Chegando em casa, encontro minha mãe sentada no sofá, que logo pergunta, chateada:
— Custava avisar que não iria dormir em casa?
Eu já havia esquecido como é ter que dar satisfação de tudo que faço, mas realmente não estava nos meus planos naquela noite dormir abraçada com o Theo, quer dizer, até já tinha pensado nessa hipótese, mas não naquele dia, muito menos daquele jeito. Eu respondo, sabendo do meu erro:
— Desculpe, mãe!
Eu vou na direção do banheiro, mas já está ocupado com o Felipe, tomando banho e o Joaquim, que já está na fila para entrar no banheiro fala:
— Depois que o Felipe sair do banho, é a minha vez, tia!
Eu me direciono para o quarto e o Joaquim resmunga:
— Fedorenta assim, desse jeito, no nosso quarto não, tia!
Realmente hoje não é um bom dia! Eu vou para o terraço da casa esperar as crianças terminarem seus banhos e sentada em uma das cadeiras de balanço, fico olhando a casa do Theo que está toda fechada. O girassol continua lindo e me sinto de novo um girassol procurando o Theo. Eu me inundei com tanta luz que ele expele de si que me deixei levar por um desejo carnal não correspondido.
Que vergonha eu estou, não sei se na próxima vez que nos virmos, eu terei que pedir desculpas, ou se deverei fingir que nada aconteceu e continuar a vida com naturalidade. Será que eu estava tão bêbada que perdi a noção de realidade e tudo não passou de um sonho? A casa está fechada e eu começo a pensar que ele agora deve estar na casa da namorada ou noiva, explicando o motivo de ter passado a noite fora e eu me entristeço, afinal, ser condizente com traição está completamente fora dos meus planos. Como será que ela é? Meus diversos questionamentos são interrompidos:
— Oi, Jess!
Eu estava tão concentrada no girassol que não percebi a chegada do Leo. Embora eu esteja muito envergonhada de estar tão suja na frente dele, lembro que preciso me aproximar dele para conseguir uma promessa de emprego para a Laura, pois assim ela poderá me ajudar a desvendar os crimes que são cometidos contra os alunos da escola Evolução, colocando o Tomaz na cadeia, finalizando de vez o pedido do meu pai de deixar meus sobrinhos livres de todo m*l e, por fim, eu voltarei a morar fora do país, sendo feliz para sempre. Eu deixo um sorriso escapulir, quando penso no “feliz para sempre”. Eu o cumprimento:
— Oi, Leo!
Ele me olha dos pés à cabeça e eu me apresso a explicar:
— Ontem teve um happy hour após o trabalho e, bom...
Ele sorri e fala:
— Deve ter sido bom!
Eu respondo:
— Foi divertido! Estou gostando de trabalhar lá, nunca imaginei dizer isso na vida, mas estou gostando.
— Eu detesto aquela escola e tudo que há nela, então é difícil de entender como alguém como você...
— Alguém como eu?
— Alguém legal, sensata e que já viveu aquele mundo de lá.
Fato que é difícil de achar lá legal mesmo, mas eu só quero ser simpática e puxar conversa.
As crianças aparecem limpinhas e arrumadas, então eu falo, me levantando da cadeira:
— Bom, chegou minha vez de tomar um banho.
Ele então me convida:
— O que você acha de ir com a gente também?
As crianças começam a pular, animadas, e falam quase que em coro:
— Vamos, tia Jess!!!
Como um girassol, assim que percebo o carro do Theo estacionando na casa dele, eu me viro na direção dele. Meu coração dispara ao vê-lo descer e ao mesmo tempo sinto uma pontada ao perceber que ele não me notou. Então, eu respondo para as crianças:
— Na próxima, eu prometo que vou, mas desta vez não poderei ir. A tia Jéssica está cansada, com dor de cabeça e pretendo visitar o vovô hoje à tarde!
O Leo olha para a direção do Theo e fala, confuso, para as crianças, ele sabe que tem algo diferente em mim, ou no meu olhar:
— Ok, meninos, vamos nos apressar, pois temos muitas brincadeiras para fazer.
As crianças me abraçam, se despedindo e o Leo fala:
— Tchau, Jess, acho que um bom descanso e muita água vai aliviar a sua dor de cabeça.
No banho, fiquei imaginando como seria a conversa com Theo, eu não quero que nossa amizade acabe por uma bobeira minha, eu não quero ter que me afastar de alguém que estou me aproximando por afinidade, por sentimento, por amizade. Quer dizer, eu não quero mesmo é me afastar de alguém que está me fazendo tão bem. No espelho, eu ensaio vários tipos de conversas, algumas eu peço desculpa, outras eu finjo que nada aconteceu e fico sem saber qual devo escolher, até que escolho dormir e fugir um pouco da pressão que eu estou sentindo.
Dormir não me deixa aliviada e eu continuo sem decidir o que devo falar com o Theo. A melhor opção é fugir de novo dessa pressão e indecisão e visitar meu pai, deixar as coisas acontecerem. Olho para o relógio e, droga, o horário da visita acabou. Encontro minha mãe deitada no sofá, com um livro sobre o corpo, indicando que está lendo, minha barriga roncando me faz petiscar o almoço que ela preparou. Olho da janela e lá está o carro do Theo parado, eu devo ir lá? Eu tenho que ir conversar com ele, sinto minhas mãos suarem e fico andando de um lado para o outro, nervosa. Pedir desculpas? Ou fingir que nada aconteceu? A pressão e a indecisão não vão embora se eu não resolver o problema. Decido então ir até a casa dele ,fingindo que nada aconteceu para ver o clima entre nós e se eu confirmar que há algo diferente entre nós, peço desculpas, se não, eu volto tranquila para casa e finalizo minha apresentação da segunda-feira, sem pressão ou indecisão boba.
Atravesso a rua de casa com as pernas bambas, nervosa, e as mãos suando. Eu toco a campainha dele e me arrependo de imediato, quando dou as costas para voltar para casa, ele abre a porta sem camisa e com uma samba-canção temática do Mickey. Eu não aguento isso!
Eu sorrio e quando ele me vê, abre um sorriso lindo. Ele fala:
— Eu achei que fosse a comida que acabei de pedir, desculpe!
Não, não me peça desculpas, porque você está lindo, fofo e...o que eu vim fazer aqui mesmo?
Ele pergunta:
— Está tudo bem?
Sinto meu rosto esquentar e não consigo falar exatamente nada do que tinha programado e ensaiado minuciosamente, antes de estar aqui, parada feito uma planta. O que está acontecendo comigo? Ele fala, ainda com aquele sorriso que, a esta altura, está mais sedutor que o normal:
— Vem, entre!
Óbvio que eu entro na casa dele, totalmente comandada pela luz que ele exala quando abre o sorriso. Eu faço um checklist rápido e não encontro fotos de mulheres nem da loira das redes sociais dele. É uma casa extremamente bagunçada, mostrando que ele ou mora sozinho ou com alguém que não se importa com arrumação e, principalmente, limpeza. Ele coloca uma camisa e eu, no meu íntimo, entristeço, porque embora ele não tenha um corpo forte, desenhado por músculos como era o do Leo na época da escola, aquele corpo com um pouco de saliência na barriga é lindo e, talvez, seja por isso que faça do abraço dele quente e aconchegante. Ele é real demais e isso mexe comigo. Ele pergunta:
— Você quer café?
Eu respondo:
— Bom, se tomar café várias vezes ao dia ajuda a ressaca ir embora, eu quero sim!
Ele vai pegar uma xícara para mim e eu continuo investigando a casa, mas para que mesmo? Se eu estou aqui só para garantir que continuaremos amigos, independente do que aconteceu. Ele fala, me entregando o café:
— Isso tem poder mágico.
Eu sorrio e ele continua:
— Sente-se um pouco.
Eu me sento, afastando o controle de videogame que estava jogado no sofá e falo, envergonhada:
— Eu queria...
Não vai sair, eu não vou conseguir falar do que ocorreu ontem, então, como fuga, eu falo:
— O telefone da Laura. Eu fiquei preocupada e quando falei do Jonatas, ela se chateou um pouco, então, queria conferir que está tudo bem entre a gente.
Os olhos dele brilham e a proteção dos cílios extensos estão mais amenas, me proporcionando aproveitar mais daquela visão, do brilho, do pontinho hipnotizante. Ele pega o celular e fala:
— Certo, posso te mandar por mensagem o número dela, quer me dar o seu?
E agora? Será que ele está me pedindo o meu número com outra intenção? Que confuso, porque ontem eu mesma achei que estava rolando algo entre a gente e levei aquela recusa histórica, e agora estou eu, na frente dele, querendo esclarecer as coisas e pensando que ele está me dando mole. É coisa da minha cabeça, com certeza eu estou confusa com a avalanche de sentimentos, algo que eu não sou boa e não estou mais acostumada. Eu falo o meu número do celular e, em seguida, ele confirma que enviou por mensagem o contato da Laura. Eu termino o café e me levanto do sofá, falando:
— Obrigada, Theo, agora eu preciso ir!
Ele pisca com um olho e responde:
— Não há de quê.
Eu dou as costas para ele, que fala:
— Soube que você vai fazer uma apresentação para os professores, segunda-feira, para se apresentar formalmente como coordenadora.
Eu volto a olhar para ele que está de pé e respondo:
— Sim, estou um pouco receosa com essa apresentação, pois vou propor algumas mudanças. Não é fácil pegar o bonde andando e tentar colocar sua identidade no projeto.
— Vai dar tudo certo!
Ficamos alguns segundos nos olhando e meu coração está tão acelerado, que eu acho que ele consegue ouvir, ao menos ele sabe que eu estou nervosa pelo meu balançado de pernas incontrolável. Eu falo, apreensiva:
— Eu sei que não deveria falar sobre isso, mas é que tem algo que está me incomodando.
Ele anda na minha direção e eu fico ainda mais nervosa. Ele fala:
— Pode falar.
Nós nos aproximamos tanto que não é seguro eu ficar tão perto assim dele, sozinha, porque, de repente, eu sinto a necessidade de saber que gosto ele tem e se esse perfume se propaga para todo o corpo dele de forma uniforme ou se são apenas em alguns pedaços específicos. Eu não consigo me entender, porque a última vez que senti algo assim foi pelo Leo e era tão platônico, tão irreal e intangível. Já o Theo é real demais e está aqui, na minha frente, me fazendo sentir algo que não consigo decifrar ou simplesmente parar de pensar. Engulo a saliva que já estava abundante, na expectativa de saborear o gosto do Theo e ele continua parado, esperando-me iniciar. Eu falo e, pela primeira vez em tanto tempo, sinto a necessidade de falar apenas para ele ouvir:
— Eu queria te pedir desculpas por ontem. Eu não quero que mude nada entre a gente.
— Não tem o que pedir desculpas, eu também quis.
Falo, segura de mim:
— Não, você não quis.
Ele responde, ainda mais seguro:
— Não, eu não quis dar continuidade com você daquele jeito, bêbada, sem saber se no outro dia iria lembrar. Se for para ser, eu quero que seja com você bem e decidida do que quer.
Ele se aproxima ainda mais de mim e neste instante, acho que sinto meu coração parar. Ele encosta a cabeça na minha e minha respiração ofegante vai acalmando no compasso da dele. As mãos dele vão para minha cintura e eu amoleço com o toque suave, macio. O toque dele não me incomoda e, pela primeira vez em tanto tempo, sinto a necessidade de continuar sentindo um toque na minha pele por mais tempo. Ele fala:
— É difícil de explicar a você agora, mas se tiver que acontecer algo entre nós, não poderá ser na dúvida.
É uma overdose de sentimentos de desejo e eu quero muito saber que gosto ele tem, quero saber se o toque de seus lábios é igual ao toque de suas mãos macias e eu quero ser tocada por aquelas mãos que parecem acalmar minha alma. Ele pousa seus lábios devagar nos meus e fala, sem perder o contato:
— Se for para ter algo, que seja inesquecível, entende?
Os lábios dele são tão macios como suas mãos e eu desejo de uma forma única saborear o seu gosto, assim como estou saboreando o seu perfume. Eu respondo, decidida do caminho que estou escolhendo neste momento, sem pensar nas consequências desastrosas, sentimentais e profissionais:
— Então, torne isso inesquecível.
E ele me beija, devagar, e aos poucos vai aumentando a intensidade de um jeito que vamos nos movendo do lugar. Eu cedo minha nuca e ele explora, enquanto eu toco em seu corpo macio e aconchegante. Gemidos de prazer invadem a pequena casa e nos deitamos no sofá, despidos de medos. Eu tiro a minha camisa e ele fica admirando cada pedaço do meu corpo e, em seguida, me beija delicadamente no pescoço e vai degustando um pouco de mim em cada espaço que está exposto, tornando inesquecível o momento, seu toque quente que não me machuca e, surpreendentemente, não me fez querer parar, inclusive, nas minhas áreas proibidas. A todo momento eu quero mais, mas desta vez eu não tenho medo do quanto ele me explora. Eu não tenho medo com o Theo. O perfume do seu corpo é uniforme e a textura é macia como eu imaginava. Seu corpo e sua boca são saborosos e eu passo a ter uma fome de Theo dentro de mim. É como se com ele não existissem portões e todos os caminhos estão escancarados para nossa diversão, nosso prazer. Esquisito, mas bom, muito bom e eu nem lembro que meu corpo é marcado, machucado. Ele é espetacular e com ele eu sou destemida de sentir dor. Ele pausa, para meu desespero, e fala:
— Eu preciso pegar um preservativo.
Eu balanço a cabeça positivamente e enquanto ele sai da sala, o celular dele, que está no sofá, vibra, e eu o tiro com dificuldade de baixo de mim. Quando vejo a ligação: Clara Amor.
Sento-me rapidamente, assustada e preocupada, pois eu só escolhi vivenciar este momento por saber que ele estava solteiro e essa ligação muda todo o rumo da história. Eu não posso dar continuidade a essa loucura na qual eu sei que vou machucar meu coração e de mais alguém que eu nem conheço. Quando ele volta para a sala, eu estou recolhendo minhas roupas e ele, confuso, me pergunta:
— Aconteceu algo?
Eu respondo, envergonhada:
— Não aconteceu nada, mas não é correto fazer isso.
Ele coloca as mãos na cabeça e respira fundo, tentando acalmar o seu corpo que está prestes a explodir de desejo. Eu jogo a samba-canção do Mickey para ele e falo:
— Desculpe, eu que terminei confundindo tudo. Desculpe!
Ele coloca a samba-canção e eu termino de me vestir. Saio de casa como um foguete, como uma fugitiva, não só dele, mas principalmente dos meus sentimentos. Eu fecho a porta dele e de imediato descem lágrimas por meu rosto, demonstrando sentimento de fraqueza de não conseguir ser indiferente à situação. A Clara Amor ou é a mulher que ele está noivo ou deve ser alguém tão próximo que já tem até um apelido carinhoso: Clara Amor. Amor? Um sentimento que eu deixei no passado, que eu rasguei e não pretendo juntar as peças, até resolver atender ao pedido do meu pai, por amor. Será melhor se eu só sentir o amor fraterno, mas sem escolha, meu corpo, minha alma estão reacendendo em mim a Jéssica do passado e é r**m viver isso, é difícil ressuscitar o sentimento e o ver despedaçado de novo, em questões de segundos.
Eu não posso voltar a ser Jéssica sentimental e sonhadora do passado, ela está morta, agora eu sou insensível. INSENSÍVEL. Hoje eu sou alguém indiferente e movida a sonhos próprios de interesses variados que não envolvem sentimentos afetivos por alguém. Viver aquele turbilhão do passado me fez voltar a ser quem eu nem lembrava mais ter sido e eu não posso perder o foco da minha presença no Brasil, eu tenho que focar no que vale a pena, colocar o Tomaz na cadeia e salvar meus sobrinhos.