Capítulo 3

1879 Words
- Um momento - levantei um dedo como se procurasse ar para respirar - deixa ver se compreendi, você tem um clube de acompanhantes de luxo? E está me convidando a ser uma de suas, o que seria? Agenciadas? - tentei usar o tom de voz mais respeitoso possível. - Basicamente isso, mas não é apenas um clube qualquer, não se trata de um puteiro - ela disse essa palavra com um certo nojo. - As mulheres trabalham comigo simplesmente porque cansaram de ser apenas uma qualquer na vida desses homens que não nos valorizam. - Ela me olhou esperançosa, ela de fato falava com amor e excitação sobre isso. - O meu clube é um ambiente onde somente os homens que merecem e estão dispostos a cumprir todas as regras de sigilo e respeito frequentam, são homens milionários, bilionários que apreciam a beleza e divindade da nossa presença. Lá somos tratadas como o sagrado divino que somos, não somos violentadas, não temos nossa identidade revelada e recebemos o valor certo pelo nosso tempo. Somos nós que fazemos as regras e eles pagam para respeitá-las. Pense bem Emily, você com toda sua beleza natural tem todas as chances que eu puder dar de conseguir clientes que pagariam absurdamente caro somente para ter você por uma noite. - Mas que tipo de serviços uma das acompanhantes prestam? - Gatas. - ela me cortou. - Oi? - fiquei confusa. - Gatas, é assim que nos referimos as mulheres que trabalham lá, você não tem seu nome revelado, usa um nome fictício para manter sua privacidade. - Entendi. - fiquei pensativa. - Sobre os serviços que me perguntou, - voltei minha atenção à ela - você já deve imaginar, alguns são de cunho s****l, mas fique tranquila, porque eu me preocupo com a integridade física, emocional e dignidade das minhas gatas. Você passa periodicamente por uma bateria de exames, define seus limites, mas claro, isso é um negócio, todos temos que ganhar... - ela recompôs sua postura e agora novamente a empresária estava lá. - A minha cartela de clientes pagam muito, muito caro para ter as melhores das melhores com eles, então é justo que tenham o melhor serviço, por isso se você aceitar o emprego, terá que dar o melhor de si para ser a melhor companheira que aquele homem poderá ter, seja inesquecível na vida dele e ele voltará com toda certeza. Depois que ela me disse essas coisas fiquei pensativa, não que eu julgue quem faz esse tipo de trabalho, mas eu não me via nesse ramo, mas em contra partida eu precisava de dinheiro pra pagar o tratamento da Clarinha. - Supondo que eu aceite, como funcionaria esse vínculo? - Supondo que você aceite, - nesse momento ela sorriu de canto - teríamos um contrato de um ano de trabalho, você tem 2 noites de folga por semana, sem contar que se caso algum dos nossos clientes solicite sua companhia durante o dia, você tem que estar disponível, mas tudo será avisado previamente. Caso queira rescindir o contrato antes do prazo, pagará uma multa, porque apesar de ser diferente, não deixa de ser um negócio. - E os ganhos? - Temos apenas um valor mínimo por "adoção", mas cada gata tem um valor diferente da outra, afinal de conta, as felinas de raça sempre são mais procurados, não é? - Nesse ponto da conversa um calafrio passou por mim, será que é uma boa ideia? - E a divisão dos lucros? - 50/50 e os valores são consideráveis, você usará apenas roupas de grife e elegantes, manterá sempre sua aparência bem alinhada a qualquer dia, afinal, você faz sua própria propaganda. E nos meus 50% fico responsável por manter toda a manutenção do clube, dos exames e demais encargos que não são de sua alçada. Mas acredite Emily, vale a pena. Fiquei pensando e pensando, é tudo muito suspeito, essa proposta, fora que se eu aceitar tem esse contrato e se eu chegar lá e não conseguir executar o trabalho? Tive poucos relacionamentos na vida e minhas experiências sexuais sempre foram com meus namorados. Não que eu seja santa, looonge disso, mas nunca sai por aí dando no primeiro encontro, gosto de ter conexão com as pessoas antes. Não, não vou conseguir, isso é loucura, é melhor vender coisas no sinal do que me prestar a isso. Está decidido. - Olha, agradeço demais a oportunidade, mas vou ter que recusar a proposta, é demais pra mim, não tenho como garantir que vou conseguir fazer o trabalho e não quero mais dívidas pra lidar. - falei enquanto me levantava e Hera também o fez. - Tudo bem, mas se mudar de ideia, sabe onde me encontrar... gatinha. - e piscou pra mim, meu Deus, que mulher louca. Saí de lá o quanto antes, passos apressados e respiração entrecortada, será que eu acabei mesmo de viver o que eu acho que vivi? Só posso estar ficando louca. Chegando em casa tia Marta e Clarinha já estão dormindo, janto a comida que minha tia deixou pronta pra mim dentro do microondas e depois tomo banho, visto uma roupa confortável e me deixo com Clarinha. Durmo de conchinha com ela e sinto o cheiro de mamãe, que saudades dela, porque teve que ir tão cedo e porque não está aqui pra me ajudar nesse momento em que nossa pequena tanto precisa? Só me dê uma luz mãe, me mostra o que tenho que fazer pra salvar ela... E com essa breve oração apago. BIP BIP BIP - Droga - lá ia eu resmungando de acordar cedo e começar a rotina de novo. Chegando ao café tudo está normal, John de cara emburrada, Carla sempre falante e clientes antipáticos e apressados. Tudo ia "bem" até o John me tirar do mundo da lua enquanto lavava a louça. - Emily! Ligação pra você! - Obrigada - agradeço ao pegar o telefone de sua mãe e ele não solta. - Já disse que ligações são estritamente proibidas em horário de trabalho, resolva logo isso e volte ao serviço. - E então ele sai pisando forte e vejo Carla de longe no balcão, não escutei nada mas consegui ler o que ela dizia "chato pra c*****o" enquanto fazia uma careta e eu ri assentindo. - Alô? - Oi querida, me desculpe te ligar nesse horário, mas... - e então tia Marta começou a fungar, eu podia ouvir barulho de alguém tossindo ao fundo e me desesperei ao constatar que era Clara. - O que houve tia? Me fala logo - eu já estava desesperada e chorando. - É a Clara minha filha, começou uma crise de tosse que não para e agora está escarrando sangue, não sei o que fazer! - e ela também começou a chorar. - Tudo bem tia, estou indo e vou ligar pra ambulância - desliguei o telefone o mais rápido que pude e ao me virar trombo no i****a o John que estava bem atrás de mim, provavelmente escutou tudo. - Você não pode sair, está no horário de pique. Eu simplesmente fechei o cenho e o contornei enquanto tirava meu avental e ia pegar minha bolsa. - Minha irmã está doente e nesse exato momento está passando m*l, preciso ir socorrer ela. - Peça sua tia, ela não fica atoa o dia inteiro com ela? - Nesse momento toda a paciência que tinha se esgotou e eu me virei furiosa o encarando e simplesmente desabafei. - QUAL O SEU PROBLEMA SEU i*****l? VOCÊ NÃO TEM FAMÍLIA? POIS EU TENHO E ELA PRECISA DE MIM, FAÇA O QUE QUISER, MAS EU ESTOU SAINDO AGORA. Ele estava totalmente em choque e paralisado com minha explosão. Não dei tempo pra ele revidar e corri pra saída quando eu escutei ele me chamando. - Emily, pode ir, mas não se preocupe em voltar, você está demitida. Eu simplesmente não liguei, apenas sai dali correndo e chorando, enquanto ligava para o serviço de emergência e eles me orientaram a ir direto pro hospital, porque tinham uma unidade perto da minha casa e iam pegar Clarinha e minha tia lá. Cheguei ao hospital junto com a ambulância e tive tempo de ver a cena mais desesperadora da minha vida depois da morte da minha mãe: Clara na maca com aparelho respiratório, pálida, com o canto da boca manchado de sangue e desacordada, minha tia vinha logo atrás aos prantos e quando me viu me abraçou e ali desabamos de desespero e dor. Não sei se aguentaríamos perder a Clara também. Um médico veio nos acalmar e dizer que iriam dar o atendimento necessário pra ela e viria em seguida nos dar notícias, fomos encaminhadas pra sala de espera e ali ficamos umas 2h aguardando notícias. Finalmente depois desse tempo vimos um médico vir em nossa direção. - Emily Ross é você? - Sim, como ela está? - Estável, ela vai ficar bem, mas no momento não pode receber visitas, precisa de repouso, apesar de nova ela é forte, quer viver. - Tia Marta me abraçou e suspiramos aliviadas. - Mas há algo importante que tenho que dizer, - voltamos nossa atenção a ele que estava sério - o quadro dela é delicado, precisamos o quanto antes iniciar o tratamento da doença, essas crises que ela teve continuarão acontecendo e cada vez pior, ela precisa dos cuidados imediatamente, vocês tem algum plano de saúde? - Não doutor, infelizmente não. Nesse momento o médico suspirou e olhou para o lado, como se ponderasse o que iria dizer. - Olha, entendo a situação de vocês e infelizmente o governo não custeia o tratamento que ela necessita, o máximo que posso fazer é mantê-la aqui em observação por mais 2 dias, após, contra meu gosto, terei que deixá-la com vocês. - ele deu uma pausa e voltou a falar - Não é o que desejo, mas se houver algo que vocês possam fazer, façam, ela não vai aguentar muito tempo sem os cuidados médicos que precisa. Sinto muito. Ele então colocou uma mão sobre meu ombro e a outra sobre o de minha tia e se despediu, eu e titia nos olhamos e eu só conseguia ver uma coisa: desespero. - O que vamos fazer? Não vou suportar perder nossa pequena também, já basta sua mãe. - E começou a chorar descontroladamente. "Se houver ago que vocês possam fazer, façam, ela não vai aguentar muito tempo sem os cuidados médicos que precisa [..]" Isso ficou ressoando na minha mente sem parar até que eu entendi e aceitei o que estava bem na minha cara, custe o que me custar, não vou deixar ela passar por isso, tem algo que posso fazer. - Tia, vai ficar tudo bem. - levantei seu rosto e o coloquei entre minhas duas mãos fazendo com que ela me olhasse dentro dos olhos - eu tenho uma ideia tá? Vai pra casa, Clarinha não pode ter acompanhante hoje, tome um banho e descanse, vou resolver isso, prometo. E então a beijei na testa, tentando passar uma força que eu orava pra que eu tivesse de verdade. Peguei minha bolsa e chamei um motorista pelo app, e saí. Eu estava a caminho do único lugar que poderia ser minha salvação: a sala branca.
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