Tiago
"O que estou fazendo?" balancei a cabeça, tentando afastar o peso do passado. "Desenterrar algo de 20 anos atrás é uma loucura!" Guardei novamente o desenho, um gesto quase automático, como se estivesse escondendo um segredo vergonhoso. Vesti uma roupa qualquer, tentando me recompor, e desci as escadas, retornando ao porão. A escuridão e o cheiro úmido me recebem como um tapa na cara, um lembrete do meu mundo sombrio.
Entrei na cela de Luísa e a vi deitada sobre o colchão fino e sujo, com os cachos castanhos espalhados pelo rosto, os lábios entreabertos e o peito subindo e descendo suavemente com a respiração calma. A visão era quase surreal, um oásis de paz em meio ao caos que eu mesmo havia criado.
"Não é possível..." sussurrei, a incredulidade tingindo minha voz. Uma pontada de algo que se assemelhava à ternura me atingiu, um sentimento há muito esquecido.
Aproximando-me cautelosamente, como se temesse acordá-la, toquei suavemente seus cabelos, afastando os fios que cobriam seu rosto. Meus dedos, quase que por vontade própria, vagaram até seus lábios carnudos e perfeitos, a textura macia me causando um arrepio. A proximidade me permitiu sentir o leve aroma floral que exalava de sua pele.
Ahammmm... Ouvi um gemido baixo e a vi se mexer levemente no colchão enquanto dormia. "Não pode ser você..." sussurrei novamente, completamente desacreditado. A possibilidade, antes impensável, agora pairava no ar, densa e carregada de significado.
Os passos ritmados da troca de turno dos meus homens me despertaram bruscamente daquele torpor. A realidade brutal voltou a me assombrar. "E se for? Por que agora, depois de todos esses anos? Não pode ser... Luz..." Pensei, a confusão se misturando com uma dor antiga e profunda.
"O que estou fazendo aqui? Que idiotice!" Afastei meus dedos de seu rosto como se tivesse levado um choque, sentindo uma onda de fraqueza e desespero me invadir. Percebi que havia baixado a guarda, um erro imperdoável no meu mundo. Quem era essa mulher e o que ela estava fazendo comigo? Eu não sou desse jeito. Por muito pouco, teria terminado o serviço naquele mesmo país, sem hesitar. E agora, aqui estou, alimentando uma esperança que estava morta e enterrada, simplesmente assim... De repente, insistindo para mim mesmo que ela não é ninguém importante... mas... a verdade é que ela me perturba de uma forma que ninguém jamais conseguiu.
"Que p***a!" praguejei entre dentes, passando as mãos pelo rosto em um gesto de frustração. "Onde eu estava com a cabeça?" Virei-me rapidamente, voltando para a parte de cima da casa, fugindo daquela presença que me desestabilizava.
Estressado e confuso, tomei um dos meus remédios fortes para dormir, torcendo para que fizesse efeito o mais rápido possível e me ajudasse a relaxar, a esquecer por algumas horas o turbilhão de emoções que me assolava.
Me deitei na cama, o quarto mergulhado na penumbra, sussurrando várias vezes para mim mesmo, como um mantra: "Amanhã é outro dia... Amanhã tudo voltará ao normal..." Mas no fundo, uma voz sussurrava o contrário.
Luisa
Hummm... hummmm... Revirei-me sobre a cama dura e desconfortável, sentindo um incômodo profundo. "Minha cama está tão dura... Devo ter dormido no sofá novamente. Minha coluna vai gritar o dia inteiro. Não lembro de estar tão cansada a ponto de dormir no sofá. Está frio. Meu cobertor, onde está?" Remexi-me mais uma vez, tentando inutilmente encontrar o cobertor que me aquecesse. "Devo ter derrubado no chão... Espera, meu sofá não é assim..."
Com muito esforço, abri os olhos pesados e olhei ao redor, tentando entender onde estava. O lugar era estranho e sombrio, com paredes de concreto nuas e uma iluminação fraca. "Onde estou?" pensei, analisando o ambiente com os olhos ainda turvos de sono. "Que cheiro é esse? Parece mofo e… sangue…" sussurrei, o pânico começando a se instalar em meu peito.
A realidade caiu sobre mim com a força de um raio: eu não estava mais na casa dos meus pais. As lembranças da noite anterior voltaram como um filme em minha mente.
"Oh meu Deus..." A voz quase falhou, sufocada pelo desespero. As lágrimas começaram a brotar em meus olhos. "Aquele cara me sequestrou!" Lembrei, com a mente em frangalhos. "Definitivamente, eles não são do banco!" A ideia de ser traficada, vendida para sabe-se lá quem, me aterrorizou profundamente. "Não vou ser prostituta!" Entrei em pânico, meu coração batendo descontroladamente.
Tateei meu corpo com as mãos trêmulas, procurando por qualquer sinal de ferimento ou cicatriz recente. "Vai que roubaram meu rim ou sei lá, vão me usar para transportar drogas." A paranoia me consumia.
Tentei me levantar, mas minha cabeça latejava e eu estava tonta e fraca. Minhas pernas tremiam incontrolavelmente, fazendo-me cambalear para frente e para trás.
"Onde eu estou?" O lugar era claustrofóbico, sem janelas, apenas paredes frias de cimento e uma porta de ferro maciça. A sensação de estar presa me sufocava.
"O que eu faço? Tenho que sair daqui... O que vão fazer comigo..." Estava sem meus pertences, sem celular, sem nada em mãos. Completamente isolada. "Fala sério, Luisa, óbvio que não tenho nada em mãos. Fui sequestrada, i****a!"
"Socorro!" Gritei com toda a força que me restava, até o ar dos meus pulmões faltar e minha garganta começar a arder.
"Cale a boca, garota!" Gritou uma voz masculina e áspera do lado de fora da cela.
"Eric!!!" O nome do meu irmão passou pela minha cabeça como um raio. O medo por ele apertou meu coração. "O que fizeram com o meu irmão?"
Bati na porta de ferro com as mãos e os pés, desesperada. "Eu quero ver o meu irmão!" Empurrei e bati com toda a força que tinha, mas a porta permaneceu imóvel.
"Já lhe disse para ficar quieta!" A voz grossa foi acompanhada de um som metálico, como se alguém tivesse batido com algo na porta. Não escutei e continuei a bater, cada vez mais desesperada.
A porta se abriu de repente, revelando dois homens robustos e com expressões ameaçadoras. Um deles me pegou pelo queixo com brutalidade, apertando minha mandíbula, enquanto o outro agarrou meu pulso com força. "O senhor Petrov detesta escândalos, sabia? Nós também!" Disse o primeiro, enquanto o segundo mapeava meu corpo com um olhar lascivo e tocava meu cabelo com um olhar malicioso. Senti um nojo profundo.
"É uma pena esse desperdício..." O outro falou com um tom de desprezo, passando os olhos pelo meu corpo de cima a baixo. "Tomara que der para nos divertir." Sua voz era carregada de malícia e segundas intenções.
"Não precisamos esperar ele voltar. Tenho certeza de que a boneca não dirá nada, e se disser, não fará diferença." Ele apertou meu pulso com mais força, fazendo-me gemer de dor. Perdi a cabeça de raiva e lhe dei um tapa forte com a mão que estava livre, acertando seu rosto em cheio.
""Sua v***a, acha que vai se sair dessa agora?! Não vai!" Ele me agarrou com força, tentando me conter, a mão apertando meu braço com violência.
"Você não vai para lugar nenhum..." Segurou meus punhos com uma força quase inumana, prendendo meus braços contra meu corpo. O cheiro de suor e cigarro dele me embrulhava o estômago.
Como uma mulher poderia se livrar de dois homens enormes em um local fechado? A pergunta ecoava em minha mente, mas eu me recusava a aceitar a derrota. A adrenalina corria em minhas veias, me dando uma força que eu nem sabia que tinha. Em um movimento rápido e preciso, dei uma joelhada certeira bem ao meio das pernas de um deles, o que o fez soltar meu braço e se curvar com um gemido de dor.
"Não toque em mim!" Gritei, com toda a força dos meus pulmões, enquanto o outro ainda me segurava firmemente.
"Por que a cela está aberta?" A voz fria e cortante, carregada de autoridade, soou atrás de mim, fazendo um arrepio percorrer minha espinha.
"Senhor, ela estava gritando..." O grandão que ainda me segurava tentou dar uma desculpa esfarrapada, evitando o olhar do homem que acabara de chegar.
"Não quero saber. Eu dei uma ordem de que, quando ela levantasse, eu seria chamado. Esperava que se cumprisse dessa forma." O homem vermelho, que havia levado a joelhada, tentava se levantar, massageando a virilha com uma careta de dor. "E você, o que faz no chão?" Perguntou, apesar de já imaginar a situação.
"Levem eles e matem os dois. Hoje não estou para diálogo ou erros." Mandou. A sentença de morte soou como uma punhalada em meu coração.
O mesmo se virou lentamente para mim, seus olhos azuis fixos nos meus, avaliando-me de cima a baixo. "Agora é a minha vez, tenho certeza." Um sorriso frio e predatório curvou seus lábios.
"E você gostou da estadia?" Perguntou ironicamente, aproximando-se. "Não é o melhor quarto, mas ter um colchão é um bom sinal." Seu tom zombeteiro me irritava profundamente.
"Cadê o meu irmão?" Perguntei com firmeza, apesar da minha voz ainda tremer de tensão e medo. Precisava saber se Eric estava bem.
"Quem? Ah, o viciado. Ele está bem.... ainda..." Respondeu com desdém, dando de ombros como se não se importasse. "Acha que ele se preocupa com você?" Ele enfatizou a palavra "ele", me lançando um olhar penetrante.
"Por favor, nos deixe ir. Eu p**o a dívida." Ignorei a provocação, suplicando na esperança vã de que ele tivesse um mínimo de compaixão.
"Eu não quero e nem preciso desse dinheiro!" Disse com uma frieza c***l, aproximando-se ainda mais. "Que canalha! Então, o que nós estamos fazendo aqui?!!"
"Então, por que nos sequestrou, hein?" Perguntei, já visivelmente alterada, a raiva começando a superar o medo.
Ele se aproximou ainda mais, pressionando-me contra a parede fria e segurando meu queixo com força, seus dedos cravando em minha pele. A luz fraca que entrava pela porta projetava sombras em seu rosto, fazendo seus olhos parecerem ainda mais frios e implacáveis, quase como duas pedras de gelo.
"Acha mesmo que vou deixar passar? Seu irmão sabia das consequências e mesmo assim pegou o dinheiro! Fui bem explícito quanto às consequências dessa dívida. Eu nunca perdoo! E não será hoje que começarei!" Falou com uma seriedade quase fria, cada palavra carregada de ameaça.
Ele abaixou o olhar lentamente, traçando um caminho com seus olhos pelo meu pescoço, descendo até meus ombros, fazendo minha respiração acelerar e um arrepio percorrer meu corpo. Senti um misto de medo e uma estranha… atração? Reprimi o pensamento imediatamente. "Saia daqui!" Gritei com os dentes cerrados, irritada e apavorada ao mesmo tempo.
"Está bem... Três dias sem comida e bebida vão melhorar o seu humor." Disse, se afastando lentamente e indo em direção à porta, sem tirar os olhos de mim.
"SEU CANALHA!" Gritei com toda a minha força.
"Obrigada, querida... Será cinco dias agora." Disse, virando-se brevemente e dando-me as costas com um sorriso sádico.
"MALDITO!" Gritei, sentindo as lágrimas de frustração e medo queimarem meu rosto. A impotência me consumia.
Encolhi-me no colchão duro e frio, o desespero tomando conta de mim. "Por que logo comigo...?" Pensei, as lágrimas escorrendo livremente pelo meu rosto.
"O que vai acontecer com o Eric... Meu irmãozinho, Luma e Zoe, será que estão bem? Eu tenho que sair daqui! Preciso protegê-los." A preocupação com minha família me dava um novo ímpeto.
Deitei-me exausta na cama, tentando inutilmente encontrar um pouco de sono em meio ao turbilhão de emoções. As lembranças da minha vida antes disso invadiram minha mente.
"Imã!" Eric corria até mim com seus 4 aninhos, os olhos brilhando de alegria. "Irmãozinho, vem sobe!" Todos os dias ele me acordava assim pela manhã, pulando na minha cama.
"Irmã, está bem?" Perguntou, colocando uma de suas mãozinhas delicadas em meu rosto, seus olhos castanhos cheios de preocupação.
"Irmã está ótima," respondi, dando um beijo de esquimó que o fazia cair na gargalhada, um som que aquecia meu coração.
Meu irmão...
Guilherme
Após a saída de Tiago, a tensão no ar era palpável. Comecei a traçar um plano em minha mente para tirá-lo do cargo. Ele estava se tornando um monstro, completamente descontrolado. Ele não podia continuar matando pessoas sem motivo, agindo como se estivesse acima de qualquer lei ou consequência.
Quanto ao menino órfão, Noah, ele ficaria na mansão Petrov, pelo menos por enquanto. Era o mínimo que podíamos fazer. Ele tinha que arcar com as consequências por ter deixado alguém órfão, mas a criança não tinha culpa de nada.
Cheguei em casa com o bebê ainda dormindo em meus braços, entreguei-o cuidadosamente à minha mãe, que o acolheu com um olhar terno e preocupado, e fui direto para o escritório de Tiago. Precisava confrontá-lo.
"O Noah chegou," disse, entrando sem bater e vendo Tiago levantar os olhos para mim, uma expressão de irritação em seu rosto.
"Que diabos é Noah?!" Tiago perguntou, seu tom de voz estava mais áspero e irritado do que o habitual.
"A criança que você deixou sem família!" Respondi, sabendo que aquilo o enfureceria ainda mais, mas eu não me importava. Alguém precisava confrontá-lo. "Você vai soltar os cachorros em cima de mim agora, não é?" Provoquei, cruzando os braços.
"Como é que é? Você trouxe o moleque para a minha casa? Nossa, irmãozinho, eu não sei nem como lhe agradecer!" Ele disse com um tom sarcástico e venenoso, o desprezo evidente em cada palavra.
"Eu acho que vou pedir um chá!" Pensei rapidamente, tentando evitar a fúria crescente que emanava de Tiago. Foi quando vi um jarro de cristal voar em minha direção, passando a centímetros do meu rosto e se espatifando na parede atrás de mim. Os cacos se espalharam pelo chão, o barulho alto ecoando pelo escritório.
"Você é i****a ou finge ser?" Ele gritou, seu rosto contorcido em uma máscara de raiva. As veias de seu pescoço saltavam. "Eu lhe disse que não queria aquela coisa aqui dentro!"
"Você me mandou resolver a situação, então mamãe e eu resolvemos," falei, tentando manter a calma apesar do meu coração estar acelerado. Um sorriso amargo brotou em meus lábios.
"Claro, tinha que ser. A Magda sempre se mete onde não deve!" Tiago se levantou bruscamente da cadeira, sua raiva quase palpável no ar. "A mamãe tem o direito! Ela ainda é a matriarca!" Defendo.
"Por pouco tempo, acredite! Você mais do que ninguém sabe o que eu fiz com o 'papai', e agora, por que não fazer o mesmo com a 'mamãe'?" Ele me encarou, seus olhos antes frios agora carregados de uma fúria contida, a ameaça pairando no ar como uma névoa densa.
Perdi a paciência, a menção à nossa mãe foi a gota d'água. Acertei um soco certeiro em seu olho, a força da raiva me impulsionando. Ele cambaleou para trás, surpreso com a minha ousadia, mas se recompôs rapidamente, um sorriso de escárnio surgindo em seus lábios. "Você acha que pode me desafiar? Não tente!" Sua voz era baixa e ameaçadora.
Tiago se aproximou com passos lentos e calculados, seus olhos fixos nos meus. Em um movimento rápido, ele me acertou um soco no queixo, a dor aguda me fazendo perder o equilíbrio e cair no chão. A sala girava ao meu redor. "Quem é você, Guilherme? Você não pode competir comigo! Então não tente!" Ele vociferou, sua voz ecoando pelo escritório.
"Aprenda uma coisa de uma vez por todas! Nem você, nem ninguém pode me desafiar!" Ele gritou, apontando um dedo acusador para mim, seus olhos faiscando de raiva.
"Eu ainda vou te tirar desse pódio! Você não merece estar onde está!" Gritei de volta, a raiva fervendo em minhas veias. Enquanto me colocava de joelhos com um puxão brusco pelos cabelos, Tiago me acertou um chute forte no queixo, a dor me fazendo cair novamente no chão, a cabeça batendo contra o piso frio.
Coloquei a mão no queixo latejante, sentindo a ardência e o gosto metálico de sangue na boca. Cuspi imediatamente, o sangue tingindo o chão.
"Eu não mereço? Eu não mereço?" Repetia como um louco . "Eu me preparei desde que nasci para isso, e ainda não estou pronto? E quem seria o próximo, já que eu não mereço?" Questiona, a voz carregada de ironia.
"Eu," vi Tiago rir com escárnio, o som ecoando pela sala. "Acha mesmo que não dou conta?" O desafio
Tiago parou de rir abruptamente, seu rosto se tornando inexpressivo, seu olhar frio e calculista. "Peguem ele!" Ordenou aos soldados que estavam presentes na sala, observando a cena em silêncio.
"Mais o que?!" Gritei, a incredulidade e o medo evidentes em minha voz. Não podia acreditar que ele faria isso comigo.
"Vamos ver, irmãozinho, se você dá conta de passar um tempo trancado. Prendam-no na cela!" Tiago ordenou com frieza, ignorando meus protestos.
"VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO!" Gritei, a impotência e a raiva se misturando em um turbilhão de emoções.
"Já fiz." Tiago disse simplesmente, dando de ombros com um sorriso c***l enquanto eu era agarrado pelos braços e arrastado para fora de seu escritório. A humilhação era completa. Fui jogado em uma cela escura e fria, a porta de ferro se fechando com um estrondo atrás de mim. O eco do riso de Tiago ainda soava em meus ouvidos....