Eu já estava sem dormir 3 dias direto, não estou falando que tirei alguns cochilos, eu realmente estava sem dormir 3 dias direto, minha rotina era só delegacia, e quando eu chegava em casa, eu pesquisava tudo sobre o tal chefão.
Ainda não tínhamos o nome dele mas eu tinha o f*******:, não só o dele mas como de toda família, o f*******: não tinha nome dele, era nomes diferentes do tipo “ cantina na serra ”
“ foguetinho não sei o que ” .
Eu passava meus dias em claro pra descobrir cada passo, descobrir pra onde ele foi, descobrir quem matou os meninos, eu queria saber como eles morreram, se admitiram que foram eles.
Estava tudo muito confuso ainda, no máximo eu dava uma pausa quando meus amigos me ligavam, uma das pessoas que mais me ligou foi meu amigo Luan, Luan tinha sido uma pessoa que eu fiquei já, ele estava internado quando soube da notícia e mesmo assim fez questão de me ligar por chamada de vídeo quase a cada meia hora pra saber como eu estava.
Muitos amigos meu foram me ver, me mandaram mensagem.
Só que a única coisa que eu queria era só terminar esse caso, descobri tudo, tudo mesmo sobre o tal chefe.
Me fechei por completo, e eu não queria mais chorar, estava determinada que eu iria acabar com a vida dele.
Tirei um tempo pra refletir e pensei em mandar uma mensagem pro Gustavo, ele tinha sumido, literalmente, a última vez que vi ele foi na delegacia, não sabia se ele estava bem.
Mandei mensagem no i********: e nada, não estava on-line.
Mandei mensagem no f*******: e nada.
Eu não tinha mais o número dele, fiquei muito preocupada por questão dele estar sozinho nessa, eu tive apoio de todo mundo, já ele, ninguém nem sabia quem era, então a barra era bem pior.
Até minha mãe pediu pra eu insistir em mandar mensagem, mas no fundo eu sabia que ele estava querendo um tempo pra ele, tirando um tempo pra pensar, tempo pra refletir e voltar a estudar, trabalhar, sem ninguém atrapalhar.
Mas eu fui chata, queria pelo menos uma resposta, saber se estava bem, eu não poderia deixar de mandar mensagem, eu era a pessoa que tinha passado por aquilo tudo com ele, então eu sabia o que estava se passando por dentro.
Por fim depois de quase dois dias ele me responde.
- Oi, estou bem sim, obrigada por se preocupar, só preciso tirar um tempo pra mim, vou focar no meu trabalho e meus estudos.
- Tá bom, fica bem!
Confesso que fiquei um pouco triste, eu só queria conversar sobre tudo que tínhamos passado, era totalmente diferente conversar com todo mundo que não me entendia, que não passou pelo o que passei, mas ele estava lá, ele ouviu tudo, ele passou por tudo também, acho que talvez eu só queria isso pra realmente fazer minha fixa cair e voltar pra realidade.
Mas respeitei o momento dele, não mandei mais mensagem.
Ele sumiu das redes sociais, sumiu de todo lugar, o caso dele foi passado pra marinha, então ele não precisava ir muito na delegacia, só eu mesmo.
Por fim chegou segunda feira.
Dia 06 de maio.
Tirei print de tudo que ligava a ele, fui primeiro no hospital fazer os exames que tinha que ser feito, depois fui pra delegacia.
- Andreza, bom dia!
Sabemos quem é o tal chefe. Matheus Muqui Simão. Este é o nome dele, achamos também o seu telefone que foi vendido por 100,00 reais pra uma mulher, e quem vendeu o celular foi a própria namorada do cara que fez isso com você!
Eu fiquei sem palavras pra descrever o que eu tinha acabado de escutar, cada vez que eu sabia mais da história, eu perdia a fé na humanidade, a mulher dele, além de aceitar o que ele fez, ainda vendeu meu celular por 100,00 reais pra outra mulher, que também sabia do meu caso e sabia que aquele era o meu celular.
- O que vocês fizeram?
- Ela está presa. E o Matheus realmente fugiu, ele não mora mais aqui e nem pode voltar, os próprios meninos da favela não aceitou essa situação. Só vamos ter que ficar com o seu celular pra pegar as informações, daqui há uma semana mais ou menos, devolvemos a você.
Agora vem cá e vamos começar tudo de novo, conta pra gente tudo que aconteceu desde o início.
Meu pai amado, tudo de novo outra vez.
E assim passou mais um dia, contando tudo detalhadamente.
Mostrei tudo que eu consegui pesquisando sozinha, ajudou na investigação. Mas eles pediram pra eu não mexer mais com isso, que era perigoso pra mim, me encaminharam pra um psicólogo e disse que eu precisava fazer tratamento.
No dia seguinte fui pra psicóloga, de imediato eu não falei nada, depois comecei a contar.
Ela perguntou quantos dias eu estava sem dormir e eu falei que eu não dormia desde o acontecido, mesmo tomando remédios pra dormir.
Ela queria me encaminhar pra um psiquiatra pra eu tomar os remédios certos, pra eu descansar.
Eu recusei, não só o psiquiatra como o psicólogo, não fui mais, falei que eu não precisava disso, que eu não queria depender de remédios, que meu remédio seria somente encontrar o Matheus.
Eu tive rejeição total de tudo ao meu redor, chegava em casa e só me trancava no quarto com o celular na mão, e pesquisando todas as pessoas com o sobrenome “ Muqui Simão ”
Achei a família inteira, e achei o irmão dele que era idêntico a ele, cagado e cuspido, a família dele toda se parecia, consegui a foto da identidade do Matheus de 2014. Mas era muito antiga, o rosto estava completamente diferente.
Fiz montagem comparando a foto de 2014 com todas as fotos que a família dele postava.
Então por um momento achei a irmã dele que postou um vídeo com vários meninos que tinha morrido, amigos dela, postou um vídeo de saudades. E algumas fotos do vídeo tinha mais pessoas na foto acompanhada dos meninos que morreram, e achei ele.
Tirei print na mesma hora, comparei a foto e era ele, todos os traços, o rosto meio cheio.
Eu fiquei com gosto de vingança na minha boca, eu não expressava mais nada, nem dor, nem carinho pelas pessoas, só tinha foco em achar ele.
Por fim quando eu ia ver mais coisas o meu irmão Wellington liga dizendo que o filho dele ia nascer.
Minha cunhada com essa situação toda, acabou ganhando um pouco antes do tempo, teve complicações no parto mas no final deu tudo certo! Quando fomos pro hospital, fomos no carro da minha irmã, eu estava muito doida da cabeça. Ela parou o carro pra abastecer, quando o frentista veio em direção ao carro, ele veio muito rápido e eu comecei a gritar no carro.
Fiquei em desespero, todo mundo me segurou dizendo pra eu me acalmar.
- Andreza, calma, calma, você está com sua família, somos nós, sua família, ele só vai abastecer o carro.
Eu estava tão fora de mim durante esses dias que eu esqueci que ainda existia o mundo e minha vida depois disso. Respirei fundo, pedi desculpas e achamos melhor eu ir pra casa, eu não estava pronta ainda pra ir pra rua daquele estado.
Em casa ao invés de eu descansar, eu continuei fazendo minhas pesquisas, e achei a namorada dele que estava grávida de quase 8 meses. Eu via ela postando várias coisas com ele, mas ele ainda estava em Cabo Frio.
Fiquei matutando aquilo, fui e mandei mensagem.
- Oi, posso falar com você?
Na mesma hora ela respondeu.
-Sim pode!
- Você viu o meu caso né?
- Sim, está em todo lugar!
- Foi o seu marido que fez isso!
Onde eu estava com a cabeça de fazer uma coisa dessa? Eu realmente estava fora de mim. Fiquei muito doida.
- Não foi ele não, ele é dono da boca e eu estava com ele no dia que aconteceu isso com você!
- É ele sim, você está acobertando, vou provar que é ele!
Tirei print de tudo e fui pra delegacia no dia seguinte, joguei todas as provas na mesa e falei.
- Achei ele, vamos lá, esse é o garoto, tenho aqui fotos dele, localização, mandei mensagem pra mulher dele e quando ela me respondeu ativei a localização. Sei onde eles estão.
A polícia viu tudo, pediu pra eu me acalmar, eu não entendia o motivo deles querer ir comigo, disse pra eu tirar isso da cabeça que eles assumiriam o caso, disse que eu precisava descansar, meus olhos estavam saindo pra fora, eu tinha emagrecido 6 quilos já. Fiquei igual uma caveira de tão magra.
- Não manda eu ir pra casa, eu achei ele, eu achei ele, vamos lá.
- Andreza, não é assim, você precisa manter a calma, nós que somos a polícia, ele fugiu.
- ELE NÃO FUGIU, ELE ESTÁ NA FAVELA!
- Olha, senta aqui, precisamos a última vez passar a história por completo.
Sim, tive que contar tudo de novo. Eu não aceitava que eles não queriam me escutar, então mandei mensagem pra Gustavo.
- Gustavo, achei ele, vem na delegacia me ajudar a reconhecer.
Ele estava de serviço, mas largou tudo e foi lá correndo me ajudar.
A polícia mostrou as fotos que eu tinha conseguido pra ele.
- Realmente parece, mas não posso afirmar, eu fiquei muito tempo no porta malas e eles não deixava eu ver o rosto deles.
Por fim, não foram atrás dele neste dia.
Fiquei inconformada, eu queria ir eu mesmo sozinha, pegar um uber até certo local e ir sozinha, na minha cabeça eu tinha bolado um plano perfeito, cortar meu cabelo, pintar, botar um boné, rastrear eles, entrar na favela e matar ele com a faca.
Eu não sei como pude chegar a esse ponto de pensamentos, e motivação de viver por vingança.
Infelizmente o tempo foi passando, e não tinham mais respostas pra mim, eu continuei indo pra delegacia, pra contar a mesma história várias vezes, foram mais de 15 dias direto assim.
Se dormi nos próximos dias 3 horas a cada noite, foram muitos. Eu não dormia, eu não comia.
Quando deu 15 dias, minha sobrinha Petrussia decide fazer uma social no nosso apartamento e me chama.
- Andreza, vou fazer uma social só pros mais chegados, pra gente receber você, você precisa disso. Precisa tentar voltar sua vida, você está acabada, muito magrinha! Oque você acha?
- Não quero Pê, não consigo falar com ninguém.
- Vamos, vai ser bom pra você!
Falei com minha mãe e ela me incentivou a ir, ela sabia como eu estava dentro de casa, ela sabia que iria chegar algum momento e eu iria querer me jogar da varanda.
- Vai minha filha, só manda alguém te buscar aqui na porta de casa, e só sai do carro dentro da garagem.
Eu fui, quando cheguei lá e vi a rua onde tudo tinha acontecido, fechei meus olhos e respirei fundo.
Tá tudo bem, está tudo bem!
Sai do carro dentro da garagem e entrei, só tinha a Pê ainda. Fui direto pro meu quarto.
Meu Deus que saudades da minha casa, do meu quarto, que saudades da minha vida, foi ali que percebi que era minha responsabilidade agora, saber se eu ia ou não continuar vivendo, passar por cima de todos os obstáculos.
Fingir pro mundo que eu estava bem, todo mundo sabia que eu não estava bem, estava mancando ainda, mas eu falei pra mim mesmo.
Eu estou bem! Eles morreram, e um não está aqui, se está, pode deixar vir atrás de mim, vou matar ele com minhas mãos.
Eu tinha ganhado um kit socorro, arma de choque, uma faca especial pra isso, lanterna e um mini frasco de pimenta. Pra onde eu ia, levava comigo, até ao banheiro.
Botei uma roupa bem bonita, fiz uma maquiagem, e vi minha sandália arrebentada no canto do quarto. Lembrei do dia que eu estava ali no mesmo quarto me arrumando pra ir jantar e nunca mais voltei.
Olhei no espelho e depois de tanto tempo, me senti bonita, mais uma vez, e pensei que talvez seria melhor seguir em frente mesmo, sem pensar nisso e agir minha vida, voltar pro meu trabalho e voltar pra minha casa.
Liguei pro meu tio.
- Tio, quero voltar a trabalhar amanhã.
- Andreza, acho perigoso, a loja vai até as 19:00 e você fica sozinha lá as vezes.
- Tio, por favor, eu não posso mais ficar em casa, vou me matar, preciso agir minha vida.
- Tá bom, amor! Não vou te deixar mais na loja sozinha então.
Pronto! Vou voltar a trabalhar e vou voltar a morar aqui, não tem como eu ficar na minha mãe esse tempo todo, se quero voltar minha vida, vou voltar, você precisa entender que foi uma consequência, poderia ter acontecido em qualquer lugar, qualquer horário e com qualquer pessoa, essa é sua casa, seu lar, você vai conseguir.
Ouvi as pessoas entrando no apartamento e eu saio do quarto.
Todo mundo me olha com cara de pena e eu fingi que nada tinha acontecido, abri um sorriso no rosto e botei uma música.
- Vamos dançar gente, vem, vamos celebrar a vida.
Ficou todo mundo meio desconfiado de eu estar sorrindo, e eu só queria que eles parassem de me olhar daquele jeito.
Fechei os olhos e dancei sozinha, depois todo mundo dançou junto, acho que entenderam que eu precisava daquilo.
Por um momento eu esqueci o que tinha acontecido comigo, era como se eu estivesse drogada, de olhos fechados na sala, tv com som e eu dançando no meio da sala em volta de todo mundo, e foi uma sensação de alívio.
Sensação de vida, de suspiro, sensação de gratidão por cada respiração, e eu sorria, sorria e comecei a pular, pular muito, começou a cair lágrimas dos meus olhos de leve sabe, esqueci até da dor que eu estava sentindo, esqueci que estava mancando ainda pela injeção. E fui beber água.
Simplesmente vem 3 pessoas e diz.
- Nossa Andreza, como aconteceu isso, conta como foi o estupro.
Acabou minha noite, porque me fizeram lembrar disso? O que custava fazer eu ter uma noite em paz, eu só queria ficar feliz de novo uma noite sem lembrar disso. Veio tudo a tona e quando me dei conta, cai no chão chorando e chorando e chorando.
- Desculpa, eu não sabia que ia ficar assim, você estava bem agora.
Vem Petrussia com a pá na mão expulsando todo mundo.
- p***a, vocês estão de s*******m né? Era pra ser um dia bom pra Andreza, ela estava gostando e vocês acabaram com tudo, todo mundo pra fora agora, bora, acabou a festa! Todo mundo pra casa.
Fui pro meu quarto, deitei na cama e pude ter a certeza que nada seria como antes, mesmo eu fingindo estar bem, mesmo eu fingindo sorrir, fingindo que nada tinha me afetado, eu sabia como eu estava por dentro, um lixo ainda. Não tinha como esquecer essa história, não tinha como passar por cima disso tudo sem sofrer. Só tinha uma escolha
Fingir estar tudo bem! Voltar minha vida fingindo, ninguém precisa saber como eu estava destruída por dentro, era horrível o olhar das pessoas pra mim, olhar de pena, olhar de como se eu fosse uma coitada.
Então fingi ser outra pessoa, fingi ser uma pessoa que eu não era, pra eles duvidarem mesmo se eu estava feliz ou não.
Continuação capítulo 9.