Vânia Lenar
- Virgínia! Virgínia!
Minha mãe chamava pelos cantos da mansão, despertando-me abruptamente. Aqui nessa casa sou uma verdadeira invisível, todos só reparavam na minha irmã mais velha, a cotada para aumentar o patrimônio familiar dos Lenar.
Sentei na cama achando que o silêncio que se seguiu depois dela chamá-la muito estranha, as duas sempre tinham altos papos ao amanhecer. Dona Helena adorava mimar e paparicar sua primogênita. Não permitia nem que os nossos empregados entrassem no quarto dela para fazer isso.
Levantei buscando meu robe, não era de bom tom ficar perambulando pelos corredores sem cobrir certas partes do corpo, pois todos os serviçais tinha livre acesso, inclusive na parte superior da propriedade dos Lenar. Papai estabeleceu desta forma, caso precisasse, numa emergência.
Usando pantufas e amarrando a peça no corpo saio do quarto, não avistando ninguém. Vejo a porta de Virgínia encostada, bato pondo o ouvido na madeira entalhada com o nome da princesa deste lar, porém não ouço nada.
Estranhando a chamo também, mas resolvo abrir a porta, constatando que a sua pessoa nem havia dormido na casa, preocupada mas sem tempo de raciocinar escuto duas vozes vindo lá de baixo, foi um pico de tom brusco do grande empresário Adriano. Confusa e principalmente curiosa desço a grande escadaria, indo diretamente para onde as vozes vinham com mais força; O escritório.
Parei no batente, vislumbrando a silhueta da minha mãe, parecia cabisbaixa, triste, chorosa. Outra figura veio até ela, abraçando-a, querendo dá-la algum tipo de conforto.
- Helena, meu amor. Não fique assim.
- Como não! - Levantou o rosto pra ele.
Nunca tinha visto minha mãe tão raivosa.
- Ela se foi Adriano! Nos deixou de verdade.
Mas... Como assim? Será que eles estavam levando a sério a escapulida da minha irmã?
Visivelmente tenso o senhor Adriano, patriarca dessa família, se afastou dela completamente transtornado falou:
- Aquela desavergonhada?! - Apontou pra sua esposa, casado há mais de trinta anos. - Culpa sua por tê-la mimado demais! Além de deixá-la usando certos tipos de vestimentas. Somos os Lenar, nossa família é tradicionalista até o pescoço.
- Não ponha a culpa da fuga da nossa herdeira titular nas minhas costas Adriano!
Dizia ela em prantos, misturado a rancor, eles ficaram quietos, olhando um para o outro. Como se tentassem pensar numa saída dessa tragédia.
Virgínia, minha irmã. Por que raios deixaria essa mansão? Isso quer dizer que não haverá casamento? Ou...
- Falaremos com Evandro Castilier.
- Está completamente louca, isso está fora de questão. O que ele acharia de nós?! - Interceptou papai colocando suas mãos na cintura, suspirando pesadamente.
- A noiva fugiu, não quer saber de juntas as empresas. Fora que na carta dizia claramente que não estava apaixonada pelo noivo. Não se sentia pronta para esse matrimônio.
- Isso não faz sentido, embora achasse que ela o amasse. - Ele apontou o dedo. - Nossa filha interpreta muito bem, ótima atriz por final. Nos deixou em maus lençóis com o Castilier.
Abaixou o braço ficando pensativo.
- O pior é que ela tem meios de se sustentar por um bom tempo. - Disse ele cheio de raiva. - Sempre a acostumamos a ter sua própria conta particular diferentemente da...
Por um descuido acabei encostando na porta. E os dois olharam para a direção do som. Fechei os olhos em desespero andando de ré.
- Vânia!
Abri um olho parando ali mesmo.
- Senhor, senhora.
- O quê faz aqui menina?
Agora com os dois olhos abertos vejo os dois, cada um me olhando de forma diferente. Minha mãe nutria raiva e o meu pai... Ele eu não conseguia identificar.
- Vai ficar imóvel? Já não basta o que sua irmã ingrata fez a essa família?
Acuada abaixei a cabeça pedindo perdão em nome da primogênita. Queria ao menos aliviar o peso deles nessa hora tão difícil.
- Estou indo...
Ao me virar a voz dele me fez ficar no lugar.
- Adriano, não precisamos desse contratempo, temos que bolar um plano...
- Pra que? Estou olhando ele se desenrolar aqui na minha frente.
Olhei pra ele, e o mesmo sorriu para mim. Ele nunca sorria, muito menos para a sua preferida.
- Papai...
- Venha querida...
Adriano tocou no meu ombro de forma amigável levando-me para dentro do escritório. Helena veio logo atrás. Ainda não compreendia o que ele queria comigo, apenas deixei-me levar, apreciando a atenção especial que estava tendo. Coisa que nas minhas lembranças nunca cheguei a ter.
Depois de explicar qual seria a minha nova posição nessa família, comecei a pensar como seria ficar no lugar, que antes pertencia a minha irmã fujona, e eles sabiam que eu não tinha muita saída, então ouvi cuidadosamente todas as regras. Não podia desapontá-los, já basta o que a minha irmã fez.
— Então... Evandro virá pedir a minha mão como fez com a Virgínia?
Minha mãe quase gargalhou. Mas o pai se mostrou mais compreensivo.
— Não, querida. Simplesmente você vai usurpar, assumir literalmente o espaço vago da sua irmã. Compreende?
— Mas...
— Ousa nos questionar?!! — Falou raivosamente, assustando-me um pouco.
— Acalmasse, Helena.
Eles trocam um breve olhar, deixando-a super em silêncio.
— Evandro não vai me aceitar, ele amava a Virgínia.
— Acha mesmo isso? Pense bem, sua irmã iria embora se esse rico empresário a amasse?
Repensei, chegando a conclusão que tudo se resumia em negócios. Contratos.
— O senhor tem razão.
— Óbvio. — Retrucou Helena.
— Mas... falará com ele antes de estar lá feito uma boba?
— Falarei, não se preocupe. Não podemos ocultar a sua identidade. Ele sabe da sua existência. Pela tarde cuidaremos disso, preciso conversar com ele pessoalmente, e você mocinha, precisa descansar, ter vários sonos de beleza.
— Está bem, farei tudo o que me pedirem, afinal vocês me deram a vida.
Novamente aquela breve troca de olhares. O que eles estavam ocultando de mim?
Levantei, me despedindo deles, e torcendo para que achem a Virgínia. Espero que esteja tudo ótimo com ela.
Fui pro quarto, pensando nessa nova história. Não acredito em contos de fada, mas até que essa reviravolta foi surpreendente.
— Virgínia... Onde você está?