Só quando os meus músculos ameaçavam desabar, eu parei.
Deitei no tatame e respirei fundo. A dor nos braços e nas pernas era muito bem-vinda, me lembrando que eu estava viva e era completamente capaz de controlar as minhas ações.
A cada lembrança que ameaçava me dominar, eu mudava o exercício, tentando principalmente, não pensar.
Poucas vezes eu precisei fazer isso na minha vida, levar o meu corpo até a exaustão, para controlar os meus pensamentos. Eu normalmente fazia isso com facilidade.
Eu estava cansada o suficiente para tomar um banho e dormir até acordar.
Algumas horas de sono profundo me fariam colocar a cabeça no lugar.
- A minha querida noiva finalmente voltou para casa depois de uma noite de farra. - Eu estava terminando de guardar os equipamentos quando o Eduardo chegou.
- Eduardo, eu estou de saída. - Ele ergueu as sobrancelhas surpreso.
- Onde passou a noite mocinha? - Ele se aproximou. - Virou estatística, como tantas outras mulheres, na cama do Camacho? - Eu imaginei que em breve ele me provocaria com isso. Abri um sorriso largo para ele.
- Fique em paz, que a minha pureza está intacta. - Eu caminhei para a porta e ele me seguiu.
- E o pescoço dele, está intacto? - Eu me virei de uma vez e encarei ele de frente.
- Caleaboca! - Falei baixo. - Você ficou maluco? - Ele levantou as mãos.
- Só para entender se a sua aventura já deu resultado. - Analisei bem a cara do desgraçad0. - Em breve, muito em breve, você dará essas satisfações para mim, não se esqueça disso.
- Até lá, devo explicações apenas ao seu pai. Segure a sua língua dentro da boca, antes que você coloque tudo a perder. - Eu sai de perto dele, antes que eu perdesse completamente o controle e acabasse agredindo ele.
Ele sabia que o meu alvo era o Fred.
Será que o Dom contou ou ele deduziu pela proximidade que o Fred mostrou ter comigo ontem?
Isso tornava as coisas mais complexas, porque me obrigaria a acelerar as minhas ações.
O Fred teria que morrer logo.
Eu senti uma névoa quase dolorosa me dominar com esse pensamento enquanto eu entrava no banheiro e me preparava para tomar um banho e dormir.
Sozinha, dentro da banheira eu finalmente encarei a realidade das minhas ações.
Eu permiti que ele atravessasse todos os limites…
Não.
Eu passei todos os limites.
Eu deveria ter ido embora assim que percebi que eu poderia cair em tentação.
E eu não apenas cai na tentação, eu me lambuzei nela.
Eu me deliciei com o sabor e o toque dele e tornei a minha missão imensamente mais desafiadora do que antes.
Vendo em retrospecto, antes provavelmente eu teria dificuldades, por ele ser quem era.
Pelas memórias que eu guardava com ele da nossa infância. E tudo isso poderia ser suprimido pela vingança que passei a alimentar assim que recebi aquela missão.
Mas, naquela manhã, éramos apenas nós dois. Eu não era uma assassina e ele um alvo.
Eu era Lore e ele o Fred. Um casal que se beijou apaixonadamente e que esteve a ponto de se perder um no outro.
Na verdade, naquela manhã, eu era aquela menina sonhadora, vendo o meu futuro nos olhos azuis dele. Olhos esses que apareciam nos meus sonhos vez ou outra. Olhos que me fizeram suspirar nos primeiros anos da minha vida e que me fizeram suspirar hoje.
Se a escolha fosse minha, ele não morreria.
Se a escolha fosse minha, as coisas seriam diferentes.
Mas, as minhas escolhas normalmente não eram minhas. Eu seguia ordens e existia toda uma cadeia que era alimentada por quem eu era, pelo que eu precisava fazer.
E era apenas essa realidade que eu conhecia. Eu não podia mudar o rumo das coisas porque me perdi nos lábios de alguém.
Mesmo que isso tivesse feito eu me sentir completa e viva, como nunca me senti.
Foi mágico, saboroso e me fez querer muito mais.
Só que eu tinha uma dívida eterna com o Dom. Eu fui criada para ser a arma dele sem levantar nenhuma suspeita. Viver qualquer coisa com o herdeiro da família que eu mais odiava no mundo era impossível.
Gostando ou não, eu casaria com o Eduardo.
E passaria a ser a lâmina que ele usaria para eliminar os inimigos da nossa organização.
Na minha vida não tinha espaço para sonhos de infância sobre amores verdadeiros.
“ Gosto de olhar a água correndo e pensar que em algum lugar desse mundo de merd4 existe um amor como o deles… Para mim.”
A voz dele voltou aos meus pensamentos e eu afundei na água, para afugentar aquilo.
Ele teria que morrer. Logo.
Eu não posso falhar e não terei medo.
Esse foi o meu último pensamento antes de segurar mais a respiração, até que a dor da falta de oxigênio fosse maior do que a dor da minha decisão.