Capítulo sete: O primeiro encontro.

1965 Words
Fodshan (Cheshire), 02 de Julho 1978 Estava na esquina, em frente ao café onde a filha do meu irmão e a mulher que cuidava dela estavam. Desde que descobri a mansão de Cheshire, tenho estado a controlar dia e noite, quem entra, quem sai, seguia os empregados, os entregadores, o leiteiro, o padeiro... tudo, e até então, não vira nem o meu irmão nem a esposa. Todas as pessoas com quem mantive contato, nenhuma conseguia dizer onde ele estava, havia deixado a sua filha aos cuidados de uma tutora, amiga de Carolinne, isso devia significar que ele voltava, ou pelo menos a esposa voltaria pela filha. Passei a controlar os passos da tutora e até da menina, em quase um mês, era primeira vez que as duas saíam da propriedade. Pareciam dois peixinhos fora d'água, a mulher não comeu nada, as mãos em cima da mesa e uma postura ereta que a mim pareceu bastante desconfortável, tinha cabelos curtos, quase inexistentes que facilmente seria confundida com um homem, usava roupas de freiras e era tão n***a que todos nesse fim de mundo olhavam pra ela como se fosse uma aberração, contudo, ela seguiu cuidando da filha de Thomas com o rosto erguido. Por uns míseros segundos cheguei a sentir empatia por ela, não era a primeira mulher n***a que via em Fodshan, porém, fugia dos padrões os quais essa pequena comunidade estava familiarizada, ela era diferente e nós sabemos o que isso significa numa sociedade em que o ser diferente era ser errado. Uma das coisas que mais irritava nesse fim de mundo, além das pessoas velhas, cansadas e as oferecidas prontas a se entregar ao primeiro com a ilusão de sair desse inferno, era o clima, quase nunca fazia sol, o céu cinzento já era como um postal de visita. Uma cidade com pouco mais de cinco mil habitantes, não oferecia alguma perspectiva de futuro aos seus habitantes. Ao fim da tarde, havia perdido o rastro das duas, a chuva miudinha não ajudava, estava escuro, o chão lamacento, e como estava vigiando, não podia usar o carro então tive de ir atrás delas correndo, após alguns metros consigo vê-las, parecem preocupadas... não! Estão apavoradas, sentia a angústia da mais velha cada vez mais intensa. Do que elas estão correndo? Era difícil acompanhar o ritmo das duas, reduzi o passo, elas estavam se dirigindo a casa, e naquele corredor imenso de árvores altas e densas, elas não teriam como se embrenhar, não com o chão lamacento e escorregadio. Sigo caminhando, me sentindo cada vez mais desconfortável com o que eu sentia vindo dessa mulher... não era alguém que eu conhecia, era uma completa estranha, não compreendia porque sentia o que ela sentia. Já odiava toda essa coisa de sentir o que pessoas próximas a mim sentiam, imagina sentir tudo o que uma completa estranha estava sentido! Me senti igualmente miserável, solitário e melancólico. Já bastava os meus próprios sentimentos, os dela são horríveis. Ao encontrá-la estendida ao chão, permaneci em silêncio por uns instantes, observando a sua reação, no início era pavor, mas agora podia sentir o quão calma parecia, o seu medo havia sido substituído por um sentimento como o de dever cumprido. Alguma coisa me dizia que havia algo de errado na sua forma de agir. Me aproximei do seu rosto, a mulher arregalou os olhos murmurando qualquer coisa que não pude perceber, estava demasiado assustado com tudo que ela me transmitia. — O que você está fazendo? — pergunto irritado, estava com muita raiva dela, mesmo sabendo que ela estava machucada. Enquanto esperava por uma resposta, a doida voltou arregalar os olhos e caiu inconsciente. — Merda!! Ei... acorda. — não acordava, dei alguns tapinhas no seu rosto, ainda assim não acordou. — Merda! Merda! — vocifero, ela tinha um ferimento na perna que estava a sangrar, não sabia o que fazer. Andei às voltas com as mãos na cabeça, Que merda!! Porque foste segui-las?? E onde está a garotinha? Nada do que acontecesse com essas pessoas me diz respeito, comecei a correr na direção oposta, quanto mais longe dela ficar, melhor estarei... Pouco tempo depois parei. Passei a mão pelo cabelo. Não estava me reconhecendo naquela situação, desde que fugi de St. Mary decidi não voltar a ajudar ninguém, mas a minha curiosidade com relação ao que ela me fazia sentir não me deixou ficar tranquilo. — i*****l! Isaac estava certo... isso pode ser coisa de Thomas. — murmuro ao colocá-la no colo. Tudo estava me deixando intrigado, afinal de contas eu era louco atestado. Porquê não ajudá-la? Ela se mexia tão levemente, murmurava baixinho algumas palavras que não compreendia. Por sorte, a mansão já não estava tão distante. — Como uma garota como você, veio parar nesse lugar? — ela volta a murmurar, me apertando forte, sentia medo, mas não era meu, era dela. — Calma, não vou fazer-te m*l. Era uma promessa que eu não iria cumprir, talvez ela me sirva de alguma coisa afinal.... (…) Fodshan (Cheshire), 27 de Junho de 1978 Fecho os meus olhos, saboreando as sensações que ele despertava em mim, o meu corpo está tão relaxado, será que eu morri? Por isso estou me sentindo tão bem pensando nele? E quem seria ele? Não sabia, apenas via um par de mar azuis revoltosos, agitados tal como haviam deixado o meu corpo à segundos atrás. Perdi o sorriso tão rápido quanto veio no momento em que o senti me levantar daquele chão barroso. Quem era aquele homem? — minha mente questiona ao despertar. Constatei que estava no meu quarto, e só despertei, pelo facto da luz solar insistir forte sobre todo o cômodo, levantei-me repentinamente, aquele pequeno gesto me fez gemer de dor, trazendo a tona lembranças do dia anterior. Memórias, elas são tão imprevisíveis como os arco íris, vêm e vão de forma irregular. Tenho em mente, a imagem de um homem que teima em sair da minha cabeça, não lembro o seu rosto, porque foi impossível ver as suas feições, mas lembro que estava escuro, a Maddie correu pra mansão e eu terminei caída, segundo depois fui iluminada por uns poderosos olhos azuis que cintilavam, parecia um anjo da morte, pensei que estivesse lá pra me levar. — Oh por favor Senhor, que eu esteja no céu, afinal eu sempre fui uma boa garota. — murmuro, colocando as mãos no olhos me sentando novamente na cama com as costas retas, me inclinei para encostar a cabeça novamente nas almofadas, e volto a sentir a dor na perna. — Não é possível que esteja no céu e ainda sentir dor! — reclamo irritada. Nesse mesmo instante, Madelinne irrompeu o meu quarto eufórica, veio logo se jogar nos meus braços. — Nia... Oh minha Nia, você está bem! Eu pensei que o corvo pegou você... — esqueço sempre que ela é a rainha do drama, mas sabia que a sua preocupação densa era genuína, quase que podia ver flutuando no ar. — O quê? — pergunto confusa. Não lembrava de ter visto um corvo, sequer sabia que existiam corvos nessas bandas. — O homem, vestido de preto... — tinha o rosto num total ponto de interrogação, sem saber do que ou de quem ela estava falando. — Ele parecia um corvo Nia. O homem alto, vestido de n***o que veio correndo atrás de nós!! — diz um pouco irritada. — Oohhh Maddie... — falo e volto a abraçá-la. — Evidentemente ele não fez nada com nenhuma das duas. — Ontem quando chegou, tinha a perna machucada. — murmura se levantando. — Eu acho que ele tentou comer você e como você estava viva.... — começou cantarolando, ela era de uma pureza gostosa contagiante, pegou na minha mão me levantando e começamos a rodopiar, ignorei a dor que sentia, ela estava bem e feliz. — Apareceu um príncipe encantado e salvou você do Corvo! — parei, ela parou junto. — O que foi Nia? — Não sei meu amor, não consigo me lembrar como vim pra casa ontem... — Isso eu posso responder. — Ella responde na porta, era governanta da mansão. Não tínhamos muito contacto pois Thomas detestava essa coisa de empregados serem amigos. Claro que fora da mansão Ella era um doce de pessoa, mas em casa era profissionalíssima então não falávamos, cada um fazia o que lhe competia. Era uma senhora baixinha, rechonchuda e linda, usava sempre roupas pretas e mantinha um ar severo, o marido morrera na guerra, desde então ela só usa preto. — Encontramos a Srta Malika desacordada no alpendre, com um ferimento na perna, mas havia um trapo preto cobrindo o corte. Quem quer que a tenha socorrido, teve o cuidado de tentar estancar a ferida. — fala séria, eu solto as mãos de Maddie adoptando uma postura mais formal. — Foi bem feito pra Srta. ter se machucado! Cometeu uma imprudência em sair com a menina Madelinne, a menina sabe que não deve sequer sair da propriedade... — tive três foco de distração que não consegui continuar à ouvi-la, um era Maddie que cantarolava fantasiando, outro era que Ella ia reportar tudo, absolutamente tudo ao Thomas isso incluía a nossa saída arriscada de ontem, e por último, mas não menos importante, só Deus sabia onde estava a minha mente, e se Madre Aurora estivesse entre nós... estaria rezando não sei quantos Pai Nosso, e umas trezentas Ave Maria. Senti vergonha das obscenidades que passavam pela minha mente, por isso baixei os olhos. — Adoptar uma postura de arrependimento não irá livra-lá do julgamento do Duque! — Ele não é o Duque! — respondo baixinho. — Ainda tem a audácia de me contrariar! — Não estou contrariando Ella. O Sr. Thomas, não é Duque de Northumberland, pode um dia, quiçá se Deus quiser, vir a ser Duque de Cumberland. Mas de Northumberland ele não é! — Srta. Nihara! — fala furiosa com os olhos arregalados intercalando os mesmos entre eu e Maddie. O seu irmão estava vivo, porquê continuavam tratando das coisas como se ele estivesse morto ou a beira da morte? — Oohh — reviro os olhos. Me volto pra Madelinne. — Tudo bem! Desculpa Maddie, o seu pai é o Duque. — Ultimamente a Srta. tem andado muito exagerada. Espero que o incidente de ontem a faça refletir, pois está de castigo! — não podia crê no que estava ouvindo. — Irá refletir sobre as suas excentricidades!! — A Ella não pode me colocar de castigo! — Eu só não posso, como irei fazê-lo. Alem da Srta. precisar descansar, precisa refletir sobre o que fez ontem. Não quero saber com quem andou se metendo, e para que as coisas não cheguem aos patrões, estou fazendo isso para o seu próprio bem! — se Thomas souber como foi que Maddie voltou pra casa, certamente mandaria acabar com a minha vida, essa que nunca valeu nada pra ninguém. — Me fiz compreender? — Sim Senhora. — respondo com a cabeça baixada, derrotada. — Isso significa que não terei aulas enquanto a Nia estiver de castigo? — pergunta uma Maddie esperançosa. — Traidora! — murmuro, era pra ninguém ter ouvido, porém ao olhar pra Ella, vi um sorriso se formar que quando ela notou os meus olhos sobre si, trancou novamente o rosto. — Que disparate!! A menina também está de castigo. As duas continuarão com as aulas mas serão aqui. — Maddie resmunga e vai se sentar emburrada, ao menos teríamos a companhia uma da outra. — Precisa me prometer que quando a aula terminar não irá sair do seu quarto. Do contrário, irá me obrigar a deixá-la trancada. — fala pra mim. — Prometo que não sairei desse quarto enquanto a Senhora não autorizar. — isso é uma estupidez! — Ótimo! Agora venham as duas tomar o café.
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