detentos atrás do balcão usavam luvas e toucas brancas cobrindo os cabelos. O primeiro da sequência mirava um sensor infravermelho nos crachás como uma forma de manter o controle das refeições. Outros dois se revezavam em servir dois tipos de sopa e o quarto apenas entregava os talheres e um pote com a sobremesa. — Não, isso é proibido. Levo pra cozinha e como por lá — o mais baixo respondeu e escolheu a sopa de ervilhas. Wolff era o próximo e acabou escolhendo o mesmo. — Tem problema se eu for com você? — ‘Sans problème’. Os dois passaram por uma porta corta-fogo que separava os ambientes. Era uma cozinha industrial bem limpa e organizada, diferente do que o infiltrado imaginava, as panelas usadas para o preparo da refeição mais recente se encontravam lavadas no escorredor e, aparentemente, alguém havia passado um esfregão recentemente no chão. Porém, a presença de várias facas e outros objetos pontiagudos o deixaram um pouco desconfiado. Talvez não fosse a melhor ideia ficar num ambiente assim a sós com um assassino. Antoine deixou a sua bandeja na bancada e fechou a porta da cozinha sem trancá-la. Depois retornou e puxou um banco para que o alemão se sentasse ao seu lado. Wolff estava tenso quando começou a comer. Curiosamente a sopa estava com um cheiro bom e um paladar agradável. Entre uma colherada e outra, o detetive infiltrado observava alguns trejeitos não habituais. Antoine segurava o talher com delicadeza, não emitia barulho algum além de manter uma postura impecavelmente ereta. — Gostou? — o francês quebrou o silêncio. — Hm? — Gostou da sopa? — Ah, sim. Tá bem gostosa! Nada a ver com a fama que a comida de prisão leva. Antoine deixou um pequeno sorriso escapar. Ele era o responsável pelas refeições e ocupava o cargo de chefe de cozinha em Windfeld. Mas não quis revelar, pois era contido demais para isso. — Há quanto tempo está aqui? — Mark puxou conversa após alguns minutos em silêncio. O mais baixo já estava quase terminando e demorou um pouco para responder. — Um pouco mais que dois anos — ele respondeu num tom ainda mais baixo do que costumava falar. — E esse sotaque francês? Foi criado lá? — Nascido e criado em Marselha. E já vou logo avisando que não sou o único francês por aqui — ele esboçou outro sorriso. Era como se Antoine se esforçasse para se alegrar com migalhas de momentos agradáveis. Wolff terminou a sopa e começou a comer o pudim. A sobremesa era industrializada, mas era boa do mesmo jeito. — E como as visitas funcionam por aqui? — o infiltrado continuou após lamber a colher com calda. — Olha… eu nunca recebi uma. Mas sei que tem visita íntima e a social. Mark já havia percebido que o conhecimento do francês seria útil para a missão. Mas àquela altura o detetive já estava muito curioso em saber sobre mais a sua vida particular. — Você não tem família para te visitar? — e continuou a esvaziar o pote. Antoine coçou a nuca e franziu a testa antes de falar. — Tenho, mas… é complicado. A minha mãe não quis mais saber de mim e o meu pai passou m*l quando soube do crime. Ele vive monitorado num hospital desde então. Também tenho um irmão, mas não somos próximos. E, mais uma vez, Mark ficou sem saber o que dizer. Mas o silêncio foi rapidamente quebrado pelo barulho da porta abrindo. — c*****o, Tony! Você manda muito bem na cozinha! — as palavras em francês proferidas com uma voz forte fizeram os dois se virarem para olhar. Era um homem bem alto de pele morena, usava as mangas do macacão azul dobradas e três botões abertos que deixavam parte do seu peitoral tatuado exposto. A sua beleza chamava a atenção, fazendo-o parecer até mesmo um modelo. Tinha olhos negros assim como os seus cabelos cortados à máquina, um sorriso cativante e uma barba sem falhas o valorizavam ainda mais. — Olha só, você fez um amigo! — ele continuou, fechou a porta e aproximou-se dos dois. — Obrigado, Olivier — Antoine respondeu tímido — Este é o Mark, chegou hoje. — Hm… fez bagunça lá fora. Né, magrelo? — o mais alto gargalhou e passou a falar inglês com um sotaque bem marcante. Até então, Wolff não tinha com o que se preocupar. O grandalhão risonho não parecia uma ameaça e não passava de um cara bem humorado. — Olivier Blanc, ao vivo e em cores — ele disse esticando a mão para Wolff. — Prazer — o detetive apenas retribuiu o cumprimento e apertou sua mão. — Então... — Blanc não só se aproximou de Antoine como também começou a massagear seus ombros — Me diga que ainda sobrou pudim por aqui. A princípio, Mark estranhou a i********e dos dois. Mas logo se deu conta que Olivier tinha estatura de sobra para não temer um assassino. — Não sobrou nenhum na dispensa… — Antoine ficou corado ao ser tocado pelo mais alto — Mas você pode comer o meu pudim. Olivier parou a massagem e soltou outra gargalhada. Aparentemente ele era o único que havia interpretado m*l a resposta. — Quer que eu coma o seu pudim, é? — ele continuou num tom brincalhão. A essa altura, Mark já sabia que Olivier era um i****a. Antoine ficou completamente vermelho de tanta vergonha. Compreender a frase com um sentido libidinoso provocou-lhe um frio na barriga. — Não tenho como resistir, ainda mais vindo de você… — Blanc esticou a mão até o balcão para pegar a sobremesa e aproveitou para deixar um beijo no pescoço do loiro cacheado. — Valeu — ele disse e em seguida deixou-lhe outro beijo na bochecha. Wolff esperou até o grandalhão sair e fechar a porta da cozinha para continuar a conversa. — Tá tudo bem? — Sim! — Antoine respondeu como se acabasse de sair de um transe — É que eu sou um pouco tímido, sabe? — completou entrelaçando os dedos e desviando o olhar. Mark já imaginava ver alguns relacionamentos entre detentos. Olivier e Antoine não pareciam formar um casal apesar de demonstrarem um nível de afeto além de uma amizade comum. Mas também não havia como descartar essa possibilidade. Os dois loiros não demoraram muito a sair da cozinha. E assim que retornaram ao refeitório, deram de cara com uma pequena confusão. Mark avistou Robert Lewinski, mas teve a sensação de que o seu primeiro contato com ele seria adiado. O polonês era o centro das atenções de todos os detentos presentes no refeitório. Havia alguém caído à sua frente e um dos guardas se aproximou algemando o alvo da missão.
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