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3095 Words
Tiago Não queria perder tempo com aquele verme, mas tive que passar em casa. Como sempre, o filho da mãe do meu irmão contou tudo sobre o bastardo. Não me importo, ele já está morto, não há mais nada a fazer. E, como sempre, ela estava à espera dele. No passado, isso até poderia me afetar, qualquer criança ficaria triste. Sempre me perguntei por que fui tratado de forma diferente, como se ele fosse o único filho. Mas não me importo! Vou para o jato, o ronco dos motores abafando meus pensamentos, e chego em Nova York. Pego um carro preto e sigo para a casa dos Cooper. Antes, faço uma parada em um café pequeno e aconchegante. Morei aqui quando tinha 4 ou 5 anos, uma vida inteira atrás. Meu pai nunca me deixava sair de casa, a não ser sob forte escolta, então não conheço muitos lugares. No entanto, lembro deste café. O aroma forte de café fresco misturava-se ao cheiro adocicado dos bolos na vitrine, um perfume que me transportava para a infância. Foi aqui onde Rosa comprou meu bolo de aniversário, o único que comemorei com um mínimo de… alegria. No caminho, na rua movimentada, esbarro em uma garota cega e surda. O impacto me tira do meu torpor. "Que ódio!" A irritação lateja em minhas têmporas. Nada vai estragar a determinação que tenho de cobrar o que me devem. Nada. Chego à casa dos Cooper. A residência exala uma atmosfera de riqueza discreta, com seu jardim bem cuidado e a fachada imponente. Bato na porta com força, o som seco ecoando pelo corredor silencioso. A porta se abre lentamente, rangendo, revelando Eric com uma expressão de puro terror estampada no rosto. Assim que me vê, a cor some de sua face, deixando-o branco como um papel. O cheiro de suor frio e medo paira no ar, quase palpável. Invadir a casa da família dele torna tudo ainda mais… interessante. — Senhor Petrov, eu não esperava que… o prazo era amanhã… eu… — diz Eric, gaguejando e tremendo visivelmente. Seus olhos arregalados imploram por clemência, como um animal acuado. — Não me faça de t**o, Eric. O prazo era hoje! — Corrijo-o com uma voz gélida. — Amanhã é o dia da sua morte, a menos que você tenha o que me deve. E eu duvido muito — digo, empurrando-o para dentro da casa sem cerimônia e me sentando no sofá de couro preto da sala com uma calma ameaçadora. O ambiente é decorado com móveis caros e sem personalidade, um reflexo da futilidade e do mau gosto de Eric, contrastando com a elegância clássica da casa. Um forte cheiro de cigarro impregna o ar, misturando-se ao odor de pânico que emana dele e ao leve perfume floral que paira na casa, um vestígio da presença da mãe dele. — Vamos, estou esperando o dinheiro. — Eu… eu não tenho ainda… — ele responde, engolindo em seco e passando a mão trêmula pelos cabelos, agora grudados à testa pelo suor. Sua respiração é entrecortada e o suor escorre por sua testa, formando pequenas gotas que brilham sob a luz fraca da sala. — Oh, Eric, não brinque comigo, porque eu não tenho a menor paciência para joguinhos — falo, levantando-me lentamente do sofá e caminhando até ele com passos lentos e calculados. A cada passo que dou, a distância entre nós diminui, aumentando o seu pavor. Seus olhos seguem cada movimento meu, como se estivesse hipnotizado por uma cobra. Sem aviso, meu joelho atinge seu estômago com força brutal, ouvindo um gemido abafado e sentindo o impacto em meu próprio corpo. Vejo-o cuspir sangue no tapete persa, manchando seus desenhos intrincados. Que profanação a este lar. — Quando fizemos o acordo, fui extremamente claro sobre as consequências! — Enfatizo cada palavra, aproximando meu rosto do dele, sentindo seu hálito fétido de cigarro e medo. — Mas você é um viciado em merda que só pensou em receber o dinheiro fácil! — Dou outra joelhada, desta vez em seu queixo, ouvindo um estalo seco e sentindo seus dentes se chocarem. — Agora eu vim buscar o que me pertence, cada centavo! — Digo, a voz carregada de ódio frio, segurando seu pescoço com força e vendo-o se debater inutilmente, tentando desesperadamente puxar o ar. Seus olhos se arregalam em pânico e suas mãos agarram meus braços em uma tentativa vã de se libertar. Largo-o abruptamente, vendo-o cair no chão como um boneco de pano, tossindo e tentando recuperar o fôlego. Sento-me novamente no sofá, observando-o com desprezo. — Eu… eu vou ver com… com… o banco! — ele gagueja, com a voz fraca e rouca, pegando o celular com as mãos trêmulas e digitando freneticamente, buscando um contato em sua agenda. — Ótimo, Eric… é assim que eu gosto. Seja rápido. E já que está na casa de seus pais, peça para uma das empregadas trazer algo forte para eu beber… um whisky, talvez. Preciso relaxar — massageio minhas têmporas com os dedos, sentindo uma dor de cabeça latejante começar a se manifestar. “Esse i****a está me dando nos nervos.” — Luísa! — ele fala ao telefone, a voz encolhida e quase inaudível. Franzo a testa ao ouvir esse nome. “Luísa… Esse nome não me é estranho… de onde?” Uma sensação estranha, uma pontada de algo que não consigo identificar, me atinge. Uma vaga lembrança, como uma sombra fugidia, cruza minha mente. Ele liga para ela, implorando por ajuda. Depois de quase chorar para sua irmã, ela concorda, relutante. — Tic tac, Eric… eu não tenho o dia todo, sou um homem de negócios… Detesto enrolação! — falo, olhando para o relógio em meu pulso. O tic-tac do relógio preenche o silêncio tenso da sala. — Ela virá… O senhor terá o seu dinheiro! — garante ele, limpando o rosto com as costas da mão, deixando uma mancha de sangue na manga da camisa. Parece confiante de que ela virá. É melhor não ficar tão seguro. Me divirto um pouco com seu desespero, mas já vi muitos casos como esse, e nenhum deles terminou bem para o devedor. Normalmente, eu já teria dado um tiro e acabado com isso. No entanto, o nome que ele mencionou ainda me intriga. Luísa... Trinta minutos depois, a campainha toca novamente. Eric corre para abrir a porta, revelando uma mulher de cabelos cacheados e expressão determinada. A luz do sol que entra pela porta ilumina seu rosto, revelando traços delicados e uma beleza natural que me surpreende. Assim que a vejo, uma onda de reconhecimento me atinge como um choque elétrico, paralisando-me por um instante. Meu sangue gelou. A reconheci instantaneamente. Uma onda de raiva, misturada a uma estranha… fascinação, me percorreu. Seus olhos… eles me parecem familiares. “É a mesma ordinária que derrubou meu café!”, penso, cerrando os punhos. Ignoro completamente Eric e foco meu olhar nela. Chamo a atenção dos dois. Ela se responsabiliza por ele. “Oh, que lindo! Esse amor entre irmãos.” Penso sarcasticamente. Isso não muda nada do que vim fazer aqui. Penso se mato os dois aqui ou na Rússia. No entanto, Eric precisa pagar, então decido levá-los. “Uma tortura não mata ninguém, não é? Eu não morri!”. Ordeno que os dois sejam levados e, logo, partimos para a Rússia novamente. A viagem é silenciosa, a tensão palpável no ar. Coloco os dois em celas separadas e afastadas, para que não possam se comunicar. Preciso isolá-los para pensar com clareza. Tiro o paletó, a gravata e afrouxo as mangas da camisa. Sento-me de frente para a cela de Eric. O cheiro de sangue e medo paira no ar. — Acordem ele! Mergulhem-no no barril! — ordeno, minha voz fria e cortante. Vejo seus braços se debaterem enquanto tentam sair do barril para respirar. Aceno para que parem; não quero acabar com a diversão antes do tempo. Ainda não. Prendem seus pulsos na cadeira, seus braços esticados e presos por correntes. Ele sai da água, puxando o ar com força, a tosse persistente ecoando pela sala fria e úmida. Seus olhos vermelhos e marejados me encaram com terror. — Vamos ler a sua ficha, Eric Duarte Cooper! Solteiro, filho de Linda e Igor Cooper, irmãos Luísa, Luma e Zoe… hum, vamos ver o que faço… Talvez eu mate sua família… talvez apenas sua irmã ou você… quem sabe os dois, para ser mais justo, né? — dou as opções, observando atentamente sua reação. — Só eu tenho culpa… minha família não entra em nada disso… deixa a Luz fora disso, por favor… — implora ele, a voz rouca e embargada pelo choro. “Luz” não me é estranho. A palavra ressoa em minha mente, como um eco distante de um passado que tento manter enterrado. “Titi” ecoa em minha mente, um sussurro infantil e doce que contrasta violentamente com a brutalidade do momento. O que está acontecendo comigo? Não estou me sentindo bem. Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos intrusivos, essa confusão que me assola. — Não, meu caro. Pelo que ouvi, ela mesma disse que se responsabiliza por você — abro um sorriso amarelo, sem qualquer traço de humor. — Seu desgraçado, sem… ahhhh! Antes que eu perceba, a raiva me domina e enfio uma faca em uma de suas coxas. A lâmina desliza pela carne com uma facilidade perturbadora. — Desculpe, eu não entendi a última parte. Repita para mim! — olho fixamente em seus olhos, com uma intensidade fria que o faz tremer ainda mais. Ele fica calado, o rosto contorcido pela dor, as lágrimas escorrendo pelo rosto. — Quando eu mandar falar… é para falar, p***a! — deixo outra faca em sua coxa, desta vez lentamente, saboreando seu sofrimento. O grito de Eric ecoa pelo galpão, um som agudo e desesperado. Ele fica vermelho de tanto gritar. Tiro as facas e as jogo na mesa de metal com um estrondo. O som metálico ecoa pela sala, amplificando a violência da cena. — Podem dar um corretivo nele! — ordeno, com um gesto displicente. — O quê? Não! — grita ele na cadeira, enquanto meus homens se aproximam com cassetetes. — Agora você fala? Vamos ver se amanhã você se decide, ok?! Levem-no! — meus homens o levam enquanto eu me sento e assisto, atrás do vidro, o mesmo sendo espancado. Observo a violência friamente, sem sentir nada além de uma satisfação momentânea. O som dos gritos de Eric e o barulho dos golpes ecoam pelo corredor, mas minha mente está em outro lugar. Luz. Titi. — Senhor, ela ainda não acordou! — informa um dos meus homens, referindo-se a Luísa. — “Luz.” — A palavra escapa dos meus lábios como um sussurro involuntário. Sinto uma necessidade inexplicável de vê-la, de entender essa conexão inexplicável. Levanto da cadeira e dou a ordem para que o mandem de volta à cela, sem água ou comida. Preciso pensar. Preciso entender o que está acontecendo comigo. Saio do galpão e vou para casa. O cheiro de sangue e suor gruda em minhas narinas, uma lembrança constante do que acabei de fazer. — Filho, precisamos conversar! — me aborda Dona Magda assim que entro. Seus olhos demonstram uma preocupação que ignoro prontamente. Ouvir aquilo me faz revirar os olhos. Não estou com paciência para as lamúrias dela. A culpa é dela também. Então resolvo ignorá-la e subo para o meu quarto, sem dizer uma palavra. Dentro do banheiro, tiro as roupas manchadas e entro no box. A água quente escorre pelo meu corpo, tentando levar toda a tensão e o estresse do dia. Coloco a toalha sobre o tronco e vou até o closet. Olho entre as roupas e encontro uma caixa de madeira escura que não via há muito tempo. Ela está escondida no fundo, entre os ternos mais antigos. Sempre a ignorei, tentei jogá-la fora inúmeras vezes, mas algo me prende a ela. Uma força invisível me impede de me desfazer dela. Não consigo. Volto para o quarto e me sento na beira da cama. A caixa pesa em minhas mãos, como se carregasse um fardo de memórias. Abro a tampa com cuidado, a madeira rangendo levemente. Pego um desenho amassado e remendado com fitas adesivas amareladas pelo tempo. O papel está desbotado, mas as cores ainda são vibrantes. Flashback — Você está bem? — pergunto, minha voz soando um pouco mais gentil do que o habitual. Ela se mantém calada, os olhos fixos em um ponto qualquer da parede. Não desisto e me aproximo, sentando ao seu lado. — Seu olho está pequeno. Tá quente! — toco em sua testa com a palma da mão, sentindo o calor irradiar de sua pele. — Já vi minha babá fazer isso comigo e minha mãe faz com o Gui quando ele fica doente. Vai melhorar — digo, tentando soar reconfortante, enquanto coloco uma toalha úmida em sua testa. — Obrigada, titi... — fala, a voz fraca e quase inaudível. — Desculpe, sei que fui rude antes — peço, um raro pedido de desculpas escapando dos meus lábios. — Tá tudo bem... — ela responde, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios. Sinto um beijo suave em minha bochecha. Meu rosto esquenta instantaneamente. Viro o rosto para o outro lado, tentando disfarçar o rubor. — Titi, você também está dodói? — pergunta, seus olhos brilhando com preocupação. — Que?! Não! — digo, um pouco mais alto do que pretendia. — Não conte isso a ninguém, ok? — peço, um tom de mais ameaçador que consegui em minha voz. Ela concorda com um aceno de cabeça. — Você vai ficar bem... — falo, mais para mim mesmo do que para ela. — Promete?! — pergunta, seus olhos fixos nos meus, buscando uma garantia. Assinto com a cabeça. Minutos depois, sua mãe chega, e a conversa se encerra abruptamente. — Tchau, Lux... Fique bem logo... — me despeço, acenando timidamente. Quebra de tempo Estou na escola, no horário do lanche, sentado sozinho em um canto do pátio, como sempre. O barulho das outras crianças me irrita profundamente. — Titi — ouço uma voz suave me chamar. Levanto os olhos e vejo Luz parada na minha frente, com as mãos para trás. — O que você quer!? — pergunto, um tom áspero em minha voz, e me concentro novamente no meu lanche, tentando ignorá-la. — Obrigada por ontem — pede, sua voz baixa e hesitante. — Tanto faz... — digo, sentindo meu rosto esquentar novamente. Odeio essa sensação. — Oh, está dodói, titi? — fala, se aproximando um pouco mais. — Não! — grito, me afastando bruscamente. As outras crianças olham para nós, e sinto meu rosto queimar de vergonha e raiva. — Ahhh... toma — ela estende um pequeno pedaço de papel dobrado. Pego da sua mão sem olhar para ela, enfiando-o rapidamente no bolso da calça. — Tá, agora vai lanchar! — digo, sem rodeios, colocando o papel amassado na mochila. A vejo correr de volta para o grupo de crianças onde Guilherme está. Quando o sinal bate, nosso motorista já está nos esperando no portão da escola. Chegando em casa, subo rapidamente para o meu quarto, sem dar explicações a ninguém. Tranco a porta e abro a mochila, tirando o papel que Luz me deu. Abro e vejo uma flor pintada de forma colorida, com umas letras rabiscadas em cima. A flor é simples, mas as cores são vibrantes e alegres. Fico olhando por um tempo, hipnotizado pelo desenho, tão entretido que não percebo meu pai entrar no quarto. — Mas o que é isso? — ele pergunta, sua voz carregada de desdém, enquanto toma o papel da minha mão. — É… é meu pai! — digo, tentando pegar o desenho de volta. — Eu não escutei isso! Escutei? — ele arregala os olhos e se encolhe, me lançando um olhar ameaçador. — Não, senhor... — corrijo rapidamente, com a cabeça baixa. — Você é o próximo herdeiro da máfia. Não admito que tenha essas coisas infantis, Tiago! — diz ele, sua voz fria e dura. Rasga o papel em quatro pedaços e os joga no chão. — Rosa, limpe isso! Tenho uma reunião importante. Não quero que ele saia do quarto até eu mandar! Ele sai do quarto batendo a porta com força, me deixando sozinho com os pedaços do desenho espalhados pelo chão. Sinto uma raiva imensa, mas a reprimo imediatamente. Deito de bruços na cama, afogando minhas emoções no travesseiro. — Querido, está tudo bem? — pergunta rosa. Sua voz soa preocupada. Mas eu apenas balanço a cabeça em sinal de que sim, sem nenhuma vontade de falar. — Bom, vai tomar um banho gostoso, vai! — diz ela, desistindo de insistir, e me dá um beijo na testa antes de se afastar. Vou para o banho Quando volto, termino meu almoço em silêncio e faço meus deveres da escola, tentando me distrair da tristeza que me consomem. — Irmão... Bora brincar! — grita Guilherme atrás da porta animada contrastando com meu humor. — Sai daqui! — grito de volta, sem paciência para lidar com a presença dele. Adormeço exausto e acordo com Rosa me chamando baixinho. — Aqui, querido — ela me entrega o papel de Luz, cuidadosamente remendado com fitas adesivas. Meu rosto se ilumina instantaneamente ao ver o desenho intacto, mesmo com as marcas das fitas. — Obrigado, Rosa — digo, abraçando-a forte. Sinto um carinho genuíno por ela, a única pessoa que realmente se importa comigo. — De nada, meu pequeno. Agora esconda isso bem, viu? Não deixe seu pai ver de novo! — avisa Rosa, com um olhar preocupado. — Rosa... o que tem aqui? — aponto para as letrinhas rabiscadas na parte superior do desenho. — Acho que foi sua professora que escreveu para ajudar a Luz. Diz: “Obrigada titi, pela sua ajuda. Beijos, Luz.” Quem é Luz? Namoradinha? — brinca, com um sorriso gentil. — Não, é uma colega — respondo, desviando o olhar, enquanto seguro o desenho com cuidado. Fim do Flashback Não pode ser... — sussurro, levando as mãos aos cabelos, a ficha finalmente caindo. O papel rasgado e o desenho remendado me remetem a memórias que eu havia tentado enterrar no fundo da minha mente. A lembrança da pequena Luz, sua preocupação e o carinho genuínos que ela demonstrava, contrastam brutalmente com a realidade c***l e violenta que vivo agora. Luísa… Luz… Poderia ser…? Não posso permitir que isso me afete. Não posso deixar que o passado interfira no presente.
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