Era uma tarde tranquila,pessoas em seus trajes casuais e acompanhados de suas famílias,crianças correndo enquanto se divertiam construindo os melhores momentos de suas vidas. Ser criança é ser inocente,ser ingênuo. Mas nunca havia sido assim,acho e arrisco em dizer que nunca soube o que é ser "criança",o que é ser feliz. Às vezes me pego admirando e desejando que tudo fosse como as vidas de outras pessoas; gostaria que meus pais me amassem,desejava poder dizer que tenho uma família e que ambas se importam com o meu bem estar e minha alegria de cada dia. Mas infelizmente não era assim.
Estava sentada naquele parque desde as oito horas da manhã,havia saído de casa para não ter que ouvir os insultos e as reclamações da mulher que deveria amar,da mulher que me deu a vida mas que sempre se arrependeu. Deveria lhe amar, mas a única coisa que sinto é despeito,dor e raiva por tê-la junto a mim. A queria o mais longe possível, distante como sempre fôra,talvez assim pudesse finalmente ser - quase - livre. Existem tipos de pessoas que não deveriam ser chamadas de pais,certas pessoas que deveriam ser oprimidos para um "papel" tão significativo na vida de uma criança.
Por mais que o dia esteja adaptável com a felicidade alheia, somente conseguia lhe ver como uma tempestade,um momento em que poderia me sufocar mais uma das milhares vezes. Diferente das pessoas que passavam por perto ou que sorriam distantes ao estarem com seus familiares,a única coisa que conseguia sentir em meu ser,era o sentimento de desprezo e abandono por aqueles que nunca tiveram passagem importante e crucial em minha vida.
Não,ao contrário do que muitos poderiam acreditar e me julgar,em momento algum me julguei como uma pessoa depressiva,ou como alguém carente de atenção. Apenas gostaria de ter alguém para insistir em mim,alguém para me questionar coisas que me fariam ter a certeza de que se importavam e que possam estar querendo garantir minha saúde mental,apenas queria poder conhecer o sentimento de me sentir sufocada com tamanha pressão sobre mim, pressão que se arremeteu por um plano de futuro ou uma vida promissora. Conheço cada centímetro de minha vida e tenho certeza de que o destino não atenderia meus desejos mais sórdidos,porém acreditava fielmente de que em algum momento,as coisas mudariam e teria as experiências que gostaria,obviamente poderia não ser vindas da minha família. Certamente existirá alguém bom o bastante para tentar suprir minha necessidade de afeto, alguém para me mostrar o mundo além das trevas.
Haviam marcas em meu corpo, hematomas que não me doíam mais, ferimentos que em momento algum se tornavam semelhantes com cada pedacinho de meu emocional. Pessoas não enxergam,ou se enxergam ignoram,mas ferir os sentimentos de alguém ou partir essa pessoa ao meio pode ser a pior coisa que se faça na vida,pode vir a se tornar uma das piores crueldades do mundo. Minhas costas haviam marcas arroxeadas, minhas pernas e cada outro centímetro.
Ainda me lembrava de suas palavras,conseguia as ouvir como se estivesse naquele quarto junto a ela,sentia cada golpe desferido em minha pele,a ardência se formando a cada nova marca avermelhada que se tornaria escura. As lágrimas rolando em meu rosto,os soluços presos em minha garganta e o ódio aumentando dentro de meu coração. Se um dia pensei que poderia amar aquela mulher,pude perceber o quão enganada estava,pois uma vítima não deve esquecer seu agressor e muito menos o perdoar. O ódio não seria nem a metade do sentimento rancoroso que vive dentro de mim.
As mangas longas de minha blusa cobriam cada hematoma,a calça jeans encobria algo que muitas vezes tentei revelar, e muitas vezes fui ignorada. Não havia um centímetro de meu corpo que não estivesse livre de marcas, não havia nada em mim que não doesse e latejasse a procura de algo relaxante. Estava doendo,mas não mais do que o desprezo que tenho por ela, não o rancor que tenho pela mulher que me deu a vida e que me marcava com sua brutalidade.
Sabe quando se está de frente para um abismo sem uma visão do que há embaixo? Quando se vê prestes a se jogar e esquecer que se pode existir uma solução,que se pode existir uma maldita luz no fim do túnel? Então,estava de frente para ele,sentia mãos conhecidas me empurrando para em sua direção e ouvia as palavras negativas. Eu queria e acho que ainda quero me arremessar contra a escuridão que lá habita,pois tudo me parece tão simples daquele outro lado,tudo me parece tão acolhedor que seria incapaz de me ferir mais do que estou ferida. A escuridão que ali existe,pode ser a minha luz que tenho estado procurando.
Havia uma promessa,as palavras que tanto pedi para ouvir foram ditas por algo desconhecido,algo que está além da compreensão humana e dos conhecimentos dos meros seres humanos: aquela escuridão prometia me transformar em alguém diferente,alguém que não sentisse pelos golpes, alguém que não chorasse por pessoas,ela me prometia uma segurança que busquei em toda minha vida. Era vaga a sua promessa? Sim,pois não tinha certeza de que seria verdade. Porém algo dentro de mim sempre mostrou poder confiar,pois eles fizeram uma vez e voltariam a fazer.
Eu queria me jogar,queria me tornar uma moradora daquele lugar onde muitos tentam se refugiar, queria ser mais uma a experimentar não sentir, não chorar e muitos se importar. Mas quando me vejo prestes a pular e ainda sinto as mãos me empurrarem,alguém surge e me implora para suportar,me implora para insistir somente mais uma vez,insistir em acreditar que assim como a vida é bruta,ela também pode ser frágil e justa com seus viventes. Então,como uma boa e ingênua criança que procura colo após ser arremessada ao chão, ignoro tudo e todos e dou um passo para trás,e assim tenho feito desde os meus doze anos de idade. São dois anos andando sobre a corda bamba, andando enquanto a brisa tenta me desequilibrar.
Às vezes me pergunto quando tudo pode mudar,ou quando sentiria que as minhas escolhas seriam gentis em minha consequência. Mas então fecho os olhos e enxergo que não existe nada para mim, não existe luz próxima, não existe alguém que possa me acolher em seus braços e dizer que me ama e que ficaria ao meu lado. Nada seria simples e nada seria regado a felicidade em minha vida e não estou sendo pessimista - acho que nunca fui - mas o que tento dizer e fazer com que entendam, é o simples e doloroso fato de que minha vida me limitou na fila de escolhas, me oprimiu ao desejar me agarrar em uma faísca de felicidade e me impediu de sorrir. Porém,por mais doloroso que seja ouvir e falar,estou adotando as lágrimas e a solidão como minha família,como algo que ninguém poderia e desejaria arrancar de mim.
Um pouco depressivo esse pensamento, não? Porém não gosto que alguém se sinta tocado com minhas palavras e vida, não aceito que me vejam como uma infeliz que está sendo avaliada nas provas do mundo. Eu sei,acredito que estou em um teste no qual definirá como foi minha vivência nesse mundo c***l, sei que a cada lágrima que não deixei cair ou os soluços que aprisionei são testes para descobrir o quão posso ser forte,o quanto poderei resistir. Mas ambos esquecem que não estava preparada,que não aguentaria a primeira barreira sem que lágrimas caíssem, esqueceram que não estava preparada para ver os olhares e para sentir o sentimento de "pena" vindo de ambos.
Cansada de olhar para aquelas pessoas que não me mostravam nada além de sua felicidade e tranqüilidade,me levantei daquele lugar e segui para minha terrível realidade. Mas em meio a tudo o que vi, somente uma certeza ficou pairando em minha mente e me consolando: assim como eu, aquelas pessoas tinham seus problemas,tinham suas pendências que lhe roubavam seus melhores momentos,aquelas pessoas também choravam, elas também pensavam em desistir e lembravam que existiam pessoas que lhe amavam e estavam ali para lhes apoiar. É engraçado o quão o ser humano pode ser irracional,nos esquecemos que todos passam por momentos difíceis,nos esquecemos que cada ser vivente carrega o fardo de ser alguém em busca de sonhos e objetivos. Somos tão hipócritas que nos esquecemos de como tudo pode ser tão igual,mesmo sendo diferente. Somos os miseráveis que esquecem dos outros ao olhar somente para nós mesmos.
Não me julguem! O que minhas palavras e pensamentos dizerem não se aplicam a mim - pelo menos penso assim-, não sou igual aos outros. Minhas escolhas foram impulsivas,foram feitas sob pressão e foram erradas,assim como as consequências viriam rapidamente para me cobrar o que procurei e trouxe para minha vida. Mas estou cansada,pelo pouco tempo de vida que tenho,cheguei a um nível que outras pessoas sentiram após anos andando sob os obstáculos e enfrentando os " monstros" que entrariam em seus caminhos, estou chegando a um momento no qual tudo perderá o sentido e o valor. Não digo que meus problemas são maiores que os de outras pessoas,pois mesmo em diferentes circunstâncias eles não são,mas estou dizendo que estou mais fraca, que não tenho a mesma força de outras pessoas.
Ela estava em casa, esperando pela minha chegada e certamente preparando mais um de seus discursos que destrói qualquer filho. Então,após um suspiro que causou um certo incômodo em meus pulmões,abri aquela porta me dando a sensação de estar atravessando os portões do inferno. Entretanto,para minha surpresa e alívio,aquela mulher não estava sozinha,uma das únicas pessoas que se importavam comigo - mesmo que me causasse dúvidas de seus sentimentos - estava juntamente à “distinta ” esposa.
Vivia em um meio repleto de mentiras e omissões,pois Ricardo era o meu protetor quando aquela mulher tentava me agredir de alguma forma - verbalmente - então as omissões eram para si, já que nunca o deixei se aproximar quando estava machucada,o que causava uma série de interrogatórios. Poderia até dizer a verdade, mas quando se tem o sentimento de insegurança dentro de si, aprendemos a não confiar em ninguém e muito menos se abrir facilmente. Ricardo era meu protetor, mas não era o meu ouvinte para confissões.
Não sabia em quem confiar, não conseguia me sentir bem em nenhum lugar e muito menos sob a presença de alguém. A solidão era minha amiga,mas também tentava me matar lentamente ao me obrigar a prender tudo somente para mim,ao me colocar entre " pular" ou "não pular". Apesar de tudo isso, não poderia lhe culpar quando o desejo estava vindo de mim. Uma hora ou outra,desistiria de insistir.