CAPITULO 3

2358 Words
Era dia 14 quando Jade e Theo fecharam o acordo. Theo avisou que a data de partida seria dia 19. Jade aproveitou todos os cinco dias restantes para entrar na personagem. A boa notícia era que ninguém fazia ideia de quem era a namorada de Theo, então Jade poderia até ser ela mesma, já que não tem a grande necessidade de impressionar alguém. De tudo, o que Jade teve mais dificuldade foi a parte de que Clara vinha de um lar amoroso e era apegada à família. Jade teve que inventar boas histórias com seus pais fictícios e não é fácil quando você não conhece absolutamente nada do assunto. Como seria crescer em um lar estável? Pouco a pouco, os dias foram passando. Jade preparou a casa para a viagem. Precisou jogar fora um bocado de comida que estaria podre na sua volta e até instalou travas de segurança nas portas, sozinha. Por morar sozinha desde os 20 anos, Jade teve que aprender a fazer coisas que nunca imaginou, como trocar a resistência do chuveiro, instalar prateleiras ou desentupir uma pia bem nojenta. No dia 19, suas malas estavam feitas, ela vestia uma roupa que imaginou que Clara usaria. Uma saia longa azul bebê com uma blusinha branca. Nos pés, uma rasteirinha da CS e poucas joias. Jade fez um penteado, uma trança que pegava apenas a parte do meio da cabeça e descia pelo seu ombro. Ela jogou o cabelo solto para o lado da trança e sentiu que estava pronta. Pontualmente, Theo chegou. Agora ele vestia uma camisa casual branca um tanto amassada, mas de um jeito legal, um óculos escuro que fez seu sorriso ficar mais branco e um relógio enorme no braço que Jade notou que não estava ali antes. — Preparada para o maior papel da sua vida? —Theo perguntou a Jade após ela colocar sua mala no porta-malas e entrar no carro. Jade tirou da pequena bolsa que carregava no colo, um óculos rosado e pôs no rosto. — O maior papel da minha vida, eu não sei, mas com certeza, a maior loucura. — Jade fez Theo rir. De alguma forma, é reconfortante para ela que ele não pareça nervoso. Durante a viagem, Jade descobriu o gosto musical de Theo por Rock. Ela se considerava eclética, então não se importou de escutar as músicas de Theo durante 6 horas e meia de viagem. No caminho, Theo contou um pouco sobre sua família. A mãe se chamava Luiza. Era uma mulher séria e rigorosa. Theo não teve papas na língua ao falar dela, aparentemente, ela não gosta de ninguém. Às vezes, nem parece gostar dos próprios filhos. Seu pai se chama Inácio. Theo conta que seu pai não é lá a pessoa mais simpática que existe. Sua irmã mais velha é um tanto paranoica com os filhos e a mais nova, Theo descreveu como "um saco". Seus tios e tias eram todos insuportáveis. Theo disse a Jade que os únicos parentes que valia a pena conhecer, eram seus avós. E o mais importante, a família dele valorizava muito o Natal. Jade durante toda a falação sobre o Natal, começou a imaginá-los como testemunhas do Natal. Após toda a informação, Jade se virou para Theo o máximo que seu cinto de segurança permitia. — Ainda bem que você me contratou, pois só pagando pra uma namorada aguentar uma semana com essa família que você descreveu. Theo, em vez de ficar ofendido com o comentário sobre sua família, riu e levantou as sobrancelhas para Jade. — Você tem garras afiadas, ein? Eu percebi isso naquele dia, achei que você era perfeita pra isso, afinal, é preciso ter garras para entrar na cova dos leões. Jade recebe o comentário como um elogio. Muitas foram as vezes que sua língua afiada e seu temperamento foram julgados como falta de educação e um grande defeito. Ela se sentiu bem por finalmente alguém reconhecer que Jade apenas é boa em se defender. —Se tudo der certo, será a última que vou entrar. — Jade ri do próprio comentário, não por ser engraçado, mas por ser satisfatório. Foi várias as vezes que Jade pensou em desistir, e agora, finalmente, ela poderia se dar ao luxo. — O último? Você vai aposentar os saltos de grife? — Theo questiona Jade. Jade assente com a cabeça. — Você vai me pagar o que eu preciso para quitar minha dívida, eu posso finalmente arrumar um emprego normal e ter uma vida chata normal. — Eu não imagino que alguém como você consiga ter uma vida normal, isso é coisa pra gente chata. Jade guarda a frase "alguém como você". Tendo o trabalho que tem, Jade já ouviu essa frase antes. Nunca num bom sentido. — Bom, "alguém como eu" terá que se acostumar, chega de bajulação e festas somente com camarão e champanhe pra mim. —Nisso você não tem que se preocupar nessa semana, eu detesto camarão e minha família odeia bajuladores. Jade pensou por um momento que talvez, apenas talvez, essa semana não seja assim tão r**m. Seis horas e meia depois que saíram de sua cidade, Theo e Jade passaram pela entrada da pequena cidade em que a família de Theo morava. Theo contou a Jade tudo sobre a cidade onde cresceu. Contou-lhe sobre como as pessoas respeitam a família dele, sobre os pontos turísticos que se resumiam a enorme praça da cidade e a pequena cachoeira a alguns quilômetros da estrada. Jade tinha calafrios a cada rua que Theo entrava. Ver aquela cidadezinha tão familiar, com tantas decorações de Natal e algumas ruas de paralelepípedos com Theo tendo que reduzir em cada uma delas, pois sempre tinham crianças brincando, fez o coração de Jade afundar no peito. Ela nunca brincou na rua, nunca decorou sua casa no Natal ou sequer ouviu uma música de Natal. — É logo ali na frente...—Theo avisa a Jade. Eles entram numa estrada em formato de "S" e ao fim dessa estrada, está a casa dos pais de Theo. Jade já visitou diversas casas de ricos, mas nunca viu algo de tão bom gosto. A casa era gigantesca com um lindo jardim na frente decorado com rosas brancas e arbustos. À direita da casa, um pequeno parquinho com alguns brinquedos que Jade adorava quando criança. E tudo muito bem decorado para o Natal. Luzes natalinas em todos os lugares possíveis, estátuas de renas, estrelas, presentes que piscam e o próprio papai noel. — A sua mãe roubou toda a decoração da cidade? Theo estaciona o carro. —Você ainda não viu dentro de casa. Theo sai do carro e vai direto ao porta-malas. Jade abre a porta e um cheiro maravilhoso de biscoitos enchem suas narinas. A barriga dela ronca, lembrando-a que só fez uma refeição nesse dia. Jade vai ajudar Theo com as malas e percebe que fazem muito barulho, e mesmo assim, ninguém apareceu. Theo leva as malas até a grande porta da frente e em vez de tocar a campainha, ele tira do bolso um chaveiro e abre a porta. Jade vai logo atrás dele. — E claramente, é aqui que o papai Noel se esconde o resto do ano. — Jade fala baixinho. O lado de fora não era nada comparado ao lado de dentro. Não tinha um centímetro quadrado se quer sem algo que lembrasse o Natal, nem que fosse vagamente. Jade quis rir. Ela olhou toda aquela decoração de Natal e sentiu vergonha. Quem em sã consciência faria uma coisa dessa? Quem gastaria tanto dinheiro numa grande bobagem como essa? Para Jade, não tem como uma pessoa normal ter feito aquilo, essa foi a primeira vez daquele fim de semana que Jade pensou em correr dali e entrar no primeiro ônibus rumo a sua casa no Rio. Isso aconteceu 8 vezes, em 8 casos específicos. De repente, uma mulher aparece descendo as escadas. Jade reconheceu a mulher da foto do i********:. Vestida num fino macacão branco, a mãe de Theo descia as escadas olhando para o filho, até que pôs os olhos em Jade. —Theo, meu filho! Fez uma boa viagem? — A mulher, ainda olhando para Jade, cumprimenta o filho com um beijo no rosto. — E essa é sua namorada? Theo já havia se preparado para esse momento. — Essa é a Jade. Jade, essa é a Luiza, minha mãe. —Theo apresenta as duas mulheres na sua frente. — O papai está? Luiza abre um pequeno sorriso para Jade. —Como vai? É um prazer conhecê-la, fique à v*****e. — Luiza disse para Jade. Nesse momento vieram as palavras de Theo na sua cabeça. "Ela vai dizer o de sempre, mas acredite, não é um prazer conhecê-la e muito menos, fique à vontade." E então, Luiza se direcionou para o filho. — Seu pai está na empresa, mas ele chega a tempo para o jantar. Convidei a Laurinha e suas tias. Jade lembrou das aulas no carro. Laurinha era como a família se referia a irmã mais velha de Theo. E a outra se chamava... — E a Tina? Quando ela vem? — Theo estava examinando a casa e havia deixado a mãe e Jade sozinhas com as malas, então ele teve que gritar para ser ouvido. Tina era Martina. A irmã mais nova. — Sua irmã me deixa saber algo da vida dela? Ela deve aparecer qualquer dia com um desajustado. — Luiza, ao falar a última palavra, olhou para Jade. Em vez de levar para o coração, Jade quis rir. Luiza era uma leoa feroz que vez ou outra atacava até os da sua família, mas Jade conhece a sensação. Theo aparece na sala. — Você pega muito no pé dela, a Tina só tem gostos diferentes. — Theo percebe Jade em pé, ao lado da mãe, desconfortável. — Vou mostrar pra Jade nosso quarto. Theo pegou as malas e chamou Jade para subir as escadas com ele. Ao passar por diversos corredores e portas, eles chegaram. Jade demorou para perceber que esse era o quarto de infância de Theo. A decoração era crua, daquele jeito rico e sem graça de ser, mas os livros surrados nas prateleiras entregaram Theo. — As vantagens de ser invisível. Um bom livro. É chamativo para aquele público não popular...— Jade passa a mão no livro. Theo joga as malas em cima da cama e se junta a Jade. — Eu tinha 13 anos. Só fui ser popular aos 17, e nem era do tipo legal. Jade olha para Theo com um enorme ponto de interrogação na cabeça. — Como assim? — Eu fazia várias coisas. Era ator, dançava, cantava, e era irmão da Tina. Isso fez muita gente saber quem eu era e eu fiquei popular, mas não tinha aquela parte boa de ter todas as garotas do colégio aos meus pés. Jade não acreditou no que ouviu. — Em primeiro lugar: Eca. Ter todas as garotas do colégio aos seus pés? Você realmente queria isso ou era para passar a impressão de machão? E em segundo lugar: como assim sua vida era um High school musical? — Não é o que todo garoto deveria querer? E sim, minha vida era um musical adolescente, eu era protagonista de todas as peças que meu colégio fazia e qualquer evento da escola, lá estava eu cantando. — Inacreditável. Não tinha alguém assim nas escolas que eu frequentei, deve ter sido legal. E não, todo garoto não devia querer isso. Não é certo por esse tipo de pressão em crianças. Theo riu. — Sim, todo o bullying foi maravilhoso, mas passou com o tempo. Jade começa a observar mais o quarto. Cortinas azuis, roupa de cama cinza e uma porta que provavelmente leva ao banheiro. — O que fazemos agora? — Jade pergunta. — Eu vou tomar um banho, falta pouco pra hora do jantar, e depois vou conversar com meu pai. — Theo começa a abrir sua mala. — Então, você tá me pagando 24 mil reais pra exatamente o que? Sua mãe não gostou de mim e não vamos ficar juntos...Qual o real motivo? Theo não esperava ser questionado logo de cara. Jade estava certa, Theo escondia algo de Jade e ele sabia que teria que contar, mas esperava que não fosse agora. — A verdade? Eu trouxe você aqui pra minha família te odiar e quando eu conseguir reatar com a Clara, eles verem que eu estou com uma boa pessoa. Jade pisca algumas vezes. — Você me contratou para passar uma péssima impressão? Mas não me contou. Não me contou porque você conheceu minha personalidade e viu que eu faria isso sendo eu mesma. Eu sou uma pessoa r**m e Clara é uma pessoa boa. E essa foi a segunda vez que Jade quis sair correndo desse lugar. Jade sempre soube que não era uma pessoa fácil, mas ouvir isso assim foi pesado pra ela. — Olha, me desculpe, você apenas é incompatível com minha família, acontece. — Theo tenta explicar, mas Jade corta ele levantando a mão. — Não, Theo, não é que eu sou incompatível com sua família, eu SOU uma pessoa h******l, eu CAUSO uma má impressão e você me contratou pra mostrar pra sua família que você pode ter uma coisa melhor. A Clara, que também é incompatível com sua família, mas não será mais depois que eles conhecerem a megera que você namora, né? Se Theo tivesse que descrever o medo e a raiva, ele descreveria aquele momento. Jade espumava de tanto ódio dele e Theo estava apavorado. —Me desculpa. Eu entendo se você quiser ir embora. E Jade queria, mas ela também queria o dinheiro. — Eu quero ir, mas eu sou uma i****a que aceitou esse trabalho infernal, eu claramente estou desesperada. E você também. Parabéns, você agora conseguiu um upgrade no meu serviço, pois se o seu objetivo era uma namorada megera, fico feliz em lhe informar que eu te odeio e eu SOU uma megera com quem odeio. Theo não disse nada. Ele sabia que qualquer coisa que falasse, colocaria mais lenha no incêndio que Jade era.
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