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1588 Words
Hoje não e o seu dia Não ter o que fazer durante o dia é estressante. Viver uma vida ativa era grande parte de quem eu era. Faculdade, hospital, estágio, namoro... E agora passo o dia inteiro olhando para o teto do meu quarto. Simplesmente não há o que fazer. As noites têm sido um tormento para mim, dormir tem se tornado uma luta. As lembranças boas se tornaram pesadelos. Uma lembrança em particular se repetiu frequentemente nessa semana e Jason está nele. Um mês antes do acidente Jason havia me levado ao parque de diversões, parecíamos duas crianças correndo no grande parque, correndo atrás dos brinquedos que nos daria mais adrenalina. E então de repente tudo virou um pesadelo, me vejo sentada na cadeira de rodas e Jason está ao meu lado, não há mais como correr, ele empurra a minha cadeira de rodas em direção a um brinquedo chamado “O Martelo de Thor”, a entrada de deficientes é proibida por questão de segurança e então eu o assisto se divertir, começo a perceber minhas limitações, a sua felicidade e a minha tristeza, nunca vou poder me sentir feliz como um dia fui, estou incapacitada para milhares de atividades. Eu acordo várias vezes a noite, pois todas as vezes que pouso minha cabeça no travesseiro e fecho os olhos o pesadelo insiste em se repetir. Durante o dia me pego pensando em Jason, ele nem ao menos teve a consideração de procurar saber como estou, sei que papai pediu para ele se afastar, mas se ele realmente um dia se importou comigo iria procurar saber sobre mim, como estou, como me sinto, como a minha vida virou uma merda. Se não tivesse conhecido Jason eu teria me poupado de tanta dor, de tanto sofrimento. Ele foi embora sem olhar para trás, foi embora e não se importou com a garota que era a sua namorada, ele não se importou com a pessoa que deixou em uma cadeira de rodas por causa da sua estupidez. Sinto que a minha vida parou, ela está estagnada, afundando aos poucos e me puxando junto. Não há mais o que fazer a não ser ver a vida passar, ver o sol iluminar um novo dia e no final da tarde vê-lo ir embora pela janela do meu quarto. É duro observar todos os dias as pessoas pela janela, elas estão passeando, trabalhando, falando ao telefone sem prestar atenção à rua, mas o pior de tudo é ver como é fácil vê-las se locomoverem de um lado para o outro. Antes do acidente nunca havia tido um pingo de inveja no meu corpo, fui ensinada desde que criança que ter inveja das pessoas é pecado, mamãe dizia que temos que nos contentar com o que temos e ser felizes. Entretanto agora eu tenho tanta inveja que m*l cabe em mim, ela corre pelas minhas veias as incendiando, me deixando com raiva da vida. Sinto inveja das pessoas, da vida corrida delas, de ver como a vida delas é prazerosa por simplesmente ter pernas. Eu sei que é ridículo, não consigo parar de sentir essa inveja, mas a escondo para que meus pais não percebam. Mamãe normalmente passa duas horas por dia ao meu lado falando bobeiras, às vezes fazíamos isso, conversávamos sobre a vida e o meu entusiasmo de finalmente começar a trabalhar no hospital de Soutward Angel, agora ela faz disso uma rotina. No final da tarde ela está ao meu lado falando sobre um programa de televisão que viu, sobre a receita que achou na internet ou como o seu relacionamento melhorou com papai. Não sinto mais prazer de ter essas conversas pelo simples motivo de não saber o que falar, não quero saber dos seus programas de televisão e das suas drogas de receitas. Acho completamente irritante quando ela pergunta como foi meu dia, sei que ela está tentando, que também está machucada com essa situação, então simplesmente digo que meu dia foi bom, normal, como todos os outros. Não consigo contribuir com assuntos para termos uma conversa boa como tínhamos, sinto falta desses momentos. Sinto falta de tantas coisas. Principalmente sinto falta de viver a minha vida completamente. Sinto que estou ficando claustrofóbica dentro desse quarto e que a qualquer momento posso cometer uma loucura. A única coisa que tem me deixado um pouco melhor é pode ir ao banheiro sozinha para fazer as necessidades e tomar banho, claro que papai me ajuda, porém depois ele me deixa sozinha para cuidar de mim mesma, simplesmente não vejo a hora de aprender a passar para a cadeira de rodas, isso aliviaria um pouco a minha dependência deles. Faz uma semana que voltei. Uma semana tendo pesadelos e noites m*l dormidas, uma semana olhando para o teto branco, uma semana sentindo inveja. Talvez isso melhore um pouco, pois Linda começara as seções de fisioterapia e terei uma pessoa para conversar, uma pessoa que me entende, sei que mamãe tenta a todo o momento conversar comigo e me deixar confortável, mas ela infelizmente não me entende. *** — Elle, a fisiote-rapia vai te ajudar muito, nor-m*l-mente ela aumenta a inde-pendên-cia para defici...entes — ouço atentamente Linda antes de começarmos, ter um pouco de independência é o que mais quero, eu necessito disso, já que vou viver essa vida. Independência para mim é tudo — Hoje nós iremos pra-ti-car alguns exerci-cios na cadeira de rodas enquan-to seu pai constrói um pequeno estúdio com aparelhos espe-cífi-cos. — Meu pai está construindo um estúdio? — Linda assente, ele não me falou sobre isso. — Pode-mos co-meçar? — assinto e solto um longo suspiro. Começamos primeiramente com um exercício de respiração, Linda demonstra para mim e tento fazer igualmente. Ela pede para que eu levante os braços para cima e a seguir me abaixe para que toque os meus pés. Respiro forte quando não sento o toque dos dedos nos meus pés, sabia que não iria sentir, mas a sensação de saber que nunca mais sentirei nem ao menos meu próprio toque me deixa angustiada. A dor apenas se intensifica nos nervos que sobraram do meu corpo. — Elle? J-já te chamei três vê-zes — Linda chama minha atenção. — Desculpe — murmuro, Linda apenas sorri, parece entender o que estou sentindo nesse momento. — Tudo bem, hoje apenas trabalharemos o seu tronco e faremos o tratamento por ondas de choque, nas próximas seções iremos usar um colchonete para que eu possa trabalhar suas pernas. — Ondas de choque? — pergunto, pensei que apenas a fisioterapia me ajudaria. — O trat-ame-nto de ondas de choque será para fazer o sangue das suas pernas e coxas cir-cu-la-rem, já que você ainda não está apta fazer exer-ci-cios, apenas a fisio-tera-pia não irá ajudar. Oh Deus, estou cansada disso, estou tão cansada de ser um fardo, eu quero a minha vida de volta. Você pode me dar isso? *** A água cai nas minhas costas como uma chuva, é gostoso e relaxante tomar banho depois de um longo dia, as horas demoram a passar já que não tenho nada para fazer. A água é tão boa, ela me lembra da piscina, do mar... Também me lembra de que nunca poderei aproveitar uma praia ou uma festa na piscina novamente, sempre terei que ser vigiada e com ajuda sempre por perto, pois corro o perigo de me afogar por não conseguir nadar, por não conseguir movimentar as malditas pernas. Eu estou perdendo todos os prazeres da vida de uma só vez. Começo a me lembrar de tudo o que fazia e não irei fazer novamente. A sensação de perda é esmagadora, ela corrói meu coração magoado, machucado. Lembro-me das trilhas que fazia com papai quando era menor, eu as perdi também, perdi as corridas, a minha profissão pela qual tanto estudei, perdi minha dependência. Por Deus, eu perdi tantas coisas que m*l posso numerá-las, perdi tudo que me fazia feliz, minha personalidade se foi, pois essa pessoa que sou agora não sou eu, essa pessoa está em uma agonia que parece ser perpétua, essa pessoa não me lembra em nada quem eu era. Eu era feliz, tão feliz! Eu tinha tudo, e agora só sobrou metade, mas essa metade também está se esvaindo com o tempo. Olho para a gilete que mamãe deixou para meu uso pessoal, seria tão fácil pegar as lâmina e acabar com tudo, acabar com essa dor sufocante, e eu seria capaz de fazer isso, acabaria com a pouca vida que resta em mim, seria tão fácil, tão gratificante para mim. Mas apenas não o faço por causa dos meus pais, sei que eles não aguentariam, eles finalmente estão felizes e não quero acabar com isso, uma vez que por mim, eu já estaria a sete palmos abaixo da terra há muito tempo. Tudo que me resta é esperar por uma pneumonia agressiva ou uma doença maligna, pelo menos não terei me matado. E caso se nenhuma dessas opções acontecerem — o que é falta de sorte — eu terei que ver a vida passar pela janela e esperar Deus ver que o fardo que ele me deu é grande demais para suportar, quem sabe ele tenha pena de mim e me ajude a acabar com a dor? Enquanto isso tudo que eu tenho que fazer é viver cada dia e fingir estar bem para que meus pais não se preocupem mais do que já se preocupam. Olho para a gilete e sorrio. “Hoje não é o seu dia”, penso.  
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