Vânia
— Não tem o corpo definido como o da sua irmã mais velha, mas servirá certinho.
Olhei para o imenso espelho a minha frente, um sentimento nostálgico serpenteia em meu olhar, quase deixei brotar lágrimas de minhas pálpebras, mas do que adiantava chorar, se tudo o que fiz foi sentar e ouvir o que o Adriano, meu pai, começou a falar. A respeito de como não levar o nome da família Lenar para lama, e de como o destino quis zombar dele ao entregar a carta defeituosa na mesa.
Eu? Defeituosa? O que tinha de errado em mim? Procurei me questionar internamente, já que não possuía voz ativa naquela casa.
— Mamãe... — Ela olhou-me com enorme rancor. — Quer dizer, Helena.
Sorriu, disfarçando melhor o incômodo.
— Poderia apertar mais no b***o e no quadril? Estou sentindo o vestido dançando no meu corpo, tenho medo de chegar nua ao altar.
Helena correu para achar os alfinetes enquanto tentava subir o decote, antes que caísse totalmente. Por que não desenvolvi como a minha irmã? Pelo que eu saiba só temos alguns anos de diferença de idade. Queria ter os montes mais chamativos, arredondados, assim quem sabe poderia agradar o meu futuro esposo.
Sim, eu me ofereci de bom grato, tinha que salvar a minha família da ruína. Como a Virgínia podia ser tão egoísta a esse ponto? Achava que amava o seu estimado noivo. Ela adorava afirmar o quanto estava contente por esse noivado.
Poucas vezes fiz o social nas festas desta casa, e na maioria das vezes sempre permanecia nas sombras, por trás de algum objeto grande da sala, ou em outra parte do cômodo.
— Achei!
Ditou triunfantemente, em seguida veio com tudo, e acabou me espetando no processo.
— Aí mãe! — Acabei resmungando, por medo acabei tampando a boca. De jeito maneira queria levar outro tapa de tirar sangue do beiço.
— Tudo bem, Vânia. Dessa vez não vou te punir, menina boba. — Sorriu olhando-me sinistramente pelo reflexo do espelho corporal.
Tremendo fui abaixando os braços devagar.
— Vai se casar com um Castilier, não podemos fornecer um produto danificado, não é mesmo?
Suspirei cansadamente, nunca entendi porque eu era tratada de forma tão fria, enquanto que Virginia era sempre adorada nessa família. Parecia até que...
— Helena... — Respirei fundo.
— Fique quieta, assim não posso arrumar. — Reclamou.
— Sou adotada?
Ela paralisou, e seu rosto buscou-me com intensa fúria.
— Desculpe. — Foi o que consegui dizer ao abaixar a cabeça toda sem graça.
— Por que questiona? Onde erramos com você garota?
Continuou o seu trabalho, mas agora com muito mais pressa. Acabei irritando-a de verdade.
— Não... Eu...
— Olha... Você viu as fotos das duas gestações, está mais que provado que você nasceu do meu ventre. E sabe muito bem que fiquei muito m*l na sua gestação, e depois veio a depressão pós parto, e outras fobias e tal. Não acho que tenha sido uma péssima mãe, você acha?
Foi para trás, arrumar as costas.
— Claro que não, vocês são ótimos pais.
Desde pequena fui educada a dar valor a família acima de todas as coisas deste mundo.
— Prontinho.
Olhou sua criação com esmero. Logo depois tratou de mexer na parte mais abaixo, com muito mais cuidado agora.
Helena foi uma grande estilista no passado, mas deixou a fama do seu ramo para virar esposa e mãe, uma função que foi passada às suas filhas. Não temos profissão, nossa base era essa. Talvez foi por esse motivo que, apesar da minha irmã ter abandonado tudo, ela queria ser livre. Longe de virar uma mulher exclusivamente do lar. Estranho, nunca comentou comigo sobre outros projetos. Na realidade, depois disso tudo, Virgínia virou um mistério para mim.
Uma batida na porta se seguiu por um entre pela minha mãe. Só podia chamá-la assim em pensamento, diferente de Virgínia que podia fazer o que quisesse. Contudo, ela sempre foi uma boa irmã. Me protegia deles quando estava presente na faculdade.
Adriano adentrou olhando desconfiado para minha mãe.
— O quê acha? — Falou com a fita métrica na boca.
— Pensei que iam à loja de noivas amanhã, por que usar esse se deu azar?!
— Ora... — Deixou cair o metro. — Esse vestido nunca foi usado em público, uma modista importante desenhou especialmente para a minha filha.
Bateu no peito voltando ao seu afazer.
— Acha mesmo que vou desperdiçar uma criação dessas a toa. — Fungou. — Virgínia não vai se casar, fugiu. Então, pelo menos tenho que imaginar como seria e....
— Já chega desse papo, odeio sentimentalismo de mulher. O Evandro foi embora, foi super rude comigo. — Cruzou os braços. — Aquele boa vida de terno e gravata, nasceu em berço de ouro, e mesmo assim precisa se casar com uma herdeira. Somando as empresas, uma poderá sustentar a outra, e assim sucessivamente. O que importa se quem vai se casar, é a Vânia, e não a noivinha que ele papou antes do casório?
— Adriano! — Gritou ela.
Fiquei cheia de vergonha, nunca ouvi meu pai falar desse jeito, ainda mais do casal ídolo.
— Desculpe, andei bebendo um licor de cacau divino.
— Então, pelo visto ele aceitou a troca mesmo?
Se alegrou tanto que esqueceu um alfinete grudado na minha pele. Tirei sozinha sem levantar atenção pra mim.
— Claro! — Abriu os braços. — Odiou a ideia no princípio. — Cruzou-as sobre o peito observando-me atentamente. — Mas no final não tinha outra saída a não ser aceitar, contudo quer que a Vânia de um herdeiro homem a ele no prazo de um ano no máximo, ou o acordo está desfeito e uma multa enorme cairá em nosso nome, manchando até a última geração de nossa família.
Papai se aproximou novamente, fazendo aquela mesma expressão no rosto carrancudo.
— É lógico que essa parte a sua querida mãe lhe contou o que fazer na lua de mel. — Ficou sério. — Não é mesmo, Helena?
— Bem.... Eu.... Nossa... Com a Virgínia...
— Que merda! — Bateu na pilastra da cama. Chegamos a nos assustar pela sua agressividade. — Expliquei-a o que fazer antes de subir ao altar.
Virou-se meio cambaleante.
— Pelo menos de isso a pobre da garota.
Saiu, e no decorrer a mesma correu para me contar.