—Você não me falou que eu teria que gastar dinheiro aqui...— Jade sussurrou bem baixinho, quase inaudível, no ouvido de Theo.
Eles estavam na sala de jantar. Jade sentia que não tinha se arrumado o suficiente para a ocasião. Ela pensou que seria apenas um jantar, mas aparentemente, era importante. A família toda reunida para sortear os nomes do amigo oculto de Natal.
Jade quis morrer quando ouviu todas essas palavras juntas.
—Eu p**o. — Foram as palavras de Theo, calmas e sem surpresas.
Jade conheceu vários parentes de Theo nessa noite. Sua tia era uma mulher reservada que nem olhou no rosto de Jade a noite inteira, já o marido dela foi simpático. O tio de Theo compartilhava do mesmo sentimento da irmã, pelo visto, porém, sua esposa olhava Jade como se soubesse o que ela estava passando com essa família.
Os primos de Theo são adolescentes. Eduardo e Alicia. De 13 e 17 anos. Aparentemente a mãe de Theo é a mais velha dos irmãos. Jade também teve o desprazer de conhecer a irmã de Theo. Laurinha, a irmã mais velha. Jade foi toda feliz brincar com os lindos filhos dela e foi barrada. Não podia pegar o bebê no colo, nem oferecer biscoitos pros mais velhos e muito menos dar um abraço em um deles que tinha a saúde debilitada e poderia ficar doente com os germes de Jade. Palavras da irmã de Theo.
E Jade finalmente pôde conhecer os avós de Theo, e isso a animou. Theo disse que eles são legais, porém ela ainda não teve a chance de conversar com eles a sós.
Luiza tem um saco de pano na mão e começa a passar por cada pessoa, até mesmo as crianças que já têm idade para ler. Cada pessoa tira um papel e depois rasga e põe num pote.
E o saco chega em Theo e Jade. Theo põe a mão no saco e tira de lá um papelzinho. Ele lê e sem expressar reação, põe na boca e mastiga.
E então é a vez de Jade. Luiza olha para ela, como se estivesse fazendo isso de má v*****e. Jade pôs a mão no saco. Ela sentiu ainda alguns papéis e pegou um. Ela leu.
Luiza
— Ahn...eu vou trocar o meu. — Jade tentou pôr o papel de volta no saco, mas Luiza puxou o saco e agarrou o braço de Jade.
—p******o trocas.
Jade sentiu o olhar gélido de Luiza sobre si. Ela praticamente dizia para Jade não criar confusão, mas ela não sabia quem Jade havia tirado. E se soubesse, com certeza seria a favor da troca.
Jade soltou seu braço e rasgou o papel. Luiza pareceu mais satisfeita e seguiu para o próximo como se nada tivesse acontecido.
— Desculpa por isso. — Theo sussurrou no ouvido de Jade.
Ela estava furiosa. Com Theo, com Luiza e com essa família estranha. Mas Jade estava mais furiosa consigo mesma. Theo tentou pegar no braço de Jade para confortá-la, e ela bruscamente desviou.
Ele entendeu o recado. Theo se mexeu atrás de Jade, incomodado. Mas a garota não ligou, muito menos quando ouviu Theo bufar atrás dela, isso até a fez sorrir um pouco.
—Bom, o último papel é o da Tina, quando ela resolver aparecer por aqui. — Luiza colocou o saco em cima da mesa. — Vamos comer?
Em segundos, todos educadamente se sentaram em seus lugares. A barriga de Jade roncou. Alto. Luiza a olhou da cabeça até onde ela poderia ver o corpo de Jade.
De repente, a avó de Theo começa a rir. A risada dela ecoou pela sala e levou o avô de Theo a rir também. Os dois faziam um belo casal, os cabelos cinzas dela combinavam com os cabelos completamente brancos dele. Ela era magra e baixa, com feições bonitas. A pele clara e pouco enrugada e uma maquiagem bem básica. Já o avô tinha a pele n***a e bem pouco enrugada. Ele não era tão magro e tinha uma barba pouco grande. Jade viu nos dois, olhos bondosos.
—Alguém dá um pão pra moça! Não precisa ficar acanhada, querida, pode se servir. — O avô de Theo diz.
As crianças começam a rir, e Theo se junta a elas. Então Jade ri também. Embora ela esteja corada com todos a olhando, ela decide confiar nas pessoas mais simpáticas dali.
Jade começa a se servir.
A tia de Theo olha para ela horrorizada. Como pode alguém que nem da família é, uma desconhecida, se servir primeiro?
—Ahn...Seu João, quem deve se servir primeiro é o dono da casa, o Inácio. — A tia de Theo diz.
Jade não para de se servir.
—Por que ele e não a Luiza? — Jade pergunta enchendo seu prato de purê.
—Porque o Inácio é o anfitrião, o dono da casa. —Dessa vez foi o tio de Theo.
—E a casa não é da Luiza também? —Jade começou a cortar o frango.
—Mas o Inácio que é o marido...—A tia de Theo começa, e Jade olha pra ela embasbacada.
Ela poderia esperar isso do tio de Theo, mas de uma mulher?
—Então a casa onde a senhora mora é do seu marido, não sua? Isso não existe, Luiza tem tanto direito de começar a se servir quanto Inácio. — Jade finalmente terminou.
—E quem é a moça que insiste em desafiar mais essa família do que a Tina? — O pai de Theo perguntou.
Nesse momento, Luiza soltou uma risada. O marido a olhou surpreso, assim como várias pessoas da sala.
—Mais que Tina? Ninguém desafia mais essa família que Tina. — Luiza disse após se recuperar da risada.
—Realmente, minha filha, Tina é figura rara, mas eu gosto de saber que ela não é a única com seus pensamentos. — A avó de Theo falou de repente e piscou para Jade. — Servidos?
Ela então começa a se servir. Em seguida, Luiza pega seu prato e começa a enchê-lo de salada. Jade respira feliz e percebe que ao seu lado, Theo relaxa. Ela não parou pra pensar o quão tenso ele deveria estar vendo Jade discutir com seus tios na mesa de jantar.
Theo, discretamente, aproximou os lábios no ouvido de Jade.
—Minha família é bem tradicional, Tina luta contra eles há décadas, não perca seu tempo com eles.
— E quando eu vou conhecer a famosa Tina? — Jade se virou para Theo, e falou tão baixinho quanto ele, porém ao se virar, Jade e Theo ficaram com os lábios próximos, que fez Jade hesitar por meio segundo, até ela lembrar que aquilo não era errado, ela e Theo são namorados aos olhos da família esquisita dele.
Theo, ao contrário de Jade, não hesitou, em vez disso, ele abriu um pequeno sorriso sem mostrar os dentes, mostrando que viu a hesitação de Jade, e claro, a deixando mais furiosa. Ela começou a pensar que Theo gostava de provocá-la.
—Acredite, você não está ansiosa para conhecer a Tina.
—Tio Theo, podemos jogar xadrez juntos, mais tarde? — Uma voz baixa e aguda fez o convite. Jade procurou o locutor da voz e encontrou um dos sobrinhos de Theo. O garoto era magro e baixo, tinha os cabelos enrolados e a pele que se assemelha a da mãe. Jade não dava mais de 10 anos para o menino.
Laurinha, irmã de Theo, olhou para o filho.
—O Tio Theo é um homem ocupado, por que não pede para sua irmã?
A irmã a quem Laurinha se referia, era Isabela, a criança que tinha a saúde debilitada.
— Não, a Isa não sabe jogar direito. Por favor, tio Theo! — O garoto implorou a Theo.
— Eu jogo, não tem problema. —Theo disse ao sobrinho.
Então a irmã de Theo olha para Jade.
— E você, Jade, sabe jogar xadrez? Suponho que sim, Theo disse que foi criada numa família grande e feliz, esse é o tipo de coisa que um pai ensina pra uma filha.
Jade olhou para Laurinha. Ah sim, Jade reconhecia o tom de voz. O jeito doce de disfarçar uma crítica. A verdade é que Jade nunca aprendeu xadrez. Ela nem sabia que era o tipo de coisa que um pai ensinava a uma filha. Para Jade, o que um pai ensina para uma filha é abandono. Mas Jade teve padrastos na vida. Alguns ruins, outros horríveis, mas um em especial foi um padrasto menos r**m.
—Ah, não somos uma família assim. Mas meu pai é um homem maravilhoso, me ensinou coisas realmente necessárias como trocar um pneu, se defender de um e********r, trocar a resistência do chuveiro...
A irmã de Theo ri.
— Quem precisa saber trocar a resistência de um chuveiro? Bom, o papai nos ensinou xadrez. E nos ensinou a discar o número do reboque, exercitar a mente é muito melhor.
Jade olha para a garota rica e mimada a sua frente e lembra que ela também deveria ser uma garota rica e mimada. Jade ri para si mesma. Ela nunca foi mimada, quem a mimaria? Como Jade saberia a sensação?
— Ah, claro, 200 reais num reboque não é nada, meu pai me ensinou a discar também, é o que eu sempre faço com meu HB20.
Jade riu para si mesma novamente. Ela lembrou como suas amigas ricas ganharam um HB20 quando fizeram 18 anos. Ela escuta Theo rir ao seu lado.
— Ah, eu tive esse carro! — Laurinha, pela primeira vez na noite, fala algo que parece ser positivo para Jade.
E Jade sorri para ela com o mesmo entusiasmo e apenas Theo, em toda a mesa, percebe o sarcasmo.
De repente um barulho enorme surgiu. Era como se um carro estivesse arrastando uma lata de lixo. Todos se levantaram surpresos, o pai de Theo correu até a porta, tenso. Ele abriu devagar e Jade pôde ver os ombros do homem murcharem.
Ele se virou para a família e gesticulando com os braços, ele anunciou num tom baixo com uma pontada de decepção.
— Tina chegou.