Cap 2

2447 Words
Lívia Meu nome é Lívia, tenho vinte e um anos, mulata, da cor do pecado, com olhos castanhos e cabelos encaracolados, muita abençoada pelo cara lá de cima e hoje eu vou contar como que meu contos de fadas simplesmente desmoronou de um dia para o outro literalmente. Um dia, eu dormi sendo a princesinha do papai e no outro, acordei sendo a prometida de um empresário de meia idade, desejado por muitas mulheres por conta, principalmente do seu dinheiro Eu cresci achando que o mundo era meu, que eu podia fazer qualquer coisa que eu quisesse, era só eu me esforçar para isso, lutar para alcançar os meus sonhos. A culpa não foi minha, meus pais sempre me fizeram viver assim, tendo tudo na minha mão, me fazendo ficar no topo do mundo, ainda mais sendo filha única e mais ainda fazendo parte de uma família importante na elite de São Paulo Não digo que era a mais importante porque, a única coisa que tive certeza enquanto crescia, era que esse meio, as pessoas faziam tudo para ter uma posição elevada no meio de tantas pessoas com posições elevadas. Nesse jogo só ficava mesmo quem sabia jogar, quem sabia puxar o saco quando fosse preciso, dar rasteira em qualquer outro momento e punir, punir com gosto quando as coisas não saíam como o planejado, mas enfim, eu sabia que a nossa posição também não era das mais baixas Eu vivi nessa ilusão até acabar a minha faculdade, o curso que eu escolhi com tanto carinho e que achava mesmo que ia seguir na minha carreira. A minha vida era me perder em tecido, olhar as curvas das mulheres, os panos que cobriam os seus corpos e imaginar o quanto eu podia melhorar, as roupas que eu podia inventar, que eu era capaz de valorizar a silhueta de cada uma das mulheres do mundo só com a minha criatividade na hora de moldar uma roupa. Por isso o curso de moda, eu queria mudar o mundo com as minhas criações, com o meu jogo de cores costurados em forma de roupa E eu estava feliz, ansiosa pela minha colação de grau, vivendo aquele momento na maior intensidade porque era isso que eu queria, eu sonhava em acabar aquela coisa formal e percorrer o mundo, mudando-o, ressignificando as passarelas e as ruas Mas naquela mesma noite, num dia quente de final de mês de janeiro que eu também recebi a notícia que me faria descobrir que o mundo não era aquele contos de fadas que eu vivia, eu só tinha passado o meu tempo só esperando o momento certo para me tornar não a profissional que estava na minha mente, mas apenas a senhora Damasceno, mulher de classe, da elite, que sabia receber pessoas da alta sociedade, organizar eventos de caridade, deixar o sobrenome em evidência, garantir influência e acima de tudo, não deixar a família que me criou desamparada O meu casamento já estava marcado, e não era com o filho engomadinho, gostos e cheiroso de um magnata não, eu estava prometida exatamente para o magnata de meia idade que estava super a fim de desfilar com o seu novo brinquedo pelas festas vips de São Paulo sem se importar se as pessoas estavam dizendo que aquilo tudo era mantido na base do Viagra Eu até tentei compreender sabe, tentei descobrir se aquela atitude era uma reação desesperada da minha família por conta de uma falência repentina e que a gente não conseguiu deixar longe, mas não, a situação não era essa Vinte e um anos, essa é a minha idade, o mesmo tanto de tempo em que esse compromisso foi marcado, porque isso aconteceu desde que eu estava ainda no ventre, sem entender de nada, sem saber que a minha família se importava mais com status do que a felicidade da própria filha Lívia – Mas eu acabei de me formar, eu quero viver a minha vida, trabalhar, mostrar para todo mundo que eu consigo papai Alex – Você não precisa disso, aliás, não nasceu para isso, você agora vai ser uma Damasceno, só o seu nome te faz conquistar o mundo, não precisa desse trabalho todo não Lívia – O senhor não entende, eu não quero ser reduzida à mulher de um velho babaca que sabe que ninguém vai querer ele por amor e tem que obrigar uma garota cheia de vida a ficar do seu lado em troca de dinheiro Alex – olha bem para minha cara Lívia, vê se eu estou mesmo me importando com isso. Se ele não quer ter o trabalho de ficar pulando de galho em galho só para escolher uma mulher que seja digna de receber o seu sobrenome, o problema é dele e se eu quis fazer esse acordo, considerando toda a nossa história e o que a gente pode ganhar com tudo isso, o problema é meu. Você é minha filha, aquela que eu dediquei mais de vinte anos da minha vida só para te oferecer o melhor, nada mais justo que você me retribua não é mesmo Lívia – Retribuição? É sério? Isso não é retribuição papai, é uma forma eficiente de acabar com a minha vida. Eu não quero me casar com ele e não vou fazer essa loucura Alex – Você não tem de querer, o casamento está marcado para o próximo mês e já está tudo preparado, vestido, cardápio, decoração, tudo. Não se atreva a achar que só porque é minha filha tem o direito de me fazer passar essa vergonha porque você não tem. Eu não vou hesitar em te fazer pagar se por algum descuido do destino você quiser fazer graça. Escuta bem Lívia, eu mando e você obedece e nada mais, eu investi muito em você para que as coisas não acontecessem do jeito que eu planejei, então é melhor você não me testar No meio daquela discussão eu parei para pensar, acho que eu não sabia o que era decepção até aquele momento. Quando eu recebi a notícia de que estava com o meu casamento marcado com uma pessoa que nunca tinha visto na vida e tudo por conta do poder que ele carregava no sobrenome, achava que estava sendo um brinquedo que poda ser jogado de um lado para outro só ali, naquela única situação, mas não. O tom de voz do meu pai, o jeito que ele me dizia cada palavra, a expressão de raiva no seu rosto, tudo aquilo me mostrou que a minha vida foi toda uma mentira, como se eu fosse uma boneca vivendo em sua casa de brinquedos, que tudo tinha um objetivo sabe, cada agrado, cada sorriso, cada cafuné na minha cabeça, tinha o objetivo de me deixar parada, como uma boa menina, só aceitando aquilo que os meus pais ofereciam, só esperando esse dia chegar O meu mundo realmente foi destruído naquele dia, meu pai não era a melhor pessoa para mim, ele simplesmente era o meu exemplo do que eu queria quando fosse formar uma família, o exemplo do tipo de homem que iria aceitar para ficar do meu lado, ele era meu herói e com certeza, na minha mente, eu nunca aceitaria qualquer homem que fosse menos do que aquele grande homem que tinha me ensinado a dar os meus primeiros passos, a me levantar quando alguma coisa me fazia cair, a limpar as minhas lágrimas e tentar de novo quando eu pensava em desistir, só que ali, na minha frente, toda a imagem que eu tinha formado de pai tinha sumido, eu não tinha mais aquele meu exemplo para cuidar de mim Só que que meus pais não contavam com um pequeno detalhe, um que poderia se tornar a pedra no sapato colocado pela própria filha. Infelizmente, para eles, eu não era aquela menininha boba que aceitava os gritos e ficava quieta. Eu podia até ficar, mas era só para esconder as palavras e demonstrar nas ações. Se tinha uma coisa que meus pais tinham me ensinado muito bem, era analisar toda a situação, pensar friamente, mesmo que doesse, só para tomar à medida que mais seria favorável a mim e a ninguém mais, era uma das características do meu ser mimado e eles nem podiam reclamar disso já que sou a cobra criada por eles mesmo. Nunca que eu ia aceitar me casar daquela forma, nunca que eu ia aceitar me diminuir desse jeito só para manter o status da minha família, eu preferia fazer uma loucura E fiz, quando no meio da noite eu peguei não só as minhas economias, mas todas as joias que ganhei sem motivo nenhuma, mas que sabia que tinha algum valor, arrumei as minhas malas, coloquei uma roupa que me desvalorizava totalmente e parti sem rumo, para qualquer lugar que não me fizesse lembrar da minha vida, qualquer um Eu nem sei como, mas consegui chegar no terminal rodoviário e era isso mesmo que eu queria, porque na minha mente sem muito conhecimento nessa coisa toda de fuga, achei que seria mais difícil que meu pai achasse a minha identificação no meio de toda aquela lista de nomes desconhecidos Eu até que me lembro do carinha no guichê me pedir confirmação sobre o meu destino “Rio de Janeiro?”, mas é só isso mesmo, depois, a imagem que eu tenho na mente se reduzia a entrar no ônibus, me sentar na poltrona marcada, descansar a minha cabeça no vidro e tentar esconder as minhas lágrimas, sem sucesso é lógico, ainda mais dentro de um ônibus, onde todo mundo repara em todo mundo Laura – Está tudo bem contigo? Em algum momento aquela senhora tinha se sentado do meu lado, mas eu estava tão ocupada voltando os meus pensamentos que nem percebi a sua presença. Eu chamava de senhora, mas era mais por educação mesmo porque, pelo que me parecia, ela estava na casa dos cinquenta, mas passava no sossego por uma bela de uma quarentona Laura – Eu perguntei se está tudo bem contigo Lívia – Ah sim, desculpa, não, não está nada bem Laura – Sei, e está indo para onde? Lívia – Não sei... Laura – Como assim “não sei”? Cê teve o trabalho de pegar um ônibus, que no caso está indo para outro estado por que eu peguei no mesmo lugar que tu e agora não sabe para onde tá indo? Gastou dinheiro à toa foi? Lívia – Eu só não quero voltar de onde eu vim, só isso, não me importa para onde eu vou Laura – Entendi... então tu nem tem onde ficar, é isso? Lívia – exatamente isso Eu percebia que ela me olhava intrigada, mas eu estava muito mais interessada com a paisagem escura da janela, por isso respondia mais no modo aéreo mesmo Laura – Dorme menina, quem sabe no final do caminho tu não encontre uma resposta E foi isso que eu fiz, com gosto, deixei o meu corpo se acomodar no banco e nem vi a noite passar, eu estava cansada e nem percebi o quanto, na verdade, até me incomodei como cutucão da mulher, já com o dia claro, quando o ônibus parou no nosso ponto. Eu queria ficar mais tempo dormindo, sem ter que enfrentar o mundo de novo daquele jeito, sem nada nas mãos Laura – Que ir comigo? Lívia – Contigo? Mas a senhora nem me conhece, e se eu for uma ladra ou assassina ou qualquer coisa de ruim Laura – Com esse teu jeito aí, sinto lhe informar que é melhor trocar de profissão ou voltar a ser a menina chorona de dentro ônibus Lógico que quem estava com medo era eu, isso passava longe da mulher, mas por incrível que apreça eu só fiz seguir o caminho com ela, eu já estava ferrada mesmo, o que podia acontecer de pior? Laura – eu nem sei o porquê que estou fazendo isso contigo, só sei que estou, então, vô te levar para minha casa e depois a gente vê o que faz Lívia – Nossa, muito obrigada viu, assim, a senhora mora onde? Laura – No Santa Marta, conhece? Lívia – Conheço, lógico que eu conheço Lógico que não né, Santa Marta... me dizer aquele nome foi a mesma coisa de me perguntar o que eu ia fazer da minha vida e acho que a mulher percebeu isso, porque me deu um sorrisinho de canto de boca, segurou a minha mão e me guiou até um Uber Laura – Só não te assusta está, eu moro na favela, mas sou gente de bem Favela? Foi isso mesmo que eu escutei? É, acho que sim e apesar do medo ou receio ou de qualquer coisa que pensava sobre uma favela, eu fui com a mulher e fui sem ressalvas sabe, e tudo por causa dela, porque no meu momento de perdição, a pessoa mais improvável tinha me estendido a mão Motorista – A gente chego dona Laura – Está bom meu filho Como assim a gente tinha chegado? Aquilo era a entrada do morro, pelo menos era o que parecia, a gente não tinha chegado de jeito nenhum, ainda faltava um caminhozinho para os nossos pés Lívia – A casa da senhora é aqui perto? Laura – Né não, mas meu sobrinho já está vindo com o amigo dele buscar a gente, ele é motoboy sabe, esses garotos que faz viagem de moto no morro Lívia – Sei... Sabia nada, mas o que eu podia dizer, aquela era a minha nova vida, a que eu não sabia viver, mas ia aprender. Não demorou muito para dois garotos aparecerem, sem capacete, muito alegres, acho que era por causa da mulher, só que o sorriso deles morreu quando um grupo de três garotos mais novos se aproximou O sorriso dele morreu e eu me tranquei inteira quando vi umas armas que nem sabia o nome pendurada nas costas deles na base da correia Menor – Ô tia, não leva a m*l não, mas o chefe quer bater um léro contigo ante de tu subi, contigo e com a tua visita aí Ela não demonstrou nem um pouco de medo, ao contrário de mim que nem estava conseguindo disfarçar a bateção das minhas pernas, ela só fez bufar Laura – Relaxa menina, foi só que eu não avisei que ia te trazer para cá, aqui não nada desorganizado sabe, visita sempre tem que estar no aviso prévio “Relaxa”, era muito fácil para ela falar, mas para mim, Gzuis, mesmo assim eu não deixei de desconfiar na mulher, quem era ela? Será que eu tinha encontrado o meu anjo na terra?
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