No dia seguinte eu acordei mais cedo que o normal, era apenas 03h quando despertei, me arrumei, fiz um café bem forte do jeito que eu gosto e fiquei ali sentada com nossa gata Pandora no colo observando o cartão. Na noite anterior, antes de me deitar com a Clara, conversei com minha tia e ela me informou tudo sobre o estado dela, precisávamos começar o tratamento o quanto antes pra aumentar as chances de cura – sim, graças a Deus tem cura.
Assim que deu meu horário fui trabalhar, o tempo correu normal, muito movimento e poucos “bom dia” e “obrigado”. Assim que deu meu horário de almoço, fui ao parque perto do meu trabalho e tratei de ligar para Hera que curiosamente me atendeu após duas chamadas.
CALL ON
- Bom dia Emily, aguardava ansiosa por sua ligação.
- Como você sabia que era eu? E o meu nome? – Olhei ao meu redor e não a vi, não é possível, como ela sabia?
- Porque eu passei meu contato apenas para você e todas as outras chamadas eu conheço os números e sobre o seu nome? Você usa um crachá de identificação no trabalho, lembra-se? - Nesse momento dei um tapa em minha testa, que mancada - Enfim, se me ligou, é porque se interessou pela oferta que fiz… - pude ouvir suas unhas tintilarem na mesa.
- Sim, gostaria de saber sobre já que pelo seu cartão não consegui ter ideia nenhuma do que seja. – falei enquanto olhava para o cartão em minha mão.
- Essa é a ideia, pois o meu negócio é muito seleto e sigiloso, e também por isso não posso falar nada por telefone, me encontre no endereço que vou te mandar por sms após seu horário de expediente. Venha com a mente aberta e acredito será ser uma grande oportunidade de ganhos pra nós duas.
- Ok, obrigada.
CALL OFF
Poucos segundos depois recebi a mensagem com o endereço, era em uma região onde só gente rica trabalhava. Varri esses pensamentos, finalizei meu almoço e voltei ao trabalho normalmente. O resto do dia foi igual a todos os outros, correria e estresse. Eu já tinha avisado a tia que iria chegar mais tarde, que iria fazer uma entrevista.
Peguei um Uber e cheguei até rápido ao endereço, a sala era em um prédio enorme todo espelhado, como já era início de noite, havia pouco movimento. Entrei e fui até o andar indicado e novamente lá estava o mistério, na porta de sua sala estava apenas o seu nome, bati duas vezes e uma mulher linda que se daria muito bem como modelo abriu a porta pra mim e me deu passagem. Entrando lá o ambiente era o oposto do que pensei, a decoração minimalista e totalmente branca era um contraste com o cartão e até o momento eu não tinha nenhuma pista do que seria. Mente aberta? Quem fala isso pra fazer proposta de emprego?
- Sente-se senhorita Emily Ross, Hera em breve te atenderá. - a loira disse educadamente e em seguida sentou-se atrás de sua mesa de mármore branco e voltou sua atenção para o notebook. Eu fiz conforme ela disse, me sentei no sofá - branco - e aguardei.
Passaram-se uns 20 minutos de espera quando a mulher conhecida apareceu pela porta do seu escritório me chamando.
- Emily, que bom que veio, venha, entre.
Passei por ela e me sentei em uma das cadeiras apontadas por ela de frente a sua mesa, e ela se sentou em seguida de frente pra mim. Fiquei um pouco tensa, não sei porque mas um ambiente claro daquele que deveria transmitir paz, não me deu paz.
- Não fique nervosa ou preocupada, está tudo bem.
- Como você sabe?
- Eu leio as pessoas minha jovem. - ela olhou pra mim e sorriu.
- Então, me desculpe se pareço nervosa, mas é que realmente estou, preciso muito do dinheiro pra poder cuidar da minha irmã.
- Entendo... - ela disse enquanto pegava um envelope e retirava um documento que posicionou a minha frente junto com uma caneta. - Mas antes, preciso que preencha esse formulário de confidencialidade, é apenas burocracia de segurança, porque como eu havia dito, meu negócio é seleto e altamente sigiloso, não posso correr o risco de você não aproveitar a chance e ainda saber dele e espalhar por aí - então ela olhou pra minha cara de espanto e riu - não que você seja esse tipo de pessoa, estou apenas nos resguardando de possíveis problemas judiciais.
Apesar de estar claramente espantada, não relutei em preencher com meus dados e assinar. Eu mais do que nunca estava curiosa e ansiosa por saber o que era o tão "seleto e sigiloso" negócio.
- Muito bem - ela disse enquanto guardava o envelope - Emily, eu costumo frequentar aquele café diariamente e sempre te vi lá focada nos afazeres e compreendo totalmente caso não se lembre de mim, mas o fato é que nunca entendi como uma mulher bonita e atraente como você trabalha atendendo pessoas ignorantes e m*l educadas. Você com sua beleza poderia conseguir muitas coisas melhores, porque nunca tentou mudar de vida?
- Não tive tempo pra pensar no que fazer, minha mãe faleceu a uns 4 anos atrás e deixou a mim e minha irmã mais nova, não temos dinheiro e as contas não pararam de chegar, eu como eu era mais jovem, a aposentadoria da minha tia não iria cobrir os nossos custos até eu conseguir fazer uma faculdade ou me especializar em algo, eu simplesmente tive que me virar e lá foi o único lugar que me deu a oportunidade de primeira e desde então estou lá.
- Compreendo, mas o que você aspira na sua vida? Além de claro, conseguir pagar o tratamento de sua irmã e manter vocês?
Fiquei um tempo pensativa, até aquele momento, não tinha parado pra pensar no que eu queria pra mim, eu estava preocupada demais cuidando de nós que me esqueci de mim.
- Nunca pensei nisso antes.
- Você namora? - ela me olhava fixamente.
- Com todo respeito Hera, mas no que essa informação influencia?
- Totalmente, vou ser direta e espero que entenda o que vou dizer sem nenhum preconceito.
Fiquei em silêncio aguardando.
- Eu sou sócia proprietária de um clube onde mulheres lindas e atraentes como você tem oportunidade de encontrar aquele que as "adotem"... - ela sorriu de canto.
- Adotem? - estou completamente confusa.
- Sim, provavelmente você deve ter estranhado meu nome Hera, na verdade, este não é meu nome de verdade, é o nome da minha gata. Nos tempos antigos os gatos eram venerados, adorados e sinônimo de boa sorte e fortuna, era comum associá-los à deuses, são seres enigmáticos e particularmente pra mim, mágicos. São animais que não foram domesticados como os cães, eles simplesmente aprenderam a viver em comunhão com os humanos pelo fato de ser algo benéfico para ambas as partes, são seres livres e em sua maioria independentes... - eu a olhava incrédula, sério isso? Eu vim para uma entrevista de emprego e estou aprendendo a mitologia dos gatos?
- Entendo se estiver confusa sobre tudo isso, mas é importante que eu a explique porque pra mim, a mulher e os gatos tem algo em comum em sua essência, deveríamos ser adoradas e sagradas, mas hoje sofremos nas mãos dos homens e de suas maldades... - ela virou-se pro nada e observou um ponto fixo, era como se ela estivesse lembrando de algo doloroso- enfim, por essa minha crença eu aproveitei do fato de que vim de um berço de ouro e construí um império secreto, criei um clube onde nós somos as gatas, acompanhantes daqueles que sabem nos valorizar e pagam o preço correto pela nossa presença, mas não é qualquer uma que faz parte da minha equipe, somente aquelas que acredito que valem a pena e tem uma aura intrigante e uma beleza diferenciada, e você minha amada, - ela olhou no fundo dos meus olhos e pude ver seus olhos escurecendo, é como se ela tivesse algo mágico que me prendia - é inigualável, você com toda certeza seria a nossa maior, mais desejada e venerada gata.
Depois de muito tempo a encarando tudo fez sentido na minha cabeça, gatas, acompanhantes, pagam o preço... ela estava me convidando para ser uma acompanhante de luxo no seu clube.