Capítulo oito: Nora, a cozinheira com ar de grandeza.

1808 Words
Fui puxada pela mão minúscula de Maddie até a cozinha. Cumprimentamos a Nora, a cozinheira, ela sempre me respondia torto, como se tivesse um assunto inacabado comigo, nunca trocamos mais de três palavras, uma vez disse que a minha cor a deixava desconfortável, evitava o máximo cruzar no seu caminho. Sempre que encontrava ela com os outros empregados, me dava a sensação de que falavam de mim. Deixava em evidência as nossas diferenças, tirando a altura nós éramos opostos, ela é alta, loira, olhos verdes, tão linda que deixou até "Duque" Thomas aficionado pela sua beleza, já encontrei-o em cima dela nos estábulos, como ninguém me viu fiz olhos de mercador. Carolinne não merecia tamanha traição, mas nunca ouviria de mim que seu marido se deitava com a cozinheira. (…) — Coloque o café de Maddie e da Srta. Malika na sala de jantar. — Ella ordena. — A Nihara nunca se sentou na sala de jantar! Não irei servi-la! — responde com desdém. Tinha os cabelos loiros unidos num coque e usava um vestido rosa, demasiado elegante para uma cozinheira, sequer usava a toca. As vezes parecia sentir-se demasiado à vontade na mansão, sabia bem o porquê. — Irás servi-las na sala de Jantar! — Ella volta ordenar, agora mais enfática. O semblante de Nora mudou, olhou pra mim de baixo pra cima com desdém. Mas de todo incomodava-me, estava acostumada a ser tratada diferente desde criança. Era difícil ver algum n***o ocupar um lugar de destaque por estes lados. — Quando o patrão voltar de viagem não irá gostar de saber que essa n***a sentou-se na sua mesa de jantar! — É Nihara! — a corrige. — Da mesma forma que a Sra. Carolinne, não irá aprovar se souber que andaram experimentando as sua roupas! — abri a boca querendo falar mas voltei a fechar no mesmo instante, pois Maddie estava presente. — Mas ela foi até vila com a Maddie! Como é que a senhora pode ficar do lado dela? — vocifera. Eu tento me defender, mas Ella, com a postura sempre elegante levanta o indicador, Nora suspende o olhar pra mim e vira pra Ella. — Eu autorizei a saída da Srta Malika com a menina Maddie... — ela fez o quê? Um silêncio ensurdecedor se faz, Nora volta a mirar pro meu rosto, procurando alguma lacuna nessa história, seus olhos de um verde esmeralda me estudam, enquanto se aproxima a mim, como uma felina perigosa. Não me sinto intimidada, e muito menos acuada, não tenho medo dela, penso, mas tinha medo do homem com quem ela se deitava. — Isso não é verdade! — vocifera. Era a Ella quem falava, porque a doida estava sustentando o seu olhar no meu? — Está a chamar-me mentirosa menina Nora?? — eu sabia que ela reagiria assim, independentemente de ter sido Ella a defender-me, o seu pequeno arrufo era comigo, então ela faria de tudo pra me prejudicar... pelo menos já estava tentando. — Não! Ela é que a mentirosa! A senhora provavelmente só está tentando protegê-la. Mas eu irei descobrir a verdade e o Patrão irá saber... — mas o que essa louca tem contra mim? Começava a sentir a bílis querer atravessar garganta a cima. — Não queres antes dizer a Patroa?? — pergunta com o sobrolho franzido. Ella também sabia do envolvimento dos dois. Sorrio internamente, ainda bem que Ella é imparcial. Suas sobrancelhas se espalham num sorriso cínico, suspiro. Pensa que estou menos tensa? Ledo engano, meu sistema nervoso está mais sem controle que um trem desenfreado, e se eu fosse branca, elas perceberiam o quão apavorada eu ficava quando falassem de Thomas, e Ella também devia ter cuidado, Nora não é de confiança. — Por favor Ella, eu posso tomar o café da manhã aqui mesmo. Eu sempre comi aqui, ou na varanda... — era verdade, eu fazia todas as refeições sozinha, as vezes Maddie vinha roubar do meu prato, mas era a única que se atrevia em se sentar com a preta. — É Ella, eu posso comer aqui com a Nia. — meu anjinho da sorte intervém. — Vocês duas estão de castigo. Não têm direito a fala! — por Deus! O que deu nessa mulher hoje? Ela podia ser inimiga de todos nessa casa, menos dessa serpente. — Se ela desobedecer uma ordem minha, eu irei mandá-la pra rua! Tenho autorização para colocar todo mundo na rua, incluindo a senhora, Srta. Malika. — fala cruzando os braços. Nunca vi Ella falar tanto com alguém por muito tempo, quanto mais tomar uma postura assassina. — Se não vais tomar o café, melhor voltar pro seu quarto! — diz cruzando os braços, e eu meio confusa olho além dela onde estava Nora fervendo de raiva. — Vou servir o café em dez minutos! — anuncia. Ella faz um sinal, eu e Maddie vamos quase correndo pra sala de jantar ainda com o meu coração batendo descontroladamente. Não sei quem me deixou mais preocupada, se Nora com as suas ameaças ou Ella que decidiu fazer frente à Nora, praticamente se declarando inimiga dela. Nunca tive oportunidade em determinar a minha própria vida além das suposições alheias, primeiro foi no internato com Madre Aurora e depois Madre Lilian, agora Carolinne... E na primeira vez que eu tomo uma decisão por iniciativa própria, consigo criar uma grande confusão, não só com os meus próprios sentimentos mas também entre os empregados. Deus do céu, como eu sou patética. Nihara, o que foi fazer? (…) Era primeira vez que entrava nessa casa depois de tantos anos, os quartos de cima estavam todos vazios, com exceção do quarto da minha sobrinha, mas não era o seu quarto que eu procurava. Em passos silenciosos desci as escadas. Estava certo de que ela havia sido contratada para cuidar da criança e não dá casa, a pergunta que não queria se calar era, porquê a colocaram num andar diferente da menina que ela tutelava? Deixando ela a mercê de um lunático qualquer que apareceria no meio da noite, na mansão onde vivia o irmão procurando formas de se vingar deste? — repreendi o meu próprio pensamento. — Nunca faria m*l a uma criança. Encontrei o quarto da tutora, ficava no andar térreo, era pequeno e demasiado escuro, contudo era arejado e parecia confortável. Apesar de raro, eu já havia visto algumas pessoas negras, principalmente em Londres, ela era intrigante, mas não era isso que me deixava surpreendido de todo. A aura mágica que cobria aquela mulher era tão intensa que mesmo dormindo tão serena eu seria capaz de distingui-la no meio de uma multidão, eu saberia quem ela era, jamais estive perante alguém com tamanha pureza, ela tinha o quê? Vinte três ou vinte cinco anos? Sentia o quão bom eram os seus sentimentos, e isso não era algo que eu esperava. Contudo não podia confiar na minha sensibilidade, não consegui discernir o que a Amanda faria com aquilo que eu queria que ela fosse, então, podia também estar enganado com relação a essa mulher. Lembrei da noite passada, quando a encontrei deitada na lama, acuada, parecia um animal feroz machucado, entretanto, as orbes escuras tremelicaram ao encarar-me, como se travasse uma batalha interna sem saber se se dava por vencida ou lutava para as manter despertas, ela parecia aquelas pessoas que aceitariam de bom agrado qualquer coisa que lhe fosse destinado, incluindo a morte num lugar que evidentemente ela não pertencia. Aproximei-me da cama minúscula, ela se remexe soltando um suspiro, que pareceu mais um gemido, o meu corpo enrijeceu ao sentir o cheiro a Jasmim que exalava. O que estás a fazer Edward? Antes que pudesse compreender o porquê de sentir-me tão ligado ou conectado a ela de uma forma inexplicável, saí do quarto às pressas, até chegar a sala, havia uma moldura pendurada na parede, era foto do meu pai e o Thomas nessa mesma sala, lembro desse dia... — Como futuro Duque, tens de aprender a dar o nó na gravata Thomas! — o meu pai falava como se eu sequer estivesse presente. — Mas Edward é quem será Duque papai! — ele exclama, fingindo que não tinha nenhum interesse em herdar tudo que pertencia a minha família. — O seu irmã terá outro destino. — não deixava de estar certo. Eu tive outro destino. — Para que o nó saia perfeito, deves voltar o colarinho da camisa pra cima e fechar o botão, coloque a parte mais pequena da gravata acima do cinto, por baixo do colarinho, cruze a parte grande sobre a pequena e deslize. Em seguida envolva a parte grande sobre a pequena, passe-a por cima e coloque o índex no nó realizado.... Soltei um pigarreio, balançando a cabeça, era como se os pudesse ver agora. Ouço barulho de uma porta se abrir, parecia vir do quarto da tutora, a mesma havia acordado, possivelmente pelos sons emitidos por mim, voltei a passar pela janela da sala, da mesma forma como havia entrado, sorrateiro. A propriedade era grande, estendia-se numa área distante e bem reservada, possuía dois andares repletos de portas e janelas. Haviam árvores espalhadas que cobriam o redor e enormes portões dourados. Na parte de trás, tinha o jardim botânico outrora cuidado pela minha mãe, actualmente quem cuidava era a esposa do meu irmão, do outro lado, havia um jardim com relva verde próximo a um lago. A floresta fechada também fazia parte daquela propriedade. Não podia negar, era umas das casas mais bonitas que meu pai deixara como herança. Tudo que pertencia ao meu pai por direito, o meu irmão tomou de mim. Por um lado, eu jamais viveria em um lugar tão distante de Northumberland. A sua fixação em se tornar Duque, toldava o seu discernimento. E podia perceber o quão desleixado ele tinha se tornado ao longo dos anos. Estava há demasiado tempo longe de Northumberland, a sua obsessão em ocupar o meu lugar não o permitia ver a quantidade de erros sucessivos que vinha cometendo. Ele se esquecia que um ducado era muito mais do que um mero título, o duque tinha obrigações para com a sociedade a qual está inserido, ele sequer estava atento ao crescimento da população de Northumberland, desde a minha fuga tenho me mantido informado sobre como estaria o meu ducado, e a população mais pobre estava cada vez mais pobre, as fronteiras estavam sobre domínio de um "Senhor" cuja missão seria de saltear os moradores das vilas mais próximas. Se teria o dedo do meu irmão nessa história? Com certeza. Mas não podia fazer nada, pelo menos por hora. O meu foco era destruir o meu irmão, não sabia se sairia vivo dessa demanda, por esse motivo, não queria me preocupar com o futuro do ducado agora, minha prioridade é acabar com Thomas e de quem atravessar no meu caminho sem excessões.
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