—Escolhida?— Meu pai encara Abby. —Escolhida exatamente para quê?
Abby examina meu pai. Apesar de ele ser três vezes maior que ela, Abby não se intimida. Muito pelo contrário, ela bota no rosto um sorriso travesso e arqueia as sobrancelhas.
—O senhor deve ser o Sr. Baker. Que bom que chegou, eu sou Abby e esse é meu pai. Nós queremos levar sua filha para treinar e salvar o mundo.— Ela fala com a maior naturalidade do mundo, convicta do que diz.
Meu pai pisca algumas vezes. Ele bota a mão nas costas, onde guarda sua espada curta.
—Desculpe, minha filha é um pouco direta. Acontece que Tara é elementar. Há algum tempo recebi uma profecia de reunir os cinco elementos para derrotar Diana.— Tobi, o homem alto de cabelos brancos, diz ao meu pai.
Meu pai ainda parece atordoado. Ele não esperava chegar em casa e encontrar isso. Não sei nem se ele esperava que eu tivesse alguma habilidade.
Minha mãe observa os dois estranhos à nossa frente, estudando-os, como a ninja desconfiada que é.
—Vamos nos sentar.— Ela direciona o pai e a filha para a nossa sala e espera os dois sentarem antes de sentar.
Meu pai e eu nos olhamos. Somos uma família bem cooperativa, mas se nos perguntassem quem é o líder da família, diríamos, sem dúvidas, que é Sara Baker.
—Quem lhe deu a profecia?— A primeira pergunta surge de meu pai. Maxwell Baker só não é mais desconfiado que a própria esposa.
—Uma velha bruxa mística. Eu fazia parte do ciclo de Diana. Ela prezava a unificação dos ninjas. Mas um dia o seu discurso mudou. Acredito que ela sempre teve esse plano e a unificação dos ninjas foi apenas uma isca para recrutar ninjas pro seu lado. Quando ela anunciou que seu objetivo era acabar com humanos e assim ter um mundo apenas de ninjas. Eu sabia que era errado, eu queria sair, até que essa ninja mística veio até mim e me deu a profecia.
—Como vou saber que tudo isso é invenção e você só quer usar o poder da minha filha?— Meu pai se mexe desconfortável ao meu lado. Sua pergunta sai em um tom acusador, porém, não é agressivo.
Tobi olha para a filha e depois para meu pai.
—Sabe, minha filha é mais poderosa que a sua. Se eu quisesse usar os poderes de alguém, seriam os dela. Mas não é isso. E Tara não é a única. Há 4 meses descobrimos um jovem do elemento vento, se quiserem pode falar com ele ou sei lá. Mas eu lhe garanto, a única coisa que quero de sua filha, é a participação dela contra Diana.— Tobi olha de minha mãe para meu pai. Em momento algum, mesmo que minha mãe não esteja ativa na conversa, ele a exclui. Talvez ele saiba que a palavra final será dela.
Meu pai parece sem argumentos.
—E como seria essa participação?— Ele pergunta após um tempo.
—Quero levá-la comigo e treiná-la. Tara ainda não descobriu seu elemento e eu trabalharei duro para que ela descubra, se transforme e seja a ninja mais poderosa.— Tobi mais uma vez olha para minha mãe.
Abby limpa a garganta e olha f**o para o pai. Imagino que a garota não goste da ideia de ter outra ninja poderosa. Talvez ela não tenha que se preocupar com isso, as chances de eu ser uma ninja elementar são extremamente pequenas.
—Eu não quero que ela vá.— Meu pai diz decidido.
—Eu quero.— Minha mãe fala baixinho, porém, audível o bastante.
Meu pai pega a mão da minha mãe e olha nos seus olhos. Os dois se olham como se conseguissem se comunicar apenas assim.
—Querida, ele quer tirá-la de nós.
—Eu sempre soube que Tara era especial. Deixe-a seguir seu destino.— Minha mãe diz com toda a convicção do mundo.
Então eles começam a falar motivos para eu ir ou ficar descontroladamente. Não como uma briga ou discussão. Nunca vi meus pais brigando.
Tobi parece bem desconfortável, mas Abby presta atenção na conversa. Ela me olha, como se tivesse pena de mim. Isso me enfurece. De repente, a garota se levanta e fica entre meus pais.
—Quietos!— Abby diz e meus pais a encaram. Eles não parecem nada felizes por ela ter interrompido a conversa.—Tara já tem 18 anos, não é mais um bebê debaixo da asa de vocês, ela pode decidir sozinha e o que ela decidir vocês dois terão de apoia-la.
Então todos me olham.
Querem uma resposta.
Se esse homem tiver certo, esse seria um primeiro passo para realizar meu sonho. Mas nunca fiquei longe da minha família antes, realmente é uma decisão importante.
Então ouvimos um barulho da cozinha. Os olhos pretos de Dylan me fitam. Ele me faz lembrar por que estou aqui. Para ser uma ninja. A melhor. É por isso que vim parar nessa família.
Olho pro meu pai. Ele não está longe de mim. Pego suas mãos e o encaro.
—Papai, estou nessa família por isso. Para ser uma grande ninja. E acabar com Diana é um primeiro grande passo para realizar meu sonho. Sinto muito, terei que aceitar.— Digo tentando ler sua reação.
Ele apenas pisca várias vezes com um olhar perdido, então olha pra mim. Dessa vez com um pequeno sorriso.
—Você sempre foi tão corajosa.— Ele diz e beija minhas mãos. Então se vira para Tobi.—Ela poderá voltar nos fins de semana?
Tobi dá um sorriso e Abby também.
—Sim, claro. Mas Diana é esperta e se ela descobrir o que estou fazendo, Tara e os outros jovens terão que ficar em segurança máxima.— Tobi explica.
—Entendo.— Meu pai diz.
—Você será a melhor.— Minha mãe diz no meu ouvido.
—Então vamos, arrume suas malas, eu te ajudo.— Abby diz segurando meu braço e me puxando para o meu quarto. Ela quase entra no quarto de Dylan, o que seria uma grande confusão.
Essa sensação que sinto quando estou com Abby, não parece ser boa. É como se ela fosse r**m para mim. Não sei explicar.
Entro no meu quarto e Abby esvazia meu guarda-roupa. Colocamos tudo em duas malas, acrescento um porta-retrato com a foto da minha família e meu travesseiro, pois não consigo dormir bem sem ele.
—Você tem poucas coisas.— Abby reclama.
—Eu tenho o bastante.
É verdade, eu tenho poucas coisas. Eu nunca achei que precisaria de muita coisa, ser um ninja é a coisa mais importante para mim, não quero distrações. Amigos, namorados... Eu vou ter tempo de conhecer pessoas quando eu for uma ninja incrível.
Após as malas arrumadas, descemos as escadas e todos estão conversando. Não tem mais aquele clima h******l de antes. Meu pai é o primeiro que me vê. Minha ligação com ele sempre foi maior. Eu sempre tive a sensação de ser tudo que ele queria e isso me deixa muito feliz.
—Então você volta...— Ele diz
—No sábado.— Respondo.
—Certo.
Não nos despedimos, apenas um tchau, como se eu fosse vê-los mais tarde. Sigo Tobi e Abby até um carro esportivo muito bonito. Sem dúvidas, não tem nada a ver com Tobi. Mas Abby dentro dele parece que nasceu ali.
Entramos no carro e vamos por um caminho que nunca percorri até pararmos em frente a um bar. Olho para o outro lado da rua e tem apenas um banco e ao lado, uma mercearia. Abby e Tobi saem do carro e eu saio junto.
Eles vão em direção ao bar.
—Vamos comer antes?— Pergunto lembrando que não tomei café da manhã hoje.— Acho que comida de bar não combina bem no café da manhã.
Abby dá uma risada.
—É aqui onde vocês ficarão.— Tobi diz.
Paro onde estou.
—Em um bar?— Isso só pode ser alguma pegadinha. Eu juro, não importa se eles são mais fortes, eu vou matá-los se isso tudo não passar de uma brincadeira.
—É um disfarce.— Abby diz.
Respiro algumas vezes antes de prosseguir. Passamos por dentro do bar. Todos os funcionários cumprimentam Tobi e Abby.
Entramos na cozinha, onde não sei diferenciar o que é maior, a bagunça ou a gritaria. Todos falam alto. Sai fumaça dos fogões, vejo pratos e bebidas passando de mão em mão. Coisa de doido.
—Aqui.— Tobi diz. Ele abre uma porta e entramos. É um corredor/ladeira onde parece ser à prova de som, já que não ouço mais nenhum barulho da cozinha. Passamos por uma escada e vamos direto em direção a uma grande porta de metal. —Abby te passará a senha.— Tobi diz digitando rapidamente uma sequência de pelo menos 9 números em um pequeno painel ao lado da porta, então ela se abre.
Entramos e ela se fecha. Olho em volta. A sala de treinamento que tenho no porão de casa nem se compara ao tamanho dessa. Tem tantos equipamentos e tanto espaço que eu levaria algum tempo para chegar ao outro lado. É incrível!
Armas de todo tipo em um canto, cordas no teto, uma montanha de escalagem, vários bonecos de treino, uma arena enorme, uma espécie de circuito, alvos, e mais um monte de coisa que meu cérebro está absorvendo.
—Uau.— Falo.
Então vejo alguém. Um garoto. Ele está no topo de uma corda. Tobi acena para ele e o garoto salta para a próxima corda, ele pula, faz um selo e aponta as mãos para o chão. De repente ele está flutuando até o chão. Tem um arco preso na sua cintura e várias flechas nas suas costas. Ele usa uma calça jeans preta e uma blusa verde. Seu cabelo castanho balança enquanto ele anda, mesmo que eu não veja nenhum sinal de vento aqui dentro.
—Tara, esse é Mike. Ele é do elemento vento. Ele está conosco há 4 meses.— Tobi diz.
Mike me encara de cima para baixo. Uma energia inferior e ao mesmo tempo postiços vem dele. É estranho, mas sinto que ele me deixa mais forte. Eu me sinto revigorada.
Abro um sorriso.
Ele estende a mão e eu a aperto. Ele parece ser muito calado e quieto.
—Mike Martin.— Ele diz. Sua voz é grave sem esforço, ele não tem sotaque, o que indica que é daqui, e sua aparência não é bem uma aparência ninja. Ele é alto e forte, mas não é isso que chama atenção em um ninja.
—Tara Baker.— Me apresento.
É impossível ignorar essa sensação quando nossas mãos se tocam.
—Olha a cara deles, pai! Eles têm uma espécie de ligação. Os elementos deles devem combinar ou serem opostos. — Abby bate palminhas e olha com expectativa para o pai.
—É verdade. Assim que buscarmos os outros jovens, vamos nos concentrar em descobrir seus elementos.— Tobi abre um sorriso que me parece esperança.
Ligação? Com vento? Que tipo de elementos tem ligação com vento? Eu não sei nada sobre ninjas elementares. Apenas sei sobre suas profecias e aparições únicas por geração.
—E você vai ler a profecia para nós?— Ela pergunta com olhos brilhantes. Tobi coça a cabeça.—Vamos, você prometeu que quando tivermos os cinco elementos, você diria a profecia.
Tobi suspira. Olha para filha e balança a cabeça afirmando. Algo me diz que essa profecia não é algo realmente bom. Se não ele não teria escondido da própria filha.
—Mike, você pode mostrar o quarto de Tara? Voltaremos até a noite com os outros e amanhã começamos o treinamento.— Tobi acena com a cabeça para Mike, que responde com outro aceno.—Vamos Abby.
Eles nos dão as costas e saem.
Olho para Mike. Ele tem feições bonitas. O rosto é jovem, tem olhos comuns, as sobrancelhas grossas, um nariz grande que combina com seu rosto. Lábios grossos embaixo de um bigode comum e bagunçado que se liga a uma barba rala e um pouco falhada. O cabelo parece que já foi bem curto, mas não corta há uns 3 meses. E nem penteia. Mas, de alguma forma, essa aparência v*******a é atraente.
—Então, você gosta de arco e flecha?— Pergunto para puxar assunto, e de certa forma, estou curiosa.
Ele olha para o arco na sua cintura, dá as costas para mim e sai em direção às outras armas. Mike não é de muitas palavras, entendi.
Eu o sigo.
—Eu sei manusear qualquer a**a desse arsenal, mas espada e arco e flecha são meus preferidos.— Novamente a voz grave.
Ele guarda seu equipamento junto com as outras armas e se vira para mim. Percebo que ele espera que eu saia do meio. Eu não saio.
—Como são eles? Abby e Tobi.— Pergunto a ele. Não gosto da posição que estou. Nasci com muitos dons, mas desprovida de uma altura ao menos mediana. E Mike não tem esse problema.
Mike parece ter uns 19 ou 20 anos. Eu tenho quase sua idade, mas ele me olha como se eu tivesse 12 anos. Deixo ele passar, prefiro olhar de longe para as suas costas. Ele passa por mim e eu o sigo.
—Tobi é um ótimo professor, ele me ensinou a controlar meu elemento, é o que mais tenho dificuldade e Abby e eu não nos falamos muito.— Ele olha em volta.—Vou leva-la ao seu quarto. Cadê sua mala?
Oh. Minhas malas...
—Ficaram no carro.— Respondo olhando pra porta, como se magicamente fossem aparecer lá.
Mike para de andar, olha pra mim e arqueia as sobrancelhas. Ele não diz nada e continua andando.
Eu queria tanto tomar um banho.
Sigo Mike e aproveito para fazer perguntas, mesmo que ele não pareça ser a pessoa mais feliz do mundo em responde-las.
—Você disse que não é muito bom em controlar seu elemento. Aquilo que você fez foi incrível!— Digo lembrando de como ele usou o vento para ter um pouso satisfatório.
Ele debocha.
—Aquilo foi só o que eu aprendi nos 4 meses que eu estou aqui. Meu elemento em poder máximo, pode cortar como uma foice e a única coisa que consigo é flutuar por alguns segundos. — Ele parece frustrado. Eu não sei, não vejo seu rosto. Ele usa uma camisa um pouco menor do que seu tamanho, então consigo ver cada curva de suas costas.
—Sabe, até ontem eu tinha certeza que meu elemento era algo bem pequeno. E hoje estou aqui. As coisas mudam rapidamente, tenho certeza que você vai conseguir.— Eu o incentivo. A ansiedade dentro de mim vibra, estar aqui, essa mudança, eu estou extasiada e apenas coisas boas vão sair de mim hoje.
Ele não responde. Saímos da sala de treinamento e subimos a escada pela qual passei com Abby e Tobi. Tem um corredor com 6 porta de um lado e do outro, a visão perfeita de toda a sala de treinamento.
—Tobi não disse qual quarto você ficaria, mas eu aconselho um bem longe do da Abby.— Ele diz quando paramos no quarto de número 5.
—Certo. —Abro a porta. O quarto é simples. Todo branco, com uma cama enorme, um closet, um criado mudo com um despertador e uma porta onde imagino ser o banheiro.
—Você pode decorar se quiser. —Ele diz e entra no quarto de número 6. Eu imagino que o quarto de Abby seja um dos primeiros.
Entro no meu quarto. Deito na cama. É macia. Quem sabe eu até possa dar um cochilo. E assim, m*l percebo quando caio no sono.
Ouço batidas na porta. Me levanto rapidamente e fico alerta. Demora um pouco até eu me adequar ao lugar e lembrar porque não estou no meu quarto.
— Quem é?— Pergunto.
—Almoço.— É a voz de Mike.
Abro a porta e o encontro com uma bandeja e nada satisfeito. Tem sido ele e Abby por meses, ele mesmo disse que m*l falava com ela. E agora eu chego e troquei mais palavras com ele hoje do que com meu irmão esse mês, e ele ainda me traz almoço. Isso deve tá sendo muito incômodo.
—Obrigada.— Pego a bandeja da sua mão e entro no quarto.