Capítulo vinte e quatro: Sweetheart.

1880 Words
A sala do chá ficava logo a seguir o escritório do demônio, era a sala onde Carol mais passava o tempo, lendo, ouvindo música e brincando com Maddie. A minha estadia mais demorada naquela sala foi num dia em que Carol havia brigado com Thomas e acordou-me no meio da noite, ficamos por horas conversando e relembrando à época em que andávamos o tempo todo grudada em Woldorf Abbey. Abri a porta devagar e encontrei Ella dobrando as coisas de Carol, provavelmente coisas que ela foi deixando ao longo do tempo, xaile, cachecol, luvas, chapéus e o resto que não pude perceber exatamente o que era. — Como foi com o patrão? — pergunta ao passar para o outro lado. — O de sempre... — respondo dando de ombros, a fraca luz que insídia sobre a sala a tornava um pouco sombria, mas não deixava de ser muito bonita. Tinha uns longos cortinados que beijavam o chão, quadros antigos com pinturas abstratas que enfeitavam as paredes, a mesa redonda se encontrava no centro a sua volta pequenas cadeiras elegantes, havia também molduras da família estranha de Thomas. Na lateral da sala, num canto um pouco mais escuro estavam alguns brinquedos de Maddie, logo a seguir uma poltrona beje junto a lareira. — Minha Nossa Senhora! — sobressalto. — O que foi? — Ella larga tudo e corre em minha direção, tenho o corpo trêmulo e as mãos suadas. Podia jurar ter visto Carol sentada. — Caroli-Carol... eu... — pestanejo, rindo de medo. — Me pareceu ter visto Carol sentada aqui. — falo apontando para poltrona. Ella tranca o rosto, mostrando a face impenetrável de alguém que está escondendo coisas. Pego nas suas mãos. — Ella, por favor me diz o que aconteceu com Carol. — ela solta as minhas mãos, caminha rápido recolhendo as coisas e vai até a saída, antes de abandonar a sala, lançou-me um olhar me dando a certeza do que eu já sabia. Abri a porta do meu quarto e um frio estranhamente familiar conseguiu ultrapassar as barreiras da roupa que usava, abracei o meu corpo com o sobrolho unido. — Que merda é essa Carol? Se for você, por favor pare com isso! Aparece de uma vez ou pare de me atormentar! —não aguentava mais, estava me sentindo esgotada. Sentei na minha cama com as mãos no rosto voltando a chorar baixinho. Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, chorando e lamentando, mas sei que foi muito. Despertei quando escutei batidas na porta, ergui os olhos e estava Ella com uma xícara de chá. — Precisa se acalmar. — diz maternal, ela também tinha as vistas vermelhas. Estendeu o braço, eu funguei o nariz e recebi a xícara das suas mãos. — Ela está morta não é? — Ella tapa a boca impedindo um grito, mas anui me confirmando o que o meu coração já sabia. — Como? Quando? Porquê? — Ninguém sabe. Nem mesmo o patrão, o seu corpo foi encontrado há três noites dissecado num lago próximo ao hotel onde eles estavam em Londres. — solto um suspiro nostálgico. — Quem faria uma coisa dessas a Carol e porque? Ela era o ser humano mais adorável que eu conhecia... — a minha cabeça gira com um turbilhão de perguntas sem respostas. A única pessoa viva que teve a audácia de se colocar contra todos para cuidar de mim acabava de falecer, como fazer o luto dela se nem mesmo o marido quer que se saiba? — Porque ele está agindo como se Carol tivesse ido passar uma temporada com a família? Como se ela estivesse bem! — murmuro ultrajada. — Não sei, mas você não quer perguntar isso à ele! Por favor, não vá mais se meter em encrenca com ele. Hoje já foi suficiente aquela situação mais cedo... A menina há de ter enlouquecido! O que lhe deu em vestir as roupas da mãe do Sr. Thomas? — ou eu estava enlouquecendo, ou eles é que eram os loucos. — Nunca peguei nada que não fosse meu nessa vida. — retruco. — Mas pegou esse vestido. Que obviamente o seu salário não é suficiente para pagá-lo. — podia explicar quem deu-me, mas havia prometido que nunca mencionaria seu nome. Teria de resolver esse assunto mais tarde. — Como já disse, não roubei o vestido! — falo erguendo a voz um pouco mais do que eu queria. O frio acirrado fazia meu queixo tremer com força. — Anyway! Parece um p***o molhado tremendo desse jeito. Vá se trocar e descansa um pouco, que eu venho lhe acordar antes de servirem o almoço... — fala me ignorando. — God. Uma criança deveras inquieta! — Ainda ouvi ela resmungar. Não sei a quem estava chamando criança. Era estranho pensar em Edward como sendo um ladrão, mas esse facto explicaria a sua frequente presença nessa casa às noites... porém, o que uma coisa teria que ver com a outra? Ele poderia estar aqui por razões adversas a essa, e não vejo aquele homem tendo necessidade de assaltar essa casa quando parece possuir tanto ou mais dinheiro que Thomas. Não sabia a sua história e todos temos uma por contar, incluindo o demônio no outro lado do corredor. (...) Não sai do quarto nem mesmo quando Ella mandou-me chamar para almoçar, me desfiz daquelas roupas carregadas com más vibrações. Tinha de ver formas de sair de Raven Ayes e ir até a cabana, precisava entender o porque de Edward ter coisas da mãe de Thomas com ele. Entretanto tinha também de deixar os livros e as aulas de Maddie organizados, Ella mencionou que viriam dois novos professores de fora para Maddie, um de francês e latim e outro de piano. Não tinha nada contra, mas Carol nunca quis que Maddie fizesse essas aulas na mansão. Ela queria que pelo menos as de música, Maddie fizesse numa escola em que ela pudesse manter contacto com outras crianças. Mas eu não ia me intrometer na educação que ele quer passar para filha, farei de tudo para que não lhe falte amor. Maddie está crescendo e já sabe que o pai é uma pessoa difícil. O tempo passou tão lentamente que não conseguia crer que só tinham passado dez dias desde que eles voltaram de Londres. A segurança da mansão tinha sido redobrada e nada de Maddie voltar de Cumberland. Não via Edward desde o regresso de Thomas a Fodshan, também ninguém conseguiria passar pelos dez guardas que Thomas foi buscar não sei de onde, todos tinham rosto de mercenários e não pareciam dormir. Não voltei a ver Carol nem em sonhos nem mesmo os vultos que vira nos três dias a seguir a sua morte. Tentei fugir por três vezes e todas as fugas foram frustradas pelos mercenários. Todo mundo podia sair menos eu. Estava vivendo numa espécie de prisão domiciliar, sempre que perguntava os motivos, Thomas era curto e grosso. — Os portões estão abertos, é livre de sair e não voltar a entrar! Era por esse homem que todo mundo me olhava de lado, que por vez ou outra me tratava de forma diferente, parecia estar a passar por uma bipolaridade que ninguém compreendia. Toda vez que nos cruzávamos ou ele mandava me chamar, sentia uma enorme revolta por ele esconder às pessoas o facto de Carol estar morta, nem mesmo a família dela estava sabendo da verdade. Não sabia os motivos dele ter de ocultar tudo aquilo, mas coisa boa não devia ser. No meio de tantas mudanças, a que mais me assustava era o facto dele ver em mim uma possível mãe substituta de Maddie, tentava a todo custo manter conversas ativas comigo coisa que nunca fez nos quatro anos passados. Já o vi olhar para mim com asco, mas também podia jurar que ele me olhava como Edward olhou para mim no dia em que... em que... Enfim, devo estar delirando. Só sei que tenho medo de estar sozinha com ele. Outro fator que deixava as pessoas curiosas era que, mesmo ele dormindo com Nora, ela continuava sendo cozinheira, nunca a tratava bem e eu cheguei até sentir pena dela. Porém a sua aproximação repentina para com a minha pessoa só fez com que a relação inexistente que tinha com Nora piorasse. — O Sr. Thomas está a sua espera Senhorita Nihara! — desde o dia em que Ella notou que o comportamento de Thomas mudara com relação a mim, voltou a criar uma barreira entre nós. Me sentia mais sozinha que nunca. — Estou com cólicas menstruais, por favor pode se desculpar por mim? — falo me deitando, já tinha trocado de roupas estava pronta para dormir. — Já tomou o chá? — pergunta preocupada. Aceno confirmando. — A menina não me avisou que estava com o período. Não comprei absorventes. — lamenta. — Não se preocupe, fiz pensos com uma toalha velha. — For God sake! Isso não é seguro! Corre o risco de ficar... embaraçada, se o fluxo vazar! — ralha, sentia falta dessa Ella que se preocupava comigo, mesmo que fosse para me dar broncas. — Sim, mas esse risco corro até se for com um absorvente industrial. Eu estou bem Ella. Obrigada por voltar a se preocupar comigo. — falo pegando na sua mão, dessa vez ela não se afastou como fez todos os outros dias. — Sweetheart... Eu nunca deixei de me preocupar com a menina. Só não quero que se iluda com o Sr. Thomas e tenha o mesmo destino que teve a senhora Carolinne. — fala sincera. — Eu tô louca de amores por ele, tão louca que não consigo sair dos portões da mansão! Não vejo a hora de ser tomada com voracidade por ele... — a provoco com um sorriso troçador. Ella coloca a mão no peito chocada. — Mas é uma atrevida! Como pode afirmar tais palavras com tanto deleite? — ralha. — Ao menos assim, a senhora terá motivos para se afastar novamente de mim... Aqui já estão me chamando de p**a oferecida não é mesmo? Que mulheres como eu só servem para aquecer a cama de quem der mais? — falo revoltada mas noto uma expressão de culpa no seu rosto. — I am sorry. Não percebi que todo mundo a estava tratando tão mal... Eu fiquei decepcionada, a menina foi sempre tão correta, muito me espantou quando a vi toda sorridente com o Sr. Thomas sendo que ele sempre a destratou... — Ella, eu não gosto dele, ele não gosta de mim! O Sr. Thomas jamais olharia para alguém como eu, ri com ele por conta de uma história que contou sobre Madelinne quando estava aprendendo a falar! Foi uma única vez. A única coisa que temos em comum é o amor que sentimos por ela... — For sure! Isso é razão mais do que suficiente para que ele tente fazê-la senhora dessa casa. — sentencia e sai sem deixar-me defender, bom... não havia nada a ser defendido. Eu não gostava dele e ele sequer suportava-me, mas parecia que todo mundo decidiu colocar essa idiotice na cabeça. O único motivo o qual estava naquela casa era Maddie. Levantei para desligar as luzes e voltei a deitar-me. Um trovão se fez ouvir, seria mais uma noite chuvosa como todas outras.
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