Subi ao Morro Vai Quem Quer e nunca mais desci. Naquela época, o tráfico era comandado por um sujeito que já estava na lista da polícia há tempos. Ele pagava o comando, mantinha tudo algumas coisas no controle, mas eu tinha acesso livre. Não demorou muito para perceber que ele estava enfraquecendo, e foi apenas uma questão de tempo até eu tomar o lugar dele.
Ninguém viu, ninguém ouviu. Uma bala, rápida e silenciosa, direto na cabeça. Ele caiu, e eu assumi o comando sem resistência. Era como se o morro já estivesse esperando por alguém como eu: com experiência, disciplina e sem medo de sujar as mãos. Tomar o controle foi fácil. A partir daquele dia, o Morro Vai Quem Quer passou a ter uma nova lei, a minha. Eu me tornei o Capitão Nascimento.
Agora, sou eu quem dita as regras. Quem sobe o morro sabe que pode não descer. Aqui, a vida e a morte são decididas por mim. Maria Rita se foi, Isabel é uma sombra que desapareceu, e o homem que eu era morreu junto com aquele traficante. Agora, só existe o Capitão Nascimento, o comandante deste morro. E assim vai continuar.
Estou sentado no meu posto de comando, uma laje improvisada, simples. O concreto cru, a vista do morro abaixo e a cidade distante, brilhando no horizonte. Aqui em cima, tudo parece pequeno, controlável. Mas lá embaixo, nas vielas, as coisas fervem. Sempre tem algo acontecendo no Morro Vai Quem Quer, e se alguém faz movimento sem minha permissão, a resposta é rápida. E fatal.
Puxo o cigarro com força, deixando a fumaça queimar a garganta antes de soltá-la devagar. O cheiro forte se mistura com o ar pesado da tarde. Gosto do silêncio aqui em cima, mesmo que ele dure pouco. É como uma pausa antes da próxima batalha. Sempre há uma próxima. E eu sempre estou preparado.
Vejo um dos meus homens subindo com a marmita. Ele caminha rápido, mas não apressado demais. Sabe que, aqui em cima, não precisa correr. Chega perto, coloca a comida na mesa improvisada com uma reverência silenciosa. Não preciso dizer nada. Ele acena discretamente e desce de volta.
Abro a tampa da marmita. Arroz, feijão, carne. O básico, sem frescura. Dona Cláudia prepara a comida. Ela sabe que eu prefiro assim: comida para sustentar, não para agradar.
Enquanto como, olho para a cidade lá embaixo. A fumaça do cigarro sobe em espirais lentas, misturando-se com o cheiro da comida. Tudo ficou diferente do que eu imaginava. Quando eu era capitão do exército, o mundo parecia mais simples. Aqui no morro, a linha entre o certo e o errado é quase invisível. Mas eu me adaptei. Sobrevivi. Me tornei o que precisava ser. Cada decisão, cada bala disparada mantém esse morro em equilíbrio. E esse equilíbrio sou eu quem dita. Eles entram aqui porque querem, mas só saem se eu deixar. Essa é a única regra que importa.
A vida no Morro Vai Quem Quer é assim: direta, sem firulas. Quem tenta complicar, não dura.
Solto o cigarro, apago no chão e fico observando o movimento lá embaixo. A comida já não tem mais gosto, mas termino assim mesmo.
Às vezes, sinto falta de uma comida mais elaborada. Algo mais caprichado, uma mesa bem posta, uma mulher servindo, com aquele olhar de quem se preocupa, de quem está ali pra cuidar. Mas isso não é pra mim. Nunca foi. Já tentei uma vez, e deu mer.da. Casamento? Não, não era pra mim.
Tentei ser um bom marido do jeito que sabia, mesmo sem amor, eu fiz o que pude. Dei casa, comida boa, roupa decente. Nunca fui homem de palavras doces, mas também nunca levantei a mão pra ela. Não até o dia em que ela me bateu. Fui fiel, sempre fui. Mesmo trabalhando demais, mesmo ausente, eu achava que isso bastava. Mas o que ganhei em troca? Traição. E não foi qualquer traição. Foi na minha própria cama. Ela reclamava que eu não parava em casa.. enchia o saco mesmo.. mas eu estaava almejando mais, depois, depois eu teria tempo para ficar em casa. Passaria
Mas não passou. Quando eu peguei aquele desgraçado no nosso quarto, tudo ficou claro. Todo o esforço que fiz, tudo o que dei, de nada serviu. Fui traído debaixo do meu próprio teto, no lugar onde eu deveria ter paz, onde eu confiava. Foi aí que percebi que esse negócio de casamento não era pra mim. Nunca mais.
Dou mais uma tragada no cigarro. A fumaça entra e sai devagar, como se fosse parte de um ritual.
Os anos se passaram e não conheci o amor, e nem estava em busca dela.. Amor era para os fracos,..