Ventania
Meu nome é Bruno, tenho vinte sete anos e minha história de vida, de como eu virei o dono do morro Santa Marta não é muito diferente dos outros caras não, aqueles que são tudo herdeiros de morro, mas eu queria que fosse sabe, eu bem queria que fosse, pelo menos assim eu não ia experimenta essa dor louca que carrego dentro do peito não só porque eu não consegui sê o que eu queria de verdade, mas porque perdi a única mulher que consegui chama de amor da minha vida, mas belê, vida que segue
Dizem que o sofrimento transforma as pessoas, faz com que elas deixem de acreditar nas coisas do alto e só olhe para o próprio umbigo, que elas deixem de ter esperança, de sonhar...
Não era isso que eu acreditava não mermão, porque todos os meus tinha se tornado realidade, só não aquele de ser o melhor dos melhores dentro de um campo profissional de futebol, aquele de participar do clássico Fla Flu dentro da arena do Maracanã, esse aí eu tive que adiar por tempo indeterminado, aquele que nunca mais vai acontecer
Eu achava que isso tudo era história da carochinha, que não tinha sofrimento suficiente que conseguia mudar uma pessoa na essência não, que no caso, aquilo que ela mostrava para o mundo, era o que estava guardado lá no fundo, que dava escondido e que se ela ainda não tivesse trazido para fora, era porque a eficiência e o autocontrole falavam mais auto na hora de viver a vida na base da mentira
Mas eu só achava mermo, de verdade, até o momento que a vida decidiu me fazer aprender na base da dor depois de me dá o verdadeiro amor. O meu coração estava quebrado, eu achava até que nem tinha mais um coração, só um pedaço de pedra no meio do peito que de alguma forma tinha conseguido furar a minha pele e estacionado no lugar do coração
Eu cresci na felicidade, tanto que não sabia o que era dor, nem mesmo sendo o filho do dono do morro, nem estando no meio de uma briga louca, poque é isso que acontece quando se faz parte de família cabeça, daquelas de topo, o inimigo não pensa duas vezes antes de fazer da prole o exemplo para o restando dos envolvidos, e nem assim eu sabia que podia existir uma dor tão grande, capaz de até me fazer duvidar se a vida realmente valia a pena
Eu tinha sonhos... cara, se existisse uma pessoa nessa vida que sabia sonhar, esse era eu e eu descobri isso quando, lá com os meus seis anos de idade, eu parei o meu olhar em uma menina de pele branca e com cabelo escuro, foi exatamente ali, olhando para ela, que aprendi
Seu nome era Camile, e ela era uma mistura de furacão com calmaria, determinação e dengo, tudo junto numa pessoa só, num toco de gente. Vê se pode, um garoto de seis anos de idade achar que tinha encontrado o seu amor para a vida inteira, mas eu achei e não pude evitar de pensar exatamente assim
A Camile era filha de um grande amigo do meu pai, um que eu só conheci com essa idade e que tinha cara de assustado, disso eu me lembro, só não sei ao certo do nome dele porque todo mundo o chamava de treze. Conforme a gente foi crescendo eu vi mais que significado naquele apelido lá, o homem era loucão moleque, nem parecia que tinha uma filha em tão perfeito estado, linda, todinha linda. Já a mãe dela eu não conheci não, quando eles vieram para o morro ou voltara, sei lá, a mãe dela não veio no pacote, só os dois mermo, uma família pequena
A amizade entre eles era forte pra carai, coisa de mano mermo, coisa de guardar lugar nos pranauês só para uma só pessoa, no caso, para o treze e isso foi bom, porque assim, desse jeitinho eu tive o meu tempo total com a Camile porque com falta de mulher na sua casa, quem acabava cuidando dela era a Linda, a primeira mulher que tinha ganhado o meu coração, a minha mãe
Eu me lembro do seu primeiro dia na escola, aquele em que os retardados daqueles meninos quiseram marcar território e fazer da Camile o motivo de chacota, eu me lembro de sentir, pela primeira vez, o meu coração doer quando vi as lágrimas escorrendo no seu rosto e marcando um linha de cima a baixo por conta da marca de terra porque a menina adorava se sujar no parquinho da escola, eu me lembro de preferir passar fome na hora do intervalo todas as vezes que percebia que aquela menininha furacão tinha se esquecido de pegar o seu lanche em cima da mesa da cozinha e eu mais que de depressa oferecia o meu
Me lembro de, conforme os anos foram passando e a gente chegou no ensino fundamental, perceber que a Camile tinha tanta dificuldade em matemática quanto eu, e de mês esforçar para aprender só para ter mais tempo com ela depois que eu me gabei que sabia a matéria toda e podia ensinar a minha menina nas horas vagas... só pretexto para ficar mais um tempinho com ela
Me lembro do seu dengo quando me dizia que estava cansada, que só queria tirar uma sonequinha depois do almoço e depois se acabar de assistir seus desenhos favoritos enquanto em insistia para que ela ficasse comigo e só comigo
A Camille foi o meu primeiro amor desde o primeiro dia em que eu a via, mas não tive coragem de dizer logo de cara, só sabia demonstrar, querer ficar perto, dizer sem palavras o quanto ela fazia a diferença no coração de um menino mimado que estava sendo preparado para ser o dono do morro Santa Marta
No meu aniversário de oito anos eu descobri o que era coragem e foi por causa da minha menina. Eu fiquei dias me preparando para aquela ocasião especial, uns dois eu acho, mas para a minha ansiedade, foi mais que uma vida inteira. Meu pai não tinha o costume de ficar fazendo festa para que eu pudesse ficar fazendo graça com os meus amigos trazendo eles para dentro da nossa goma, mermo porque, amigo era o que eu menos tinha, só que ele gostava de fazer churrasco, com pagode rolando solto e piscina a lá vontè, isso para as crianças, quando fazia pros adultos, o negócio tinha o patamar elevado e crianças que eu digo, era a Camile e eu
Naquele dia, eu a vi chegando com um embrulho com desenho de carrinho, toda envergonhada e tentando se justificar que quem tinha embrulhado meu presente tinha sido a mulher da loja e que ela não conseguiu mudar o papel, mas que era para eu prestar a atenção só no que tinha dentro por que sabia que eu ia gostar
Pensa moleque, a bichinha com sete anos de idade, me conhecendo melhor do que qualquer e na preocupação de que eu ia reparar naquele monte de carrinho, eu estava ela feliz demais em ver aquele sorriso até para abrir o meu presente, ela teve que me cutucar pra mim poder fazer isso
Uma bola, p***a e de capotão, profissional mermo, uma daquelas que eu me acabava de pedir para o meu pai, mas que ele achava que era coisa simples demais para o filho dele, que celular, Playstation ou o carai a quatro era mais de presença, mermo que aquela simples bola significasse muito mais para mim, mais do que ele podia imaginar
Eu ia sê um jogador de futebol, daqueles tipo Pelé, de chamar a atenção aonde quer que fosse, de sê disputado por clube atrás de clube, até esses fodão internacional, eu ia sê o melhor dos melhores porque eu bom mermo, dava carrinho, bicicleta, dribles geniais, eu sabia me transformar dentro daquele chão batido que o pessoal da comunidade chamava de campinho, eu sabia fazer gol espetacular no meio de marmanjo, eu sabia sonhar dentro do mundo da bola e a Camile viu isso, acreditou nisso tanto quanto eu
Eu me lembro de não conseguir segurar a minha felicidade dentro do peito e sorte era que todo mundo estava ocupado discutindo o tanto que a cerveja colocada na geladeira não estava tão gelada quanto eles queriam, porque sem pensa duas vezes, eu parti para o meu primeiro beijo
A minha menina furacão só ficou lá, parada, recebendo aquilo que eu queria dar, eu? Eu gostei de uma sensação estranha no meu corpo, uma coisa molhada na minha boca e um calafrio como se tivesse visto fantasma correu da ponta do meus pés até o topo da minha cabeça. Coisa de criança achar tudo aquilo estranho, de fugir do que, quando se é adulto a gente mais que procura, de querer desgrudar o meu lábio do dela só por causa do incômodo de não conseguir parar de babar ao invés de demonstrar de verdade a minha felicidade, mas ela continuou lá e me deu o seu sorriso maroto assim que eu consegui me afastar
A partir daquele dia, a Camile era minha, com sete anos de idade, com quinze, com vinte. Ela cresceu do meu lado, junto comigo, dentro do meu coração e fora dele também, o meu amor de criança se transformou em eterno e tinha o nome dela
Sabe aquelas mina de morro, aquelas que pegam uma pedaço de toalha de mesa da mãe, colocam por cima do corpo, tapando um lado e destapando o outro e acham que está mais do que bela, em condições até de disputar com uma Adriana Lima no meio de uma passarela? Pois é, a Cah não era assim não, ela gostava de camiseta larga, daquelas que tinha o Pluto na frente, ou outro personagem de desenho, menos princesa, ela não gostava muito de princesa não, mas era assim que a minha menina se vestia, roupa um pouco larga, all star no pé e sempre com o seu cabelo ondulado relando na cintura, sentindo o vento balançar de um lado a outro
Ela era diferente e eu gostava disso, menina colada em mim, a extensão do meu corpo, do meu pensamento, eu nem precisava dizer as coisas até o finalmente porque ela sempre sabia onde era o ponto final na sua mente. Conforme a gente foi crescendo, que zé povinho foi vendo que a minha namoradinha de criança foi feita para sê a minha fiel de vida inteira, que a gente não conseguia se desgrudar para nada, o que eu sentia por ela foi crescendo na mesma medida, tanto que eu nem conseguia chamar mais de amor, era uma coisa muito maior que isso, um sentimento que chegava a machucar o meu peito, era intenso, real, doloroso e grande de um jeito que eu não conseguia explicar
De manhã ela era o meu primeiro pensamento, de noite ela era o último e isso depois de passar o dia inteiro do meu lado, me incentivando naquilo que eu queria sê. Cê acha, sê dono de morro nunca teve nos meus planos, mermo meu pai querendo me passa o legado, mermo me treinando para valer, me fazendo ver coisas que até o d***o duvidava sê possível, mermo ele tendo na mente que para mim não tinha outra opção, muito menos sê jogador de futebol, mas pra ela sim, pra Camile eu tinha o mundo inteiro
O sonho dela era mais simples, daquele que só envolvia eu, ela, dois filhos e um cachorro... ela me dizia que, contanto que eu conseguisse as minhas coisas, que ela estivesse ali para ver tudo aquilo, ela ia estar feliz, bem mais simples...
Só que a p***a da vida me escolheu para aprender com a dor e todos os dias eu me perguntava o porquê tinha que sê eu, o porquê eu tinha que ser tão feliz só para depois caí do meio do penhasco sem ter a mão da Camile para me puxa pra cima
Tão simples carai... um vestido branco, sem aquelas coisas de pano se arrastando todo pelo chão, só um vestido mais soltinho do corpo mermo, uma coroa de flores, fina na sua cabeça, segurando um pano todo furadinho que ela chamou de véu, um buquê com um monte de flores dessas que a gente passa na estrada, vai catando e juntando, esse era o sonho dela que eu fiz questão de realiza
Eu vi a felicidade no rosto da minha menina, vi o rosto se iluminando só por causa de um papel assinado, eu a vi vivendo o sonho dela e agradecendo aos céus todas as manhãs porque tinha se tornado a mulher mais feliz de todo mundo e tudo do meu lado. Mas aquilo não foi nada perto da luz que eu vi quando apareceu, numa fitinha azul e branca, um risquinho a mais que ela chamou de positivo, e também nada quando ela sentiu o primeiro chute dentro da barriga e aquele remelexo que eu duvidava com força sê uma coisa normal, a barriga dela se transformava em bola quando o meu guri dava um de jogador naquele espaço tão pequena, e aquela luz nem se comparou a que tomou todo o quarto no dia em que, no meio da dor de quebra ossos, ela trouxe o meu menino pro mundo
Tudo por causa da minha Camile porque só ela tinha o poder de transformar a minha ventania em brisa suave
Mas como eu disse, eu aprendi na dor e foi quando o meu guri completou três anos, naquele mermo dia em que a gente descobriu que estava abrindo passagem para minha princesa vir para o mundo e meter o seu desfile que também veio a notícia de que ela abrigava, no mermo corpinho a p***a de um linfoma
Foi naquele dia que eu me esqueci de gostei da minha felicidade e comecei a quebrar, devagarinho, de caquinho em caquinho. Foi tudo tão rápido... a fraqueza, a perda de apetite, todas aquelas tonturas e desmaios, a correria para não deixar o meu guri vê, mas a determinação estava ali, ela nunca que quis colocar a vida da nossa cria em risco, aquela que estava na sua barriga, a da minha princesinha, por isso evitou muito remédio
Podia ter sido tudo diferente, eu podia estar sim com a minha mulher do meu lado, gostando das minhas crias, mimando todo mundo e me reconhecendo na frente do espelho. Podia ter sido tudo diferente, mas a vida decidiu assim, foi ela que levou a minha Camile depois de quinze meses de luta, foi ela que fez os meu filhos saírem cópia exata da minha mulher, principalmente a minha princesa, foi ela que me trouxe essa dor que eu não consigo adormecer, só acalmar e isso quando me acabo de ferrar com a vida dos nóia que insistem em me testar, foi a vida que me deixou quebrado em cacos e sem forças pra eu poder até ninar os meus filhos
Eu não tenho mais forças para olhar nos seus olhinhos inocentes, eu não tenho mais forças para reconhecer a minha Camile naqueles corpinhos pequenos, eu não tenho mais forças para me perder nas minhas crias como eu fazia quando a minha menina furacão estava do meu lado, caminhando comigo, sendo a minha completa felicidade
Agora eu só sei me acabar no mundo e trazer o pesadelo pros cuzão que quer meter o louco para cima de mim, agora eu sei sê perfeitamente aquilo que meu pai se empenhou tanto para que eu aprendesse, mermo eu insistindo que não, mermo querendo sê aquele jogador de futebol, agora sim eu sei sê Ventania, sem me prender, sem pensa nas consequência, eu sei passa na vida de neguim, arrasar geral e me esquecer de que existe brisa