Mark sabia que dali em diante estaria completamente sozinho. Por questões de sigilo e segurança, nem mesmo os guardas ou o diretor da prisão sabiam que um dos novos detentos era um policial infiltrado.
Wolff olhava em volta tentando localizar os demais detentos, e quem sabe, visualizar logo o alvo da missão, enquanto ignorava com facilidade o escândalo do rapaz ao lado. Aparentemente o seu nome era Diego, de acordo com o que estava escrito num crachá que recebera.
No crachá do policial infiltrado, estava gravado ‘Mark Wolff’, o seu nome falso acima de um código de barras. Completando assim, a sua lista de documentos fraudulentos relacionados à sua pena de sete meses em regime fechado por fraude de licitações.
— Está me ouvindo, detento? — a voz forte do guarda que o recepcionava arrancou Wolff de seus pensamentos.
— Sim, senhor! — respondeu num reflexo.
O homem fardado que agora o encarava furioso parecia ser do tipo que usava agressão física como uma forma de lazer. Ele era bem alto, devia ter mais de 1,90m e olhava zangado para qualquer ser vivo. Oficial Meyer era como o carrancudo de cabelos castanhos claros estava identificado. Ele tinha músculos o suficiente para mandar alguém pra enfermaria por um longo período e não era uma boa ideia enfrentá-lo. Mas Diego não parecia ter percebido isso.
— Cala-te, hijo de p**a! Eu quero o meu advogado agora! Meu pai vai processar vocês até o último centavo! — o rapaz gritava misturando espanhol e inglês.
Mark queria alertá-lo que, independentemente da sua situação judicial, xingar um guarda só iria piorar tudo por se tratar de desacato. O oficial apoiou uma das mãos sobre um spray de pimenta que tinha junto ao cinto e foi o suficiente para coagir Diego. Mas, mesmo tendo o direito de adverti-lo, Meyer respirou fundo, considerou que Diego só estava nervoso pois não entendeu suas explicações em alemão e usou um rádio preso ao uniforme para chamar outro guarda.
— Você vem comigo — ele se dirigiu ao loiro enquanto aguardava seu colega de serviço.
Em poucos segundos, um segundo homem uniformizado apareceu andando apressado. Além de mais baixo e gordinho do que o primeiro, o agente penitenciário Fischer também era muito mais calmo que seu superior.
Bastou a presença do segundo agente para que Diego ficasse menos hostil. Ele o informou em inglês que, por se tratar de um flagrante, tinha todo o direito de contatar seu advogado e de receber visitas. Mas para isso era necessário colaborar primeiro. E aquela foi a última vez no dia que Mark viu Diego.
Wolff e Meyer atravessaram o gramado e logo chegaram em uma sala com um balcão e outros guardas. Mark foi liberto das algemas, se desfez de tudo o que tinha nos bolsos, tirou fotos, assinou a papelada e recebeu a orientação de que devia seguir por um corredor para se trocar e passar por um exame prévio.
A parte mais constrangedora, sem dúvidas, foi a inspeção íntima. Mark sabia que teria de passar por isso, mas ficar nu na frente de um médico, se agachar e tossir era bem pior do que já havia imaginado.
Passado o ‘(v)exame’, o detetive infiltrado pôde receber seu uniforme e outros itens pessoais. Wolff vestiu uma camiseta branca e o macacão laranja deixando aberto apenas o botão da gola. Sentou-se num banco comprido de madeira e calçou meias com um par de coturnos pretos. Ele terminava de amarrar os cadarços quando ouviu três batidinhas na porta do vestiário.
— Pode entrar — ele autorizou sem a menor ideia do que esperar.
A maçaneta foi acionada e a porta se abriu revelando um rapaz de macacão azul escuro. Ele tinha no máximo 1,70m de altura, cabelos num tom de loiro escuro formando cachos abertos e volumosos, olhos acinzentados, sobrancelhas espessas e lábios naturalmente cor de rosa. Suas feições eram bem suaves, capazes de levantar dúvidas sobre sua maioridade, mas o olhar triste com olheiras escuras denunciavam que havia algo de errado.
— Oi… — ele disse enquanto entrelaçava os seus dedos timidamente — Eu sou Antoine… O diretor pediu-me para mostrar como são as coisas por aqui.
Mark prestava atenção na voz baixa pronunciando palavras em inglês com um forte sotaque francês e não notou uma pilha de roupas ao seu lado. Ali também se encontravam um par de chinelos e itens de higiene pessoal.
— Quer ajuda para carregar? — Antoine apontou a pilha com o olhar.
Mark não imaginava receber aquilo tudo, mas fazia sentido já que a cadeia seria o seu novo lar. Ele se levantou e deu um jeito de juntar tudo em seus braços.
— Já consegui aqui, obrigado.
Antoine fez um gesto e o chamou para fora do vestiário. Ele esperou até que o loiro saísse para pegar o seu crachá do topo da pilha de roupas e prendê-lo adequadamente no bolso do novato. Wolff notou que a identificação presa à roupa do detento mostrava apenas o primeiro nome, além do código de barras.
— Então… o seu nome é Mark Wolff — o mais baixo tentou puxar conversa — o diretor te colocou no bloco Norte.
O detetive infiltrado começou a andar ao lado de Antoine por um corredor bem comprido.
— Hm... Por onde eu começo? — o detento falava sem manter muito contato visual — O café é servido às seis, o almoço ao meio-dia e a janta às dezenove horas. Sempre tem pão, frutas e café para tomar, mas se precisar de mais alguma coisa é só comprar na lojinha.
Os dois passaram por uma janela em que foi possível avistar uma quadra onde rolava um jogo de basquete entre os presos. Todos também estavam com o uniforme azul-escuro e Mark sentiu-se desconfortável por ser o único destacado com a cor cítrica.
— E para comprar lá você vai precisar de um trabalho por aqui. Ou se tiver família, eles podem depositar na sua conta. Trabalhar na cozinha ou na limpeza da prisão são as opções mais rentáveis, mas muita gente detesta. O que nos leva às opções de motorista e auxiliar de reparos.
— Motorista?
— Isso mesmo. É só dirigir um furgão da prisão acompanhado de um guarda para fazer o transporte de alimentos e medicamentos. Não é grande coisa, mas pelo menos dá para ver o mundo lá fora.
Antoine parou de falar quando os dois atravessaram um portão autorizados por um guarda. Eles viraram à esquerda, passaram por outro portão e continuaram andando um pouco mais. Estavam agora no bloco Norte, um local amplo com paredes de alvenaria bege e piso cinzento. Havia algumas mesas ocupadas por detentos que jogavam cartas, uma televisão de tubo em uma das paredes e também uma mesa velha de ping pong, que juntas pareciam ser as únicas opções de lazer.
Mark finalmente viu os outros presos e, como já era esperado, recebeu alguns olhares curiosos. A cor laranja lhe dava muito destaque, mas na verdade o que realmente chamava a atenção era outra coisa. Agora, na presença dos demais, Antoine era quem mais se sentia incomodado. Ele sabia que os olhares eram direcionados à sua pessoa. Apesar disso, os dois subiram as escadas e chegaram até a cela de Mark. O loiro colocou seus novos pertences sobre uma das camas e começou a separar tudo para pôr nos armários metálicos.
Antoine ficou parado na porta. Estava muito ansioso, remexendo os dedos das mãos e olhando para trás a cada minuto. Ele parecia querer avisar o novato sobre alguma coisa.
— Tá tudo bem? — Wolff perguntou ainda pensando como iria organizar suas coisas nos armários.
O mais baixo coçou a nuca e suspirou em seguida.
— Olha… acho que é melhor você ouvir isso de mim do que dos outros — ele entrou na cela e se aproximou do loiro — Eu cumpro prisão perpétua por assassinato e ocultação de cadáver.
Ouvir aquilo daquele rapaz fez o detetive infiltrado engolir a seco. Ele não sabia que um dos detentos era um assassino.
— E sou o único preso por aqui com um crime hediondo. O que já me rendeu muitas agressões. Mas nada é pior do que ser excluído de tudo, sabe? A vida na cadeia é mais solitária do que parece…
Wolff não deixou de notar a angústia nos olhos do mais baixo. Ou era um assassino manipulador se fazendo de coitado ou estava sendo o mais sincero que podia.
— Os banheiros ficam no final do corredor. Na hora da janta eu te procuro pra mostrar os outros lugares — Antoine continuou, mas falava de cabeça baixa reprimindo um nó em sua garganta.
Ele se despediu com um aceno tímido e deixou Wolff arrumando as suas coisas. Mark ficou com a impressão de que Windfeld, por mais que fosse uma prisão tranquila, também podia se mostrar um verdadeiro inferno para alguns homens. Sobreviver dependia de como você era visto ali dentro.