Viviana
Despertei dando-me conta onde havia sido colocada no meio da madrugada, meia assustada devido um intenso pesadelo. Sonhei com aquele desgraçado do Amaral, visualizando as garras pegajosas daquele que um dia jurou me proteger com a sua própria vida. Ali ele se mostrava, a face da maldade corrompida por uns trocados e barras de ouro.
O bater da porta revelou-se para mostrar onde estava escondida. Minha situação apenas mudou de curso, e agora me encontrava presa na toca do lobo.
Ela foi aberta de supetão, assustando-me ao ponto de me sacolejar no colchão, cobrindo-me. Uma maneira infantil de me esconder do perigo.
Tinha consciência de como era viver numa comunidade dominada pelo tráfico, mas estar com o dono dessa p***a toda era outra coisa, totalmente diferente. Tenso demais da conta. Meu coração dispara a cada ação desse pedaço de homem de mais de dois metros de altura. O gigante, leão da boca de fumo.
- Viviana, tá tudo bem? Tranquilo?
Cutucou o tecido com sua arma do crime. Fechei os olhos tentando me manter calma, mas era complicado, pois esse artifício de morte me causava arrepios. Sempre pedia ao Amaral para manter esse troço bem distante de mim. Sou arisca pra c*****o.
- Sim. - Respondi seca, controlando as batidas descompassadas do peito.
- Então por que está brincando de pique se esconde?
Abri os olhos, abismada por ele ter sugerido isso.
- Não é nada disso, chefão.
- Pode me chamar de Cezar mesmo.
Vislumbro aquela silhueta vantajosa, sorte a minha estava vestido, mas sem blusa, mostrando o físico todo. Aquela escadinha de músculos, indo na direção da perdição, o centro do seu poder masculino. A ferramenta da qual gostava de mostrar sua dominância de macho alfa da favela com essas garotinhas, muitas delas sem futuro. Apoiadas no ombro desse sujeito do m*l. Como se fosse a melhor opção da face da terra.
- Tudo bem. Sua chegada dramática me assustou, não estou acostumada com essa agitação logo pela manhã.
- Humm… - Passou os dedos no queixo, um tanto pensativo. - A minha boneca te deixa nervosa?
Balançou aquele aparelho de metal. Um medo se instalou dentro de mim.
- Heim! Vira esse treco sujo pra lá! Aposto que já fez muita gente sangrar.
Acusei-o, notando que baixava o bagulho, pondo atrás de si, no cós do bermudão de tecido fino, dando pra enxergar o volume grosso e comprido debaixo da vestimenta. E ainda pra completar a cor era branca, meio transparente. Ainda bem, que usava cueca. Senão aquele pauzão ia chegar quase na minha cara. Sua proximidade me deixava tensa, em alerta. Não podia confiar nele.
- Perfeitamente, senhorita.
Discorreu num tom gentil, oferecendo a mão.
Aos poucos fui cedendo, abaixando o pano que me cobria.
Ao olhá-lo enxerguei a pele enrugada na testa, a preocupação estampada diante da minha presença.
- Só entrei dessa maneira afoita para protegê-la.
- De que? De quem? Estou toda fudida mesmo. - Reclamei bufando.
- Comigo está a salvo, bebê. - Falou como se eu fosse uma de suas mulheres. Desistindo de oferecer seu toque intruso.
Desci da sua cama corajosamente, impondo-me diante do chefe das drogas. O mesmo se valia no seu direito de homem de me olhar da cabeça aos pés e vice e verça. Retornando àquele olhar de carrasco, lançado em jatos na minha direção, como modo de intimidação puramente masculina. Marcando território meu “chapa”?
- Olha, aqui. Posso estar nesse cativeiro sendo “abençoada” - Fiz aspas com os dedos para enfatizar o que dizia, vendo em seus lábios uma carranca monstruosa surgindo. Porém, me mantive na mesmíssima posição. Firme. - Mas não pense que vai virar meu dono.
Ergui o queixo imitando sua postura de macho contrariado.
- Continua.
- O que?
- Continua com essa marra pra vê o que acontece contigo fofalhete. - Passou os dedos pela lateral do meu rosto.
Achei que me afastaria quando ameaçou a fazê-lo, todavia a calmaria estranha que senti ao recebê-lo trouxe ao meu ser uma revelação nada animadora. Não, eu não iria cair nesse golpe manjado desse sujeito fora da lei.
- Não vou cair nos seus truques.
- Já caiu, só não se deu conta.
Afastou-se devagar. Se virou indo buscar algo na sala, voltando arremessou as sacolas de papelão na cama, olhando-me seriamente.
- Pense o que quiser. - Gesticulei cruzando os braços abaixo dos s***s, fazendo-os parecerem maiores que são. Aumentando o olhar s****l sobre eles.
- Não importa esse detalhe. Vista-se com uma das roupas que comprei. E se apresse para o café da manhã.
- Por que preciso me apressar se vou ficar aqui o dia inteiro?
- Quem te iludiu com essa informação, Viviana? Tenho grandes projetos para nós dois, e poderá se beneficiar disso. Basta aceitar o acordo.
Desviei o olhar, e fui mexer nas bolsas, encontrando peças chiques, de boa costura.
- Qual acordo o d***o oferece?
- Simples. Um casamento legalizado pela lei. Uma comunhão estável. Quero elegê-la como a minha fiel do morro, e todos irão respeitar minha decisão. Mando tudo nessa p***a.
Sufoquei o desejo de berrar. Invés de reagir escolhi um vestido soltinho de verão, e um conjunto de lingerie. Sabendo dos seus olhos firmes em qualquer reação vinda da mulher que ele não sabe do que ela seria capaz.
- Viviana, prefere me contar o real motivo pela subida ao Morro do Gavião, ou o matrimônio com o capeta? A sua realidade é essa. Selou seu destino, seja o que for posso te ajudar. Sou tudo o que tem, te aconselho fazer o melhor proveito dele. Pelo seu bem estar pessoal.
- As vezes penso que estou falando com algum intelectual. - Olhei-o, passando perto dele, parando ali sem medo. - E outras com um favelado sem estudo. Mas já entendi a sua, se fortaleceu nos estudos para liderar melhor.
- Entendeu direitinho a parada. - Disse-me querendo me tocar novamente. Não dei chance para que ocorresse de novo.
Caminhei para fora do quarto, deixando a sua pergunta sem resposta. Pendente.
Decidindo internamente se seria melhor acabar com isso logo, ou me entregar a um casamento com um traficante em troca de guarita. Amaral me dava arrepios, e ele tinha meios de acabar comigo caso eu descesse o morro. Viviana... Tu está ferrada de todas as maneiras. Escolha a melhor forma de se afundar de vez. Mas ele dissera que de qualquer jeito me ajudaria... Pensei entrando no banheiro. Contudo, podia mesmo confiar no Cezar?