• Rafaelly •
Fiquei o dia inteiro fazendo nada, deitada no sofá esperando o tempo passar pra finalmente poder me arrumar para ir pro curso.
Já era quase cinco horas, quando fui me arrumar de vez. Como já tinha tomado banho de manhã, só fui me trocar mesmo.
Vesti uma calça jeans clara, e uma blusa de moletom por cima do top que eu estava usando.
Lá fora, o tempo já estava fechando, e sabia que daqui a pouco, a garoa vinha.
Meu curso era na vila Mariana, um pouco mais de meia hora daqui até lá.
Fazia curso de maquiagem, já que desde menor sempre gostei de maquiagens e essas coisas. E já penso sim em abrir meu salão e pá. Ser independente mesmo, sem trabalhar pra ninguém, porque sinceramente? Não gosto de receber ordens de ninguém, nem da minha mãe, mas sigo as delas pra não apanhar.
Mas na moral, odeio ter que fazer o que o povo pede, prefiro mandar mesmo. E foi com isso que tive a certeza que queria abrir meu salão, depois de me formar nesse curso de maquiagem, e logo em seguida no de cabeleireira.
Se eu abro um salão aqui na favela mesmo, minhas crias...vou lucrar pra c*****o todo final de semana que tiver baile, pagode ou alguma festa aqui na quebrada.
As monas ficam doidas querendo arrumar cabelo, unha e tudo mais com os patrocínios que conseguem com os trafica daqui.
Aqui na Brasilândia tem dois salões, mas só na parte em que o PCC comanda, então é f**a pra quem mora aqui do lado da CDL, ir pra lá.
É dividido entre CDL e PCC, mas a maior parte é da CDL. Rola confronto as vezes, mas é cada um no teu lado, já que o que importa para essas facções mesmo é o poder dentro das cadeias.
Quem predomina mais presídios e pá.
Mas a real é que as duas estão em busca da mesma coisa lá dentro, que é a luta contra as injustiças que acontecem lá dentro com os detentos.
Enfim, maior rolo isso daí, gosto nem de me envolver nessas paradas. Só dor de cabeça mermo. Mas o que importa pra mim é meu futuro, e eu sei que logo mais, meu salão tá por aí.
Ana: Vai para o curso já, filha? - apareceu na porta do meu quarto, me tirando do meu transe ali.
Rafaelly: Já, já mãe. Neguinho vai me levar. - suspirei, me levantando da cama, enquanto amarrava os cabelos.
Ana: Só vim avisar que Rogério vai vir hoje aqui. - deu um sorriso fraco, e eu apenas balancei a cabeça.
Rogério era o mais novo namorado da minha mãe. Trocou o Otávio por esse cara estranho aí.
Não vou com a cara desse sujeito. Minha energia não bateu com a dele, e mesmo apenas ter trocado poucas palavras com ele, já senti uma energia péssima vindo daquele homem.
Então sempre quando ele está aqui, eu fico no meu quarto, ou saio pra andar com o Fábio.
Não gosto de ficar perto dele!
Sei lá pô, é estranho!
Mas o que eu posso fazer? Minha mãe "gosta" desse cara, e não posso interferir em nada, já que ela fica bem com ele.
E eu só quero ver minha mãe feliz mesmo, não importando se eu gostar do cara, ou não.
Rafaelly: Já disse que não gosto desse homem, mas enfim, fica bem. - dei um beijo na bochecha dela, que apenas sorriu fraco.
Querendo ou não, esse cara era o único que conseguia tirar minha mãe da cama, e deixar ela bem por algum tempo.
Sai dali de casa com minhas coisas do curso na mochila e fiquei uma cota esperando o Neguinho aparecer.
E quando finalmente ele apareceu, entrei no carro no lado do passageiro, já pedindo pro William ajeitar minha bolsa no banco de trás, já que ele estava ali na cadeirinha.
Neguinho: Tia vai sair hoje? - perguntou assim que viu minha mãe na janela, toda arrumada olhando pra gente.
Rafaelly: Vai, com aquele cara lá. - fiz careta, e ele deu partida.
Neguinho: Cara gente fina ele.
Rafaelly: Credo, não gosto daquele estranho! Sujeito...sei lá, ele não me passa uma energia boa.
Neguinho: Ala, Rafaelly, pelo menos ele faz tua mãe um pouco feliz. E até então, quem tem que gostar... é ela!
Dei de ombros e fiquei na minha, vendo ele sair dali da favela. William no banco de trás falava e falava sobre seus brinquedos que tinha ganhado do pai, e eu só escutando tudo, as vezes dando risada das coisas que ele falava tudo errado.
Eu não me aguento com esse menino se enrolando as vezes com as palavras. Fica fofinho, mas ao mesmo tempo engraçado.
William: 'Pala' de rir, dinda. - me olhou, de braços cruzados, e a cara fechadona. Ala, igualzinho o Neguinho, pô.
Rafaelly: Não me aguento contigo, neném. - fiz bico, e ele negou com a cabeça. - Esse menino é a tua cópia, credo.
Neguinho: Lindão né? Puxou eu mesmo. Vai ser um preto f**a pra c*****o que nem o pai aqui. Ala. - deu risada, e eu fiz careta.
Rafaelly: As vezes sua autoestima ultrapassa a minha. E olha que a minha vive lá no topo.
Neguinho: Tu se acha demais, pô. Só isso!
Rafaelly: Me acho mesmo, até porque se eu não me enaltecer, quem vai fazer isso por mim? Ninguém, neah. - suspirei, e ele apenas balançou a cabeça
Tinha sempre minha autoestima e meu ego lá em cima, até porque se não for pra mim enaltecer eu mesma, tô fodida aqui então!