Hoje é sábado, o dia da nossa primeira missão junto: proteger Rachel Wells. Depois da luta de ontem, Clariss cuidou primeiro de Mike, então todos os outros estavam com Adam para garantir que ele estivesse bem. Todos menos eu.
Sentei-me no chão, encostada na parede, enquanto Mike e Clariss estavam à minha frente. Estávamos todos em silêncio, observando os ferimentos na mão de Mike se fecharem. Era impressionante vê-lo segurando aquela lâmina. Ele poderia ter perdido alguns dedos.
Então, Clariss se virou para mim.
—Vou precisar da sua ajuda com essa faca. — Ele apontou para a faca que ainda estava dando choques.
Aproximei-me com cautela. Não sei por que não fui ficar com Adam como todos os outros. Mike e eu não temos uma amizade verdadeira, mas Abby mesma disse: ele é meu cara.
—Como posso ajudar? — Perguntei a Clariss, aliviada por poder ser útil.
Clariss examinou o ferimento e olhou para Mike, com um olhar de médico prestes a aplicar uma injeção.
—Isso pode doer. — Ele avisou, e lá estava.
Mike apenas balançou a cabeça, olhando para mim. Percebi que ele respirava fundo, e então percebi que eu também estava. Somos ninjas, não deveríamos sentir dor, mas algo no olhar de Mike me preocupava.
—Ele segurou uma lâmina com a mão. Um cara assim não sente dor. — Eu disse, tentando aumentar sua autoconfiança. Ele era o cara que segurou a espada do adversário com as próprias mãos e virou o jogo.
Ele retribuiu com um sorriso quase imperceptível, olhando para Clariss.
—Eu aguento. — Ele disse com a voz do Mike que eu conhecia. Aquele que carregava a carranca, como se não se importasse.
—Certo. Tara, você vai retirar a faca com as duas mãos devagar, e eu vou tentar fechar o ferimento ao redor dela para não haver hemorragia ou sequelas. — Clariss explicou, e não parecia complicado.
Respirei fundo e segurei a faca com as duas mãos. Mike fez uma careta de dor, mas não disse nada.
A luz verde começou a sair das mãos de Clariss, e ele as colocou ao redor da faca.
—Puxe um pouco a cada 3 segundos. — Ele instruiu.
Devagar, puxei a faca para cima. Era possível ver um pouco de sangue, mas a pele começou a se regenerar ao redor dela.
Mike segurou meu braço, e eu me assustei, fazendo a faca entrar novamente. Ele soltou um gemido de dor, mas parecia mais bravo consigo mesmo do que comigo. O cara não se entregava nem com uma faca enfiada perto do tornozelo.
Clariss estalou a língua. Ele não parecia estar com raiva.
—Tudo bem. Segure a mão dele com uma mão e retire a faca com a outra. Vamos tentar de novo. — Clariss disse, olhando firmemente para mim. Ele sabia que Mike precisava de apoio, mas não iria ceder.
Olhei para Mike. Sua testa estava suada, e sua mão ainda estava no meu braço. Segurei sua mão com força, e ele não protestou. Assim que Clariss me deu o sinal, puxei a faca.
A partir daí, foi mais fácil. Mike apertava minha mão forte, e mesmo que eu sentisse dor, não soltava sua mão. Mais tarde, Clariss teve que cuidar da minha mão, mas eu não reclamei.
Após ele voltar ao ferimento no peito de Mike, ele ficou mais confortável. Voltei ao meu lugar, segurando minha mão, e ele simplesmente soltou uma risada como se nada tivesse acontecido.
—Eu sou incrível. — Ele disse, olhando para mim.
Não pude deixar de sorrir. Ele já estava se achando o homem de aço.
—Calma aí, colega. Você só venceu uma luta. — Eu disse, cortando seu barato. Às vezes, Mike parecia ter uma autoconfiança inexistente e, às vezes, parecia até perigoso alimentar isso, tão grande que era. E o mais incrível era que isso mudava em minutos.
Mike balançou a cabeça.
—Não por isso, fiz Tobi prometer que diria a profecia para o vencedor. — Mike disse orgulhoso.
Passei um longo tempo pedindo que ele me contasse quando Tobi contasse a ele, e ele apenas se aproveitava da situação para dar boas risadas.
E agora estou com Abby, Adam e Will vendo de longe Mike e Tobi conversarem, e eu acabei soltando o assunto da conversa.
—Sabe, eu não entendo. É o seu pai, como ele não te contou? — Adam pergunta para Abby.
Ela fecha a cara.
—Não contamos tudo um para o outro... ainda bem. — Ela murmura a última parte.
—Como eu queria ser uma mosquinha para ouvir. — Digo.
Ficamos observando os dois. A conversa parece séria, apenas Tobi mexe a boca. De repente, Mike dá um murro na parede. Ele e Tobi começam a discutir e terminam com Tobi gritando algo para Mike, que o faz se encolher.
O que tem essa profecia que fez Mike reagir assim?
Mike passa por Tobi e vê que nós estávamos olhando para ele. Ele passa por nós sem nos encarar e vai direto para o arsenal polir sua espada.
Logo Tobi se junta a nós.
—Então... — Abby começa.
—A profecia... — Adam continua.
Antes que eu pudesse falar algo, Tobi levanta a mão para nós.
—Vocês vão saber quando estiverem prontos. — Tobi diz e olha para todos nós. Ele percebe Mike no arsenal e suspira. — A missão de hoje. Vamos sair às 6 para estudar o perímetro, repassar o plano e cuidar de todos os detalhes.
—E Rachel Wells? — Abby pergunta.
—Tara e... Adam. Vocês vão ser a escolta dela até a boate. O ninja que tentará sequestrá-la agirá dentro da boate, mas devemos prevenir todas as possibilidades.
—Por que a Tara e não eu? Eu adoro ela! — Abby protesta.
—Exatamente por isso. — Tobi responde.
—E por que eu? Não quero ficar de babá. — Adam diz.
—Tara não tem poderes, quero alguém com poderes perto dela. — Tobi responde.
Ele tem razão, mas me senti levemente ofendida. Eu tenho a plena capacidade de escoltar Rachel Wells até a boate.
—E o Mike? Ele não era o líder? — Will pergunta no fundo.
Tobi assente.
Ele limpa a garganta e olho para onde Mike está.
—Mike? Pode vir aqui? — Tobi diz alto o bastante para ele escutar.
Mike levanta a cabeça. Encarando Tobi, ele larga sua espada e vem até nós, parando ao meu lado.
—Mike. Você é o líder dessa missão. Ficamos combinados de Tara e Adam escoltarem Rachel até a festa, e você vai
liderar lá dentro. Vou ficar do lado de fora buscando informações. — Tobi diz a Mike.
Mas Mike não olha para ele. Apenas se põe à nossa frente como um líder nato.
—Lá dentro, quero que cada um tenha um disfarce. Abby, você vai ficar perto do bar, observe cada pessoa que pega cada bebida. Não apareça muito, sua aparência vai nos entregar. — Mike diz, olhando para Abby.
—Certo. — Ela diz.
—Will, vamos te arranjar a área VIP. Você vai parecer deslocado, ninguém suspeitará de você. Quero que decore cada rosto que tiver naquela área. — Mike diz a Will.
—Entendido. — Will responde.
—Tara e Adam. Vão chegar como companhia da Rachel. Ela é uma celebridade, vocês devem se comportar como se fossem também. Se soltem. Chamem atenção. E nunca, em hipótese alguma, tirem os olhos da Rachel. — Mike fala.
Tobi se põe ao lado dele.
—E você? — Ele pergunta a Mike.
—Eu vou identificar os ninjas. Assim que eu souber quem são, passo informações para vocês, e Abby e Will não vão tirar os olhos deles. — Mike explica.
—Mas então, por que temos que olhar quem está na área VIP e no bar? — Will pergunta.
—Não sei quando vou identificar os suspeitos, preciso de vocês de olho na festa inteira enquanto isso. — Mike diz.
—E o plano para quando pegarmos ele? — Adam pergunta.
Mike abre um sorriso de lado.
—Essa é a melhor parte.
.........................
Tobi entrega as chaves do carro para Adam, que parece estar recebendo a chave da cidade.
—Toma cuidado com o carro. — Abby diz.
—Tá brincando? Meu sonho é ter um carro desse desde meus 14 anos! — Adam diz.
Abby abre um breve sorriso.
—O carro é meu xodó. Por favor, não arranhe ele.
—Chega de conversa. Estão todos de acordo com o plano? — Mike nos interrompe.
Todos respondemos "sim" em uníssono e prosseguimos.
Adam entra no carro, e eu vou ao seu lado.
Ele parece radiante durante o caminho, nenhum comentário m*****o ou flerte impróprio para o momento.
—Quantos anos você tem? — Pergunto para quebrar o gelo.
Adam olha para mim.
—Por que quer saber? — Ele pergunta.
—Apenas quero saber. — Retruco.
Adam revira os olhos e se mantém focado na direção. Tudo bem. Não está mais aqui quem perguntou.
E só quando estamos na metade do caminho, Adam se vira para mim.
—Fiz 20, mês passado. — Ele responde.
—Você despertou seu elemento com 20 anos? Meu Deus, nunca vou despertar o meu. — Falo.
Adam solta uma risada.
—Você vai despertar logo, logo. Tem muita gente te ajudando nisso. — Ele diz.
Percebi agora uma pontada de inveja em sua voz.
—O que quis dizer com isso? — Pergunto.
Adam olha para mim, provavelmente se perguntando se pode confiar em mim. Com meus olhos preocupados, ele deve ter percebido que sim.
—Minha mãe não se casou com um ninja como ela. Meu pai abomina ninjas, fez minha mãe deixar a profissão, agora ela é apenas uma dona de casa que costura. Meu pai é policial, ele lida com casos diariamente de mortes em missões, ele não acredita que nosso sistema funciona. Inocentes morrendo para proteger um número bem maior de pessoas. Enfim, ele não me aceita. Treino escondido desde meus 16 anos com meu tio. Ele me ensinou a manusear uma espada.
Fico calada.
Nosso sistema. Desde que esse sistema rigoroso começou a funcionar, a violência tem diminuído significamente, mas algumas vezes acontece a tragédia de inocentes serem sacrificados para o bem maior.
Ninguém se opôs de verdade ao sistema, houve algumas reclamações, mas nada que mudasse alguma coisa.
Capítulo 123:
—Foi difícil você vir para cá? — Pergunto.
—Meu pai acha que fugi, mas minha mãe sabe de tudo. — Ele explica.
—Por isso você não visita os pais no fim de semana? — Pergunto, mas ele não responde. Foi uma pergunta i****a e ele não precisou responder para eu entender.
Adam batuca com os dedos no volante quando paramos no sinal.
—Você é a única. — Ele diz simplesmente.
—A única? — Pergunto.
—A única que sai para ver os pais. — Ele diz. Oh. É verdade. Eu nunca havia percebido. — Eu quase invejo sua vida.
—Minha vida não é mil maravilhas. Até meus cinco anos, eu morava num orfanato. Meus pais me adotaram e desde então eu tento ser a melhor para eles. Meu meio irmão não gosta de mim, mas dá para conviver. — Falo.
—Você nunca teve curiosidade de saber quem são seus pais de verdade, se eles estão vivos? — Adam pergunta.
Curiosidade? Meus pais de verdade?
Eu vou mentir se disser que nunca pensei nisso, mas não é um assunto que eu passe noite em claro pensando. Não sei os motivos dos meus pais biológicos terem me abandonado e nem tenho v*****e de saber.
—Seja quem forem, eles não me queriam. Mas minha família me quis, então não perco meu tempo pensando nisso. — Falo.
Adam suspira.
Capítulo 124:
—Já parou pra pensar que nenhum de nós cinco tem um passado normal? Sempre com mortes, segredos, não aceitação. — Adam reflete.
Nenhum de nós cinco?
Eu fui adotada. Adam não era aceito pelo pai. Os pais de Will esconderam dele que era um ninja.
—Abby não parece ter tido um passado assim. — Falo.
—A mãe dela morreu numa missão. Pode não parecer, mas isso afetou muito ela. — Adam explica.
—E Mike? — Pergunto.
Adam me olha.
—Eu não sei sobre esse cara, mas é só você olhar para ele. O cara carrega dor no olhar. — Adam fala ao mesmo tempo que estacionamos.
Mike carrega dor? Como eu nunca vi isso?
—Como você sabe? — Pergunto.
—Tem coisas que não precisam ser ditas com palavras. Eu vi isso na nossa luta. Assim como vi algo em você quando lutamos. Vocês dois são até parecidos. — Ele diz, saindo do carro.
Parecidos? Eu e Mike? Em que sentido?
Não tenho tempo de perguntar isso a Adam agora, temos que nos concentrar na missão. Estamos parados em frente a um hotel. Vamos até o saguão e pedimos informações sobre Rachel. Ele disse que ela estava nos esperando e que poderíamos subir.