Melissa
“- Olha só se não é a ratinha do Bronx.
- Está procurando lixeiras? Estão logo ali, ratinha.
- Me deixem em paz! - Grito, sentindo as lágrimas denunciarem meu medo. Eu já estou farta dessas garotas me perturbarem, estou cansada de ser humilhada, estou cansada de tudo!
- Se não o que? Vai voltar pelo esgoto para sua casa? Por favor, diz que sim… estou louca pra isso…
Eu já vi a maldade no olhar de algumas pessoas, principalmente vivendo em um lugar tão perigoso e marginalizado como o meu, mas nada supera o que emana de Beatrice e sua gangue de patricinhas.
Desde que ganhei uma bolsa de estudo no Avenue, um dos melhores e mais caros colégios de Nova York, sou diariamente discriminada e esculachada pelos filhos e filhas da elite da cidade só porque não tenho o celular do ano, meus tênis são velhos e nenhum motorista vem me buscar depois da aula.
Por isso elas sempre me encurralam na saída, apenas para tirar sarro da minha cara e me fazer chorar, acuada e envergonhada por ser quem eu sou.
- Me deixem ir! - Imploro e tento me esquivar da rodinha de meninas sádicas que se formou ao meu redor, mas elas me empurram de volta e tudo cai de dentro da minha mochila, enquanto sinto uma dor latente no punho por ter caído em cima dele de m*l jeito.
- Beatrice! Sai de perto dela! - Abro os olhos ardendo e a visão que tenho é quase divina. O garoto tem toda silhueta iluminada e a medida que seu rosto vai sendo revelado, tenho mais certeza de que ele é um anjo escondido atrás daqueles cabelos castanhos escuros, corpo alto, rosto desenhado com um arco do cupido lindo e acentuado naqueles lábios e claro, aqueles inesquecíveis olhos azuis do mar das Maldivas. Sim, com certeza ele é um anjo.
- Nick… - Beatrice chama manhosa, percorrendo os dedos pela camisa do garoto de forma insinuante. A menina só tem 14 anos e já é nesse nível, me pego imaginando o quão v***a ela vai ser quando for adulta. – Quer mandar uns ratos para o lixo? - Sem nenhuma delicadeza, ele pega o punho dela com firmeza e olhando dentro dos seus olhos, a enxota para longe.
- Briga com alguém do seu tamanho e sai logo daqui.
Totalmente descontente e infeliz com a repreensão, ela puxa o braço, sem cortar o contato com ele e sai pisando forte para longe, deixando-me ali no chão, com todo meu material espalhado, meu punho dolorido e minha dignidade na lama.
Nem me dou conta de que o estou encarando e sou pega de surpresa quando ele se agacha para me ajudar.
- Você está bem?
- Hãn… si-sim. - Envergonhada e com o rosto ardendo, recolho tudo rapidamente e me levanto desajeitada, mantendo o olhar baixo para evitar ser hipnotizada de novo pelo anjo.
- Deveria enfrentar a Beatrice. Meu avô sempre fala que se você não se impor, todos vão fazer você de capacho.
- É fácil dizer quando você não corre o risco de ser expulso da escola. - Como sempre faço, respondo de forma atrevida quando fico nervosa e me arrependo na hora. Ele não merecia essa grosseria. – Desculpe, não quis ofender.
- Tudo bem, mas eu só acho que se você falasse assim mais vezes, choraria menos. - Levanto o olhar por impulso e sinto borboletas dentro de mim voarem assanhadas por vislumbrar o sorriso mais branco e bonito que já vi em toda minha vida.
Todo o momento tem um encanto especial, como se fosse um filme e tudo ao meu redor some, deixando apenas ele em evidência. Literalmente, ele agiu como um cavalheiro e me salvou das garras da princesa má. Meu coração bate mais rápido do que o normal e eu ficaria presa aqui por longas horas, talvez até dias, se não fosse a buzina no fundo chamar nossa atenção.
- Ah, desculpe, é o meu motorista. Tenho que ir. Tome, isso é seu. - Ele estende o livro de história que também foi ao chão e quando acidentalmente nossos dedos se chocam, uma eletricidade percorre minha pele. E quando ele se afasta, sinto um frio enorme e saudade daquela sensação jamais sentida.
Eu não perguntei o seu nome, mas sei quem ele é e justamente por ser o garoto mais popular e amado entre as jovens, ele nunca vai saber quem eu sou. Os dois últimos anos do colégio foram regados a observações constantes do anjo Nicolas. Ele nunca mais falou comigo, sequer olhou para mim. Não julgo, quem olharia para alguém como eu? Ao menos desde o dia em que ele veio a meu favor, Beatrice e sua gangue nunca mais me perturbaram.”
- Lissa, Lissa, MELISSA! - A voz que ao fundo vai me chamando de volta a realidade não é desconhecida, mas eu ignoro apenas para continuar aproveitando as lembranças dele, que estão vívidas como nunca em minha mente.
- Hãn… Me deixa… - Viro para o outro canto e tento puxar de novo o momento em que ele sorri para mim e que nossas mãos se encontram, mas tudo dele some quando sinto a água gelada acertar meu rosto e molhar tudo ao meu redor.
- VOVÓ!
- Ah, acordou. Bom dia, minha linda! Te espero para o café da manhã. - Incrédula com a habilidade da senhora mais velha de fingir costume após quase me afogar com um balde de água na cama, ainda fico uns minutos tentando assimilar tudo o que está acontecendo e porque nesses últimos dias Nicolas vem com frequência me visitar em sonho.
Talvez seja porque saiu uma nota do falecimento trágico do seu avô.
Sim, eu o acompanho desde aquele momento marcante. A família dele é muito rica e dois anos depois de me ajudar, ele se formou e se tornou mais presente nos assuntos da empresa. Por outro lado, fui obrigada a cumprir mais dois anos de jaula com Beatrice, que apesar de não me amedrontar mais como antes, insistia em me lembrar frequentemente de como eu era pobre e meu destino continuaria o mesmo.
Ela não estava certa. Pelo menos não em tudo.
Após terminar o ensino médio, cursei um curso tecnólogo em administração e um curso de confeitaria, para ajudar minha avó nos quitutes e doces que ela já era acostumada a fazer para nossa comunidade no Bronx.
Tudo ia correndo bem e a falsa esperança de que as pessoas apreciariam um produto doce e de qualidade, me iludiu de uma forma sedutora a conseguir um empréstimo para nos mudarmos para um bairro melhor de Manhattan e abrimos um espaço para vender nossos produtos.
Mas não foi nada como esperávamos.
As pessoas apressadas e m*l humoradas do coração de Nova York não querem coisas boas, elas querem coisas fáceis e sentar-se para aproveitar a companhia um do outro, ou até mesmo a própria, não faz parte do seu dia a dia. Por isso estou tentando correr atrás do prejuízo sem preocupar minha avó Matilda.
Na cabecinha dela estamos bem e o negócio também, mas para quem está atrás do livro caixa, como eu, sabe que não é nada boa a nossa situação. Se não conseguirmos fechar um pedido grande, não conseguiremos nos manter por mais três meses. Perderemos tudo, casa, emprego e dignidade.
Meu maior medo é que no fim as palavras de Beatrice estivessem certas.
- Ah, aí está você! A dorminhoca sonhadora.
- Bom dia vovó. - Dou um beijo no topo de sua cabeça e me sento ao seu lado, para comer a rosca caseira deliciosa que ela sempre faz antes de irmos trabalhar. – E eu não sou dorminhoca, não tem nada de errado em querer dormir um pouco mais.
- Lissa, minha linda, já são 4h e temos que preparar os pães para as pessoas tomarem café.
- Vovó, o certo é ainda são 4h e sim, eu sei, temos que ir trabalhar. Então vamos terminar nosso café e ir.
- Tem razão.
- Ah, e por favor! Sem mais baldes de água, está bem? - Com uma expressão divertida e moleca, ela concorda.
- Promessa de mindinho. - Com o mesmo humor de sempre e confidencialidade que somente nós duas temos uma com a outra, enlaço o meu mindinho no dela e seguimos nossa rotina.
Vó Matilda é uma mulher cheia de força e disposição, mesmo já sendo de idade. Ela se diverte e faz do trabalho sua dose diária de ânimo. Enquanto preparamos as massas e as deixamos descansar, fritamos os donuts e enfeitamos os cupcakes. Nossa marca registrada é o doce e o amor que colocamos neles. A vida seria menos nublada se todos experimentassem nossas guloseimas.
Geralmente eu sempre fico no atendimento e vovó preparando as coisas na cozinha, mas hoje decidimos fazer o contrário, já que preciso preparar mais massa de donuts e para isso, uma força extra é exigida para sovar, então, preferi deixá-la descansar enquanto eu fazia isso. Usamos muita farinha e quando saímos daqui, nossa aparência não é das melhores e mais elegantes. O glamour não combina com quem está na cozinha e quem vê o close, nem imagina o corre que é amassar isso daqui.
- Melissa, tem gente te chamando. - Escuto vovó me chamando do balcão e resmungo baixinho. Minhas mãos estão todas enfarinhadas e meu avental está do mesmo modo. Maldito dia que escolhi o de cor vinho para trabalhar.
- Já vou, vovó.
- Não demora! - Sentindo um nervosismo incomum, deixo tudo no pé que está em cima da mesa, lavo minhas mãos e me encaminho para fora, com medo de que seja um credor vindo cobrar nossas dívidas. Seria terrível se o fizessem na frente dela.
- Desculpa a demora, mas é que eu estava sovan… - Eu já ia me explicar, mas as palavras me faltam quando eu o vejo parado ali de pé, imponente e ainda mais perfeito do que eu me lembrava. Meu coração com certeza parou de bater e minhas mãos estão trêmulas, buscando segurança no avental sujo que enrolo.
- Senhorita Stone? Você é a Melissa Stone? - Ouvir meu nome saindo daquela boca perfeita e voz grave não ajuda muito para que eu retome o equilíbrio do meu corpo.
- Si-sim. E você? - Tento fingir que não sei quem ele é, mas é a atitude mais i****a que tenho em toda minha vida. Pelo menos na frente da vovó.
- Querida, esse é aquele moço que você se… - Matilda e sua indiscrição quase me fazem passar mais vergonha.
- Nicolas! Ah sim, Nicolas Campidelli. Claro, me lembrei. O que você quer aqui? - Ele enruga a testa e tento adivinhar se está arrependido de ter vindo ou achando graça da minha total falta de domínio do cérebro. Para piorar, minha fala soou mais ríspida do que pensei.
- Preciso conversar a sós com você. Pode ser lá fora?
- Claro. Pode ir, já estou indo. Vou só… tirar isso. - Aponto sem jeito para o avental e solto uma risada sem graça, antes de vê-lo sair.
- Ah meu Deus! - Corro para guardar o avental e tirar a touca do meu cabelo.
- Lissa, o que ele quer com você?
- Não sei vovó, mas vou descobrir.
- Eu não sei não, não gosto muito dele.
- Vovó… - repreendo, antes que ela comece sua análise deturpada das pessoas. A última vez que ela fez isso, perdemos uma encomenda de quase trezentos mini-donuts, simplesmente porque ela achou a moça muito m*l encarada e de energia pesada. Vê-se lá se as contas sentem a “energia das pessoas”? Elas só veem comprovantes de p*******o e isso anda faltando bastante.
- Tudo bem, mas tome cuidado. - Reviro os olhos e caminho o melhor que posso para fora, de encontro ao homem que tem sido objetos dos meus suspiros e delírios dos últimos onze anos. Será que ele me reconheceu? Como ele sabe meu nome? Nunca mais conversamos ou trocamos uma palavra que seja. Ele deve estar enganado. Não! Não está. Talvez sim. Não deve existir só uma Melissa Stone no mundo, não é? Ahh… Tomara que sim!
- Ah, desculpe a demora, em que posso ajudar?
- Isso pode soar estranho, mas eu sei que está solteira, então gostaria de te convidar para jantar comigo.
- Com você? Porque? - Preciso dar um jeito nessas borboletas, elas me desconcentram.
- Porque não? Há algo de errado comigo?
- Não! É só que… bem, você é você! Porque ia querer sair comigo? - Entendo onde eu queria chegar, Nicolas parece captar a mensagem subliminar.
- Não pense assim, senhorinha Stone. Eu posso te surpreender. - Meu Deus, essa voz deveria ser proibida. Ele deveria ser preso de tão lindo e… arh!
Nicolas mudou tanto… ele sempre foi bonito, mas agora está mais maduro, mais charmoso, mais… mais.
Céus, que calor!
- Então, aceita?
- Han… claro.
- Ótimo. - Em uma linha perfeita, o sorriso que ele me dá é de desmanchar o coração, impossível resistir.
Talvez ele se lembre de mim! Talvez ele queira me conhecer melhor! MEU DEUS! O Nicolas me chamou para jantar! Não quero que ninguém me belisque, só para não correr o risco de acordar.
- Ótimo. - Repito, totalmente desajeitada.
- Meu motorista irá te pegar às 20h.
- Oh, de hoje?
- Sim, já tinha algum plano para hoje?
- Não! - merda, isso saiu mais alto e desesperado do que pensei. - Não, não tenho. Às 20h está perfeito.
- Certo, então nos vemos mais tarde. - Concordo, imaginando que devo estar com a maior cara de sonsa do mundo enquanto aceno para ele que se vai no carro.
Meu coração parece fazer uma festa dentro do meu peito, minhas mãos ainda estão trêmulas e minhas pernas estão moles. Seguro em meu punho um pouco dolorido - o que sempre acontece quando faço força com ele, e ainda sem crer no que acabara de acontecer, me obrigo a voltar para minhas atividades normais.
O dia passou mais lento que qualquer outro e de forma doentia, eu olhava para o relógio, calculando quanto tempo faltava para vê-lo de novo.
Tenho 25 anos, não sou uma menininha mais, já tive relações com meus outros dois ex’s namorados, mas ele nunca saiu de dentro do meu coração. O anjo Nicolas que me socorreu naquele dia marcou para sempre minha vida. Eu estava frágil e exposta, ele veio como um bálsamo para aliviar a tensão que era estar naquele lugar.
Me recordo dele dizendo que se eu fosse mais atrevida como sou quando estou nervosa, eu choraria menos.
E ele tinha razão.
Nicolas Campidelli não sabe, mas mesmo sem saber direito da minha existência, me ajudou e agora, tenho um encontro marcado com ele!
Céus, é o dia mais feliz de toda minha vida!