Como eu planejei, eu dormi profundamente.
Não foi um sono tranquilo, mas normalmente não era.
Uma batida na porta me acordou e eu sentei na cama. A Catarina entrou com uma bandeja e colocou em cima da mesa, no centro do quarto.
- Não é só de vento que as pessoas vivem. - O sorriso dela era tímido, e nós éramos próximas o suficiente para ela me dar uma bronca. Afinal, eu não me lembrava quando foi a última vez que comi.
Me arrastei até a mesa e me servi de uma sopa que ela trouxe com pães.
Já tinha anoitecido e eu sentia os músculos ainda doloridos do treino intenso daquela manhã.
- O Dom quer vê-la em uma hora. - Pisquei para a Catarina e ela sorriu. - Não acho que seja bronca por suas aventuras de ontem.
- Eu estava fazendo… - Ela me calou com a mão. Mesmo que a Catarina já tivesse cuidado de muitos ferimentos meus e soubesse que eu era capacitada em diversas formas de luta, assim como os demais funcionários da mansão, nós nunca falamos os motivos disso. Ela sempre foi uma funcionária leal a mim e ao Dom, e cuidou de mim desde que eu me lembro. - Já sei, nada de detalhes.
Ela assentiu e me entregou um envelope amarelo.
- Um menino muito simpático me entregou esse envelope mais cedo, sendo extremamente específico, que eu entregasse nas suas mãos e que você lesse sozinha e ninguém mais soubesse, ou a vida dele correria sérios riscos.
- Um menino? - Eu perguntei, surpresa.
- Não devia ter mais que 15 anos. - Eu suspirei, virando o envelope. - Eles estão entrando nas organizações cada vez mais cedo.
O envelope pareceu queimar a minha mão quando vi o selo de cera. O brasão da família Camacho.
Era do Fred, com certeza era um recado do Fred. Levantei e senti uma ansiedade imensa, mas eu não o abri.
- Alguém viu você recebendo isso? - Ela negou com a cabeça.
- O menino foi esperto, procurou por mim na entrada da lavanderia e pediu pela dama de companhia da senhorita. - Olhei para o envelope como se ele pudesse me engolir. - É da família Camacho. - Ela afirmou e eu assenti. Por mais que eu confiasse na Catarina, ninguém poderia saber as orientações da minha missão.
- Vou me arrumar para ir encontrar o Dom. - Ela assentiu e caminhou para a porta, para me dar privacidade. - Se precisar de alguma coisa, estou à disposição.
- Obrigada. - Ela saiu, e me deixou sozinha com a carta nas mãos.
O meu primeiro impulso foi abrir.
Mas, alguma coisa me impediu. Eu não queria ir para a realidade tão rápido assim.
Poderia ser qualquer coisa: Um pedido de desculpas por ser invasivo naquela manhã, um convite para me ver de novo ou até uma proposta de negócios.
Ou talvez ele só sentiu a minha falta.
Não, ele não é esse tipo de homem. Ele conseguiu o que queria, me domou, como ele mesmo disse que queria fazer. Eu me deleitei nos braços dele e era impossível que ele não tenha percebido a minha entrega. Ele foi perceptivo demais antes.
Era um convite, com certeza.
E eu não precisava de mais tentações naquele dia. Eu leria depois, quando eu estivesse pronta para finalizar a minha missão.
Escondi o envelope sob o colchão da cama, um lugar seguro em que eu guardava algumas coisas.
Terminei a sopa e me coloquei em movimento.
Uma hora depois, com os músculos relaxados, depois que tomei um banho, eu batia na porta do escritório do Dom.
- Entre. - O Carlo estava parado de frente para a janela, com o seu habitual copo de bourbon nas mãos, olhando para o horizonte. Ele costuma falar que quem via além do que estava bem na sua frente era capaz de prever o futuro e as diversas nuances dele. E por isso ele fixava o olhar no horizonte. - Lore.
- Dom. O que posso fazer por você? - Eu entrei na sala e me sentei em uma das poltronas.
- O Eduardo me procurou… - Ele començou. Eu senti os meus nervos repuxarem. - Como está a missão?
- Eu me aproximei dele, acho que em breve terei uma oportunidade, sem levantar suspeitas. - Ele não precisava saber dos pormenores. E o tema Eduardo não deveria ser questionado. Não ainda.
Ele assentiu e sentou na minha frente.
- Ótimo. - Ele me olhou, estudando as minhas feições. Eu sempre conseguia manter a máscara impassível na presença dele, foram anos de práticas. - Essa noite, preciso de um trabalho diferente…
- Estou à sua disposição. - Ele pegou um mapa de cima da mesa e estendeu para mim.
- O local marcado com o x é um galpão. - Estudei a localização. - Eu preciso que você elimine o máximo de homens que conseguir nesse lugar nas próximas horas. Tem um carregamento chegando pela manhã e os meus homens que devem recebê-lo. - Eu assenti.
- Tem algo em específico que eu preciso saber para essa missão? - Ele deu um gole no uísque.
- É uma operação Camacho. Isso vai colocá-los em maus lençóis com os distribuidores. - Eu assenti. - Devem ser 10 homens. Assim que finalizar, ligue para o camburão. - Jorge e Sena eram dois homens que tinham uma camburão e eram responsáveis por limpar a bagunça causada pela nossa família.
- Considere feito. - Eu me coloquei de pé. - Devo avisá-lo quando finalizar?
- Não será necessário, preciso apenas que seja feito rápido. - Eu me virei, a caminho da porta. - Lore? - Eu me virei.
- Bom trabalho com a missão principal, quando finalizar, te darei algumas semanas para descansar antes do casamento…