As lágrimas de Lisa

1923 Words
— Só por curiosidade, você já cuidou de alguém? E sabe cozinhar? — MB perguntou notando que talvez a enfermeira não seja qualificada para a função. — Quando era mais nova cuidei de um gatinho que apareceu lá em casa escondido da Verônica e do Vitor. — Ruby respondeu pensativa, MB ficou um pouco aliviado ao saber disso — Mas por alguma razão, ele acabou morrendo, no fim, tive que contar sobre o gatinho, levei uma bronca terrível. — Tu não conseguiu cuidar de um gato? Esquece. E como você aprendeu a cozinhar? — MB estava analisando quão arriscado seria deixar Ruby cuidar dele. — Nunca cozinhei, mas não deve ser difícil. Tem YouTube para isso. Só preciso seguir as instruções. Como pode dar errado? E não é como se você tivesse muita escolha, não é? Não pode levantar daí e nem chamar ninguém. Se eu fosse você ficava calado e parava com o deboche, antes que eu coloque uma meia suja na sua boca. — Ruby respondeu já na cozinha, apontando a faca sem perceber em direção de MB. — Agora entendo o que aconteceu com o gato. — MB sussurrou baixinho para ele mesmo. Não queria correr o risco de irritar Ruby. Já havia sentido a fúria delas uma vez. Ruby seguiu os conselhos de Muriel, decidiu preparar uma espécie de sopa, afinal, MB deveria comer algo de fácil digestão, seu corpo ainda estava fragilizado com tudo que aconteceu. Para conseguir preparar a comida, Ruby buscou o vídeo no YouTube de uma sopa, colocou o celular na bancada e passou a obedecer as instruções. Em alguns momentos, por falta do material indicado na receita, ela colocava um substituto que, aos seus olhos, cumpria o mesmo papel. — Quanto drama. Nem foi tão difícil. — Ruby sorriu satisfeita ao tirar a sopa do fogão. Procurou por uma cuba ou prato fundo, mas não encontrou nada. Sem opções, ela decidiu colocar a sopa em uma xícara. — Isso deve servir. MB olhou confuso para Ruby que se aproximava dele com uma xícara. Ele tinha visto ela cortando tomates e cebolas, não esperava receber café ou chá. — Toma. Precisa de uma colher? — Ruby entregou a xícara e sentou ao seu lado. — Porque eu... — MB só entendeu o que estava acontecendo quando viu um líquido marrom borbulhando na xícara — Sopa em uma caneca? — Quem manda não ter nada dentro de casa. Parece que ninguém mora aqui. Acho que em apartamentos abandonados eu encontro mais coisas do que aqui. — Ruby reclamou. Não havia achado lençóis, toalhas e apenas uma panela. O conteúdo da geladeira e dos armários não eram dos melhores também. — Entendi. Muito obrigada. Eu sei que você fez o que pode. — MB agradeceu tomando a sopa que mais parecia uma poção de bruxa ou veneno. Ruby deixou um pouco na panela para ela também comer, afinal, fazia algumas horas que não comia absolutamente nada. Quando ela viu MB tomando na própria xícara, sem fazer careta, se sentiu aliviada e tomou um pouco. Na primeira colherada que deu, sentiu o amargor misturado com o sabor do sal em excesso. Sequer conseguiu engolir, cuspiu tudo na mesma hora. Em um movimento rápido, tomou a sopa das mãos de MB, mas ele já havia tomado tudo. — Você enlouqueceu? Sua língua quebrou por conta da febre? Como conseguiu tomar algo assim? Isso está tão r**m que pode matar alguém. Acho que você não tem amor à vida. — Ruby perguntou levantando para jogar tudo aquilo fora. — Não há razão para preocupação. Eu sou imune a uma variedade enorme de venenos. Tinha que ser algo muito raro para conseguir me derrubar. Quando eu era pequeno, minha mãe me fazia constantemente ingerir um pouco de veneno para criar imunidade. No início, foi bem difícil, mas depois o corpo se acostumou e nem febre eu sentia mais. — MB tentou explicar, mas acabou deixando Ruby ainda mais irritada. — Espera! Você acabou de dizer que minha comida e veneno são a mesma coisa? E ainda assim, está se forçando a tomar? Eu deveria mesmo ter colocado um pouco de veneno de rato. Fraco como está, tenho certeza que seu corpo não aguentaria. — Ruby sabia que a comida não estava boa, mas não esperava um insulto daquele, mas sim, uma mentira para fazer ela se sentir melhor. — Tanto faz. Eu preciso ir em casa de todo jeito pegar algumas roupas e itens de higiene pessoal. Lisa sempre faz uma ruma de comida, aproveito para pegar algumas . Vou trazer algumas para cá. No caminho, compro uma sopa. Ruby disse antes de vestir uma calça de moletom de MB que ela havia encontrado enquanto buscava por lençóis e mais roupas para conseguir vestir algo. MB apenas olhou em silêncio enquanto ela trocava de roupa. — Não se preocupe. Não vou demorar. A casa é perto. Por favor, não tente se mexer. Também vou arrumar alguém para ajeitar essa porta. Por enquanto, vou fechar ela com ajuda de um pano. — Ruby explicou antes de ir em direção à porta. — Ah! Vou levar a chave. Assim posso entrar usando a TAG. — Se cuide. — MB sussurrou, mas Ruby não ouviu estava descendo as escadas já. Ruby caminhou devagar até em casa. Seu corpo estava cansado por ficar a madrugada observando e cuidando de MB, mas sentia qualquer arrependimento por isso, ela sequer sabia que sentimento era aquele, mas prefiriu nomear ele se retribuição. Como era ligeiramente perto um prédio do outro, Ruby logo chegou em casa. Abriu a porta animada com a ideia de tomar um banho direito, mas foi surpreendida com Lisa chorando sozinha sentada no sofá. — Lisa! Meu Deus! O que aconteceu? — Ruby pensou em duas opções. A primeira: Lisa e Muriel tinham tido problemas para avançarem a relação delas. Segundo: Algo pode ter acontecido com a sua família. Nenhuma das duas opções pareciam boas. Ruby entra no apartamento na expectativa de encontrar ele vazio, para sua surpresa, Lisa estava ali, chorando pitangas sentada no sofá no total silêncio. — Hey! O que aconteceu? Se foi Muriel, pode deixar que eu encarrego de fazer ovos mexidos dele. — Ruby perguntou preocupada. Preferia que fosse algo com Muriel do que com sua família. Na situação atual, um coração partido parecia algo bom. — Lisa, pelo amor de Deus. Fala logo. Eu já estou ficando assustada. Meus últimos dias não foram dos melhores. — Sim. Eu não consigo parar de chorar. Ele morreu. — Lisa disse entre um soluço e outro. Sem prestar atenção na pergunta de Ruby. — Quê? Quem morreu? Muriel? Impossível. Eu falei com ela a pouco tempo. Ele me disse que estava no hospital indo dormir. Isso não faz sentido Ruby. Espera, foi alguém da família? — Ruby tinha uma lista imensa de pessoas que se encaixariam no " ele morreu " de Lisa. — Ele finalmente estava feliz, tinha encontrado o amor, realizado seus sonhos e morreu de uma forma tão i****a. Que injusto. Não sei como lidar com as injustiças. Eu o amava tanto. Ele era perfeito. — Lisa abraçou Ruby sem conseguir parar de chorar. Já a sua amiga, não sabia como lidar com aquele momento, ainda mais, por não saber de quem se tratava. — Pensa assim, ele morreu realizado, não que a morte seja algo bom, mas morreu feliz e com tudo que queria. Parece que você era muito ligada a ele. Era da sua família? Eu conheço? Você precisa de ajuda? — Ruby perguntou vendo Lisa soluçar de tanto chorar, sem responder nenhuma de suas palavras. Ela sabia que essas palavras não iriam diminuir a dor de perder alguém, mas eram as únicas que conseguiu pensar. — Ahn? Não. É o protagonista da história que eu estava lendo. Ele morreu em um acidente de carro enquanto ia para maternidade para conhecer seu filho que havia acabado de nascer. Ele finalmente tinha conseguido uma família como sonhou. Como pode ter um final tão c***l — Lisa se assustou com a pergunta de Ruby, mas não conseguia controlar as lágrimas ao lembrar da história do livro que tinha acabado de ler. — Espera. Você está chorando por um personagem fictício? — Ruby respirou aliviada, seu coração estava apertado pensando que poderia ser alguém da família, afinal, de certa forma a família de Lisa estava relacionada diretamente com a dela, por conta de Verônica. — Vai te lascar, Lisa. Pensei que alguém de verdade tinha se machucado. — Você não ler, por isso não sabe, mas sentimos a dor do personagem, como as alegrias. Eu sinto como e a gente fizesse parte da história de alguma forma. O personagem pode não ser real, mas os sentimentos que ele desperta são. — Lisa olhou seria para Ruby — Agora, mudando de assunto, quero saber o que diabos você tinha na cabeça para sair doente e sendo perseguida para cuidar de alguém? Perdeu a noção do perigo? Esqueceu que um dia te explodiram, no outro você foi basicamente alvejada por tiros e jogada de um penhasco? Ruby sentiu no sofá e ficou horas ouvindo todo sermão de Lisa. Sabia que não podia questionar, afinal, ela estava preocupada. No fim, explicou a situação do começo ao fim. Também deixou claro que ficaria alguns dias cuidando de MB até que se sentisse melhor e pediu ajuda para Lisa, que mesmo desgostando da situação concordou, não queria seria a amiga na mão. Os dias se passaram voando enquanto Ruby cuidava de MB com ajuda de Muriel na parte médica e Lisa, responsável pela alimentação. Houveram alguns conflitos no caminho. Algumas fofocas ouvindo a briga dos vizinhos, mas no meio disso tudo, MB melhorou bem mais rápido do que haviam imaginado. Em cinco dias MB já estava praticamente curado. Ruby que vinha dormindo no apartamento de MB, voltou a dormir no seu depois de sua melhora, mas ia sempre no apartamento para levar comida e arrumar um pouco o lugar, antes de ir para aula, para evitar uma piora. De alguma forma, sua rotina estava praticamente voltando ao normal. Mais do que ela pensou que poderia voltar depois que descobriu quem realmente era. Se fingir de morta estava funcionando melhor do que eles esperavam. A família de Ruby estava fazendo pouco contato, o que deixava ela preocupada, mas não podia fazer nada, Verônica era extremamente cuidadosa naquelas situações. — Você vai para faculdade hoje? — Lisa perguntou enquanto fechava a marmita que Ruby levaria para MB. — Sim. Vou depois de passar lá em MB. Na volta, acho que passo no mercado para comprar a lista que me pediu. — Ruby respondeu olhando para uma pequena lista na porta da geladeira. — Entendi. Quando voltar, tente ir na vizinha. Ela procurou você algumas vezes nos últimos dias. Ah! E uma tal de Beatriz também veio aqui. Não deixei ela entrar, óbvio, mas ela estava atrás de você também, parecia preocupada, mas... — Lisa não foi nenhum pouco com a cara de Beatriz, ainda mais, por ela não ter tirado os olhos de Muriel em momento algum enquanto as duas conversavam na entrada do prédio, mas antes que pudesse contar isso, o celular de Ruby tocou. — Que estranho, Verônica ligando. Um minuto, Lisa. — Ruby disse antes de entender a ligação. * CHAMADA ON * — Alô? — Ruby atendeu vendo Lisa colocar a vasilha com a comida de MB dentro de uma bolsa térmica. — Filha, precisamos conversar. — Verônica disse com um tom sério.
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