Fiquei observando os dois faxineiros recolherem os corpos e limparem os poucos rastros que deixei.
Eles levaram menos de uma hora para fazer tudo.
E eu decidi que o melhor era ir embora. Eu não poderia me comprometer naquele nível.
Eu nem imaginava a quantidade de homens que o Dom mandaria ou quantos acompanhavam a carga, e mesmo com bastante agilidade, eu era apenas uma pessoa.
Repeti isso pelo caminho todo até em casa, para me convencer que eu estava tomando a melhor decisão.
Fui direto ao escritório do Dom quando cheguei e ele me aguardava, menos furioso do que eu esperava.
- Tudo resolvido. - Afirmei assim que fechei a porta. Ele não levantou o olhar do livro que estava nas mãos dele. - 13 eliminados e o Camacho no porta malas a uma distância segura, deve ser encontrado depois que a operação acabar. - Ele assentiu e fechou o livro.
- Loreana. - Ele falou em um tom ameaçador. - Qual foi a primeira regra que estabeleci com você?
- Que eu não deveria te contactar em nenhuma hipótese durante as missões. Mesmo que, a minha vida estivesse em risco. - Ele assentiu, enquanto caminhava na minha direção. - Dom, a operação poderia ser perdida… - A ardência veio antes da consciência de que ele tinha me batido.
O Dom era um homem violento em muitos níveis, e com aqueles que descumpriam ordens diretas, ele era imbatível e a punição era a humilhação mais extrema. Levantei o olhar para ele, sabendo que um tapa na face era pouco para o que eu merecia na opinião dele.
- Justificativas não apagam o seu erro. - Eu mordi a parte interna da bochecha, para segurar a raiva que caiu na minha corrente sanguínea. - Emocionada é pouco para te definir essa noite. - Ele bateu na outra face, com mais força agora. - Isso é falta de cabresto?
- Não senhor. - Eu falei, mordendo os dois lados da bochecha, esperando que ele me batesse de novo.
- Esse comportamento é injustificável. Você poderia ter sido descoberta e eles viriam direto até mim. - Eu assenti, sabendo que a vergonha manchava de vermelho o meu rosto muito mais do que as agressões. - Assegure que ninguém encontre o Camacho essa noite, quando a missão finalizar, eu vou cuidar de você. - Eu assenti e dei um passo em direção à porta, sabendo que no dia seguinte a minha punição seria 10 vezes mais dolorosa. - Esse é o resultado de deixar um trabalho de homem ser feito por uma mulher. - Eu me mantive firme até ouvir aquela frase. Não retruquei e não tentei argumentar. No dia seguinte eu aguentaria as consequências do que quer que ele fizesse comigo. Enfiei as unhas nas palmas da mão, para que a dor me distraísse enquanto eu caminhava pelo corredor, sentindo a fúria emanar pelo meu corpo. Até que cansei de me controlar e saí correndo em direção à garagem.
Assegurar que ninguém encontre César Camacho antes da hora.
Era uma missão simples. Uma missão para um soldado qualquer.
“Esse é o resultado de deixar um trabalho de homem ser feito por uma mulher.”
O peso de ser mulher afundou dentro de mim enquanto eu pilotava em alta velocidade.
Assegurar que ninguém entre César Camacho antes da hora.
Eu firmei esse pensamento, lutando com a vontade incontrolável de chorar de raiva.
Qualquer homem sob o comando dele poderia realizar aquela missão. O mais difícil eu já tinha feito. Ele poderia ter me liberado, mas ele precisava me humilhar.
Assassinos treinados para não sentir passavam por provações que os levavam até o limite dos maiores medos.
Como uma assassina mulher, a humilhação por ser mulher, nunca foi profundamente trabalhada em um treino. Esse era um dos poucos pontos fracos que eu tinha.
A fúria da humilhação veio em pequenas ondas, me fazendo reviver situações como aquelas.
Erros menores, em que fui punida na carne e humilhada de formas dolorosas até me fazer fixar o erro.
Quando parei a moto, ao lado do carro do Camacho eu estava completamente descontrolada de ódio.
Abri o porta malas e ele estava desmaiado, exatamente como eu o deixei.
Fechei e encostei no carro, sentindo todo o controle até ali sumir.
O plano dele falhou, por um acaso que não estava no meu controle. Ele não me deu informações precisas, mesmo eu perguntando, e no fim, a culpa era minha, por eu ser mulher?
Eu estava furiosa de uma forma que eu poderia matá-lo, mesmo com toda a gratidão.
Ele sabia exatamente quais botões apertar para me tirar de mim.
E ele apertou todos. Me estapeando, duas vezes. Me humilhando por ser mulher e depois me enviando a campo, para fazer o trabalho de um soldado comum.
Eu não fui forjada no ferro e fogo para isso.
Eu fui formada para realizar missões de vida ou morte, impossíveis até.
Pulei num carro em movimento essa noite mesmo.
- MALDIT0! - Eu gritei pela noite, para o nada, e ainda assim o eco foi com o vento.
Eu queria devolver a dor que eu estava sentindo. Ele merecia ser punido, mesmo que me açoita-se no dia seguinte, essa noite ele iria perder assim como eu perdi um pedaço do que me restava de dignidade.
Com mais força do que o necessário, eu acordei o meu prisioneiro.
- Quantos homens estão vindo com a carga?