Julia: O meu pai era um homem que sempre se mantinha informado de tudo que acontecia no país e no mundo, e estava sempre buscando mais informações sobre tudo no tempo livre do serviço público, e usava grande parte desse tempo para estudar sobre feitiçarias, bruxarias e tudo que envolvia magias negras, principalmente as histórias mais antigas. Nesse tempo, papai ainda não era dominado pelo mundo das trevas, mas era uma pessoa curiosa e tinha muito fascínio sobre o “mundo sobrenatural”, e estudava sobre isso de forma oculta, sem se revelar, mesmo que o meu avô paterno, o Chiquinho do Batuque, como também era conhecido, fosse um praticante assíduo.
Julia: Papai queria ser conhecido no mundo e não aceitava ser apenas um tocador de tambor nos rituais, sendo essa desavença o motivo do afastamento do meu avô, que se dedicava mais ao centro de magia que a família. O meu avô não conseguia unir a família, desde o dia em que a mãe do meu pai faleceu, o meu avô dedicou-se ao centro. Todavia, em algumas conversas familiares, papai deixava escapar que seria maior e melhor que o vovô e mostraria isso.
Julia: Vamos voltar para o dia da gravidez de mamãe. Quando ela engravidou, os assombrosos ficaram incomodados, vendo que por mais que tivessem colocado uma mulher para atrapalhar o namoro dos dois, e provocar a rejeição dos pais da minha mãe não resultaram em nada, e viam a grande luz que cercavam a relação dos dois. Essa luz os incomodava muito, por reconhecer que não era possível, momentaneamente destruir o amor dos dois.
Julia: Os assombrosos acompanhavam de longe os trabalhos da mamãe, como ajudava as pessoas a se defender deles, mesmo que de forma amadora e sem muito conhecimento. Esses banhos e simpatias com o sal e galhos de ervas e folhas de palmeiras impediam que eles atacassem espiritualmente as clientes da mamãe. As conversas que ela tinha, acalmava e evitava que fossem guiadas para as trevas da depressão, o vício da bebida, a luxúria, a vingança e a soberba, dentre outros. Eles sabiam que os guias da mamãe tornar-se-iam um grande oponente quanto a dominação do papai e dos filhos e, por esse motivo, apresentaram e conquistaram a confiança do papai, para poder manipulá-los.
Julia: Tratando-se de dois grupos de almas vagantes rivais, planejavam afastar mamãe dos meus avós maternos, assim como fizerem com o meu pai, para evitar que os guias intervissem. Os planos dos sombrios consistiam em isolar mamãe da vovó, que era sua grande orientadora e conselheira, imaginando que mamãe ficaria mais frágil e longe das clientes, pessoas atormentadas, que eram ajudadas e, sem a influência dos guias, a arrastaria para as trevas. Eles viam os rituais de limpeza e simpatias realizados por minha mãe, e a chamavam bruxa moderna que usava panelas e vasilhas em vez de caldeirões, para preparar as porções de banhos de ervas com ideologias diversas, desde abrir caminhos como da sedução e reconquistas matrimoniais. Mamãe acreditava nisso, pois aprendeu com a minha avó que esses rituais tinham poder.
Julia: Após o casamento, os meus pais mudaram de cidade, e passaram a morar na casa do amigo do papai, conhecido como Toinho, o avarento mão de vaca, o qual não cobrava aluguel, desde que deixassem a casa sempre bem reformada, organizada e cuidada. Foram os assombrosos que influenciaram na escolha da cidade, induzindo papai a ver que teria melhores oportunidades de negócios, se mudasse para essa pequena e pacata cidade, onde havia vaga para professor de história na escola pública central, bem como poderia se fixar e abrir uma pequena loja para vender souvenir e outras coisas peculiares a prática da magia, sem o receio das perseguições. Papai queria mostra ao seu pai, o Chiquinho do Tambor, ou Chiquinho do Batuque, que seria maior que simples batedor de tambor, e conseguiria montar o seu próprio centro de práticas de magias e feitiçarias. Papai ainda não era um assíduo praticante de magia n***a e, da mesma forma, não era fortemente influenciado pela legião de assombrosos que o cercava, contudo, eles indiretamente o influenciavam pela mágoa que sentia do meu avô materno e da ambição, vendo os lucros que poderia ter.
Julia: A cidade em que foram morar não era distante da capital, onde os meus avós maternos continuaram morando, contudo, a escolha de morar juntos e longe da influência dos “amigos” partiu do pai e, como uma grande e boa companheira, apoiado por mamãe. Para mamãe a ideia de mudar para uma cidade interiorana seria a oportunidade de viver a vida a dois, sem a agitação da cidade metropolitana, ideal para uma dedicação e criação do filho que estava chegando, Juliano. Ela compreendia que em cidade menos populosa com perspectiva de crescimento era ideal para abrir um negócio próprio, sem grande concorrência, visto tratar de algo novo com oportunidade de prosperar e crescerem juntos. Sabe, aquele sonho característico de mulher sonhadora, conforme rotula a sociedade. Prefiro ver mamãe como uma visionária. kkk
Julia: Após o primeiro mês de casado, mamãe revelou para papai que era uma bruxa que usava magia branca, e que a sua renda decorria dos atendimentos que fazia na companhia da vovó, e precisava voltar a exercer a função para não perder os clientes e as habilidades. Trabalhando, ela conseguiria ajudar na compra do enxoval do Juliano, que estava próximo de nascer. Papai não censurava mamãe nesse ponto e sempre agiu como um companheiro, e inclusive fazia tudo que estava a seu alcance para agradá-la e, no limite das suas possibilidades, não permitia que os assombrosos se aproximassem dela, censurando-os, o que causavam uma desavença entre eles.
Julia: Mamãe não tinha emprego público e nem conseguiria por estar grávida, então resolveu, com a anuência do papai, voltar a fazer atendimentos as pessoas que lhe procuravam por passarem por dificuldades conjugais. Pelos atendimentos “espirituais” recebia certa quantia em dinheiro, sendo que parte do dinheiro era usado para a compra dos insumos necessários para preparar as porções de banhos de ervas e sal, e fabricação e alguns amuletos. O valor que excedia era usado por mamãe para as despesas do lar, porém, não eram suficientes para arcar com as despesas básicas da casa, sendo dependente financeira do papai. Mamãe ainda colaborava realizando as tarefas do lar, evitando gastos com empregados domésticos. Inclusive, ela fazia a capina do quintal de casa, mesmo estando grávida, com a ajuda de um rapazinho chamado Joselito, que apareceu em casa e para o qual mamãe dava alguns trocados.
Julia: Assim, mamãe facilmente formou novo grupo de amizade e com isso frustrou os reais intentos dos assombrosos, que era isolar ela das suas amigas, clientes e familiares e atormentá-la para se render à magia n***a, que sempre foi o maior interesse deles. Ah! Toda vez que eles se manifestavam no meu pai, eles afirmavam que todos eram deles e uma das vezes afirmou que odiavam o grupo que se intitulavam de “guias”.
Julia: Os assombrosos eram agressivos, e demonstravam a sua presença alterando a intensidade da luz ou derrubando objetos no chão. Mamãe, quando presenciava esses eventos, orientada pelas almas guias, ou guias espirituais, entendia tratar-se de obra do acaso, pois não conseguia ver a presença dos assombrosos. Para o papai, um grande “sensitivo”, conseguia ver os movimentos dos assombrosos e quando eles, irritados, derrubavam os objetos com a força da legião. Papai e mamãe não discutiam a respeito do fato, pois, quando esses fenômenos inexplicáveis para ela aconteciam, ela percebia a expressão preocupada dele e testa franzida pelo aborrecimento que não falava o motivo, mas que não tinha relação com a minha mãe.
Julia: Na nova cidade, as coisas não aconteceram conforme as expectativas dos meus pais, pois, papai ficava parte do seu tempo ministrando aulas, e outra para arrumar a pequena loja que montou, inicialmente na sala de casa, onde vendia apenas artigos diferentes que não se encontrava na cidade, desde souvenir feito na capital e os oferecidos por artesãos de vilarejos próximos, bem como aqueles que eram vendidos no mundo e geravam a curiosidade de pequenos colecionadores e curiosos com a história que papai contava. Por ser amante da história, no início do negócio, sempre que vendia um souvenir a algum morador da cidade, fazia questão de contar a história do artefato e do local onde foi produzido e como era utilizado, principalmente os fatos sobrenaturais relacionados ao estranho objeto.
Julia: Papai tinha que controlar estoque, pesquisar coisas novas para vender na loja e ainda, fazer encomendas específicas, conforme o pedido de clientes mais exigentes, bem como novidades na área da alimentação, decoração do lar, moda infantil e adulta, departamento administrado por mamãe, que vendia para suas amigas e respectivos familiares, que a procurava em casa, no período no qual papai estava lecionando na escola. O meu pai era homem muito dedicado em tudo que fazia, inclusive na preparação do plano de disciplina que ministrava. Mamãe além dos afazeres da casa, administrava o seu tempo atendendo as suas clientes e cuidando da loja do papai, com as vendas.
Julia: Quando os meus pais queriam algumas coisas da capital, eram os meus avós maternos que os traziam, e com isso havia uma economia de frete. Nos feriados prolongados e nas férias do papai, eles viajavam para a capital e aproveitavam a oportunidade para visitar meus avós maternos. Na capital, eles abrigavam-se na casa dos meus avós maternos, no quarto que pertencia a minha mãe que sempre era mantido arrumado, e com isso economizavam com despesas relacionadas a hospedagens. Nesses primeiros anos do casamento, os meus avós maternos ajudavam os meus pais financeiramente, e consideravam o meu pai como um filho, pois, tratava bem a mamãe, sendo notório o amor do papai por ela. Papai era mais ligado aos sogros que ao próprio pai biológico. Acreditamos que o afastamento afetivo do papai com o vovô Chiquinho contribuiu para a grande amizade que havia com o vovô Juarez. Assim os planos malignos dos assombrosos falharam, pois, pensavam que a distância ocasionaria em afastamento da mamãe dos meus avós maternos. Nada é por acaso. Os meus avós, sempre visitavam meus pais e isso incomodava a legião de assombrosos, que planejavam afastá-los, ocasionando um acidente na estrada, onde o meu avô Juarez perderia o controle do veículo por distração. As almas guias da minha avó materna não deixavam, e alertavam ela quando algo poderia acontecer, inclusive informavam quanto ao momento certo de sair e retornar. Vovó Maria dizia para mamãe que os guias informavam que uma legião queria dominar o papai e pedia que ela acendesse incensos na casa e fizesse a limpeza dos ambientes com umas ervas e sais, para afastar a legião.
Julia: Todavia, o meu avô Juarez não acreditava nas almas guias da minha vó Maria, e era um homem criado sobre os rigorosos ensinamentos da igreja católica. Mesmo que de forma diferente, os meus avós maternos tinham fé em Deus, fato que ajudaram a manter-se longe das ciladas da legião de assombrosos por algum tempo. Os guias da minha mãe e da minha avó materna não aceitava a interferência da legião dos assombrosos que acompanhavam o papai, e para não haver uma guerra declarada entre esses grupos, ambos se mantinham a distância observando, mutuamente.
Julia: Mesmo tendo uma rotina de trabalho puxada, a noite ficava no quartinho da adoração e invocação que montou, seguindo as ordens do líder da legião dos assombrosos, em cômodo isolado da casa, localizado no fundo do grande quintal. Papai, sob a orientação do líder dos assombrosos, praticava diariamente as magias negras das trevas. Papai tinha imagens de diversos deuses para as quais sempre apresentava oferendas, como café, cachaça, cigarros e velas de cores vermelhas e pretas, e um pouco do sangue que tirava do próprio dedo ou de algum animal, como galinhas. Toda vez que matávamos um animal para comermos em certo final de semana, papai recolhia o sangue do animal e colocava no altar para os deuses.
Julia: Ficaram assustados com a história de vida dos meus pais, muito mais saberão quando ouvirem a história da minha vida, contudo, é necessário explicar alguns fatos relacionados aos meus pais e avós, para compreender as minhas escolhas e vida que levei, antes do dia que chamo de “despertar”. É necessário suportar a dor para poder evoluir espiritualmente. A minha história de amor e de vida pode não ser tão linda como de um conto de fadas, mas é minha, é especial e diferente das estorinhas que ouvia, com príncipes e princesinhas. Não sou princesinha, sou guerreira e assim apresento-me. Antes de pensarem que foi obra do acaso ou do destino ser filha de Júlio e Juliana, vou avisando que o anjo que me orienta mostrou que pedi para encarnar e eu escolhi essa família na qual nasci, e vim com o propósito de mudar a vida deles. Todos nós, inclusive você, escolhemos onde, como e quando desejamos vir, e Jeová apenas faz o selo no ventre materno, conforme a missão e o pedido. Tudo está guardado na memória transcendente, que em muitos casos alguns descobrem após participarem de sessões de regressão. Após ouvir o ajo orientador, compreendi isso, aprendi acessar a consciência transcendente e o verdadeiro sentido de viver. E você, está na primeira passagem pela vida carnal ou já está na segunda ou terceira? Você acredita? Eu não acreditava.