Com a rescisão na minha mão paga em totalidade, eu nem podia crer. Tinha em mente que o senhor Arthur iria parcelar a dívida no mínimo em doze vezes.
Primeiro porque ele é pão duro.
Segundo por vingança.
Mas felizmente não foi assim. Já havia avisado ao Trocacem que iria levar o dinheiro. Depois irei pagar uma parte da escola do Lucas e comprar uns utensílios que minha mãe está precisando no hospital.
Tinha pouco tempo e muitos lugares para passar até o horário da faculdade, hoje poderia até esbanjar um pouquinho, chamei o aplicativo de carona para ter mais agilidade e conseguir cumprir tudo. O motorista buzinava a frente da casa, enquanto eu pegava minha bolsa e as chaves para trancar a porta.
Nem o vi entrar, só soube da presença dele, porque senti aquelas mãos maravilhosas rodearem minha cintura, apertar a minha carne e me chamar em um beijo quente e invasor. Como esse homem tem o poder de me deixar louca.
— Onde meu bebê vai assim tão cedo?
— Oi lindo! Em muitos lugares. — respondo esbaforida — Pagar o agiota, pagar a escola do Lucas, passar na farmácia e no mercado para levar suprimentos para minha mãe.
— Bebê já recebeu sua rescisão? Deixa que eu te ajudo. Eu levo o dinheiro para o Trocacem e assim lhe sobra tempo para fazer as outras coisas com calma.— Fala enquanto deposita mais um de seus beijos maravilhosos na minha boca.
O motorista continuava a buzinar, não sei porque, mas um lado meu achava melhor não delegar tal função ao Renan. Entretanto ele é o homem no qual vou passar os restos dos meu dias. E sim, tem de haver confiança entre nós.
Confiança é a base do relacionamento.
Peguei a soma rodeada com elástico e depositei na mão dele, o advertindo em seguida.
— Renan cuidado com esse aqué! Aqui está até o valor que você deve ao Trocacem, estou pagando o seu também, assim não corre mais juros. Quando você tiver, me devolve.
— Claro bebê! Fica tranquila, sabe que assim que me firmar no futebol vou lhe tratar que nem rainha. — Feito um papagaio ele repete a mesma história.
— Não preciso de ser rainha já lhe disse, só quero que você chegue junto a mim nas responsabilidades. E mais uma vez — aponto para ele me dirigindo ao portão — Cuidado com esse dinheiro!
—
Sabe aquele dia que deveríamos acordar leve e feliz? Ontem resolvi vários problemas financeiros com o dinheiro da minha rescisão. Eu era para está assim. Levinha. Entretanto, uma angústia assolava meu peito.
Eram por volta das oito da manhã, quando pelo basculante do banheiro, avistei Zeca, cobrador do Trocacem adentrar o meu quintal. Antes dele bater à minha porta, saio do banheiro e a abro.
— O que você faz aqui essa hora da manhã Zeca?- faço uma pergunta tão burra, quanto a idiotice de ter dado dinheiro nas mãos do Renan.
— O Troca mandou vir aqui, pegar a grana que tu disse que iria pagar ontem e não foi.
Respirei fundo tentando absorver aquilo que meus ouvidos haviam escutado. Sei que não era certo, mas já pensava o pior do Renan.
E sim, iria matá-lo.
Naquele momento meu cabelo preto clareou na força do rancor. Me vi loira, loirinha dos olhos azuis de ódio. Eu mataria o Renan, pegaria o corpo dele, picaria com o cutelo e daria aos porcos para comerem. Contudo, pensei, respirei, me acalmei, e comecei a cogitar que algo poderia ter acontecido.
— Mandei o dinheiro ontem pelo Renan, vou ligar para ele e vê o que aconteceu. — Zeca apenas assente.
Tentei ligar várias vezes, mas o telefone não recebia nem mensagem, nem ligação. Como se estivesse desligado e sem internet.
— Agnes o buchicho que está rolando lá na rua F, é que o Renan foi assaltado. Não deveria ter dado esse dinheiro nas mãos dele. — Ele me adverte como se a essa altura adiantasse alguma porraa.
— Mas se o Renan foi assaltado foi uma fatalidade, não é culpa dele. — Banco a retardada, o tipo de mulher que sofre abuso e está na cara eu o indivíduo é safado, mas ela sempre arruma uma desculpa.
— O Troca não vai entender isso. Vai cobrar de você. E me desculpa, mas acho o Renan capaz de ter espalhado essa história só para fazer farra com o seu dinheiro. — Também achava, mas minha total falta de dignidade não queria confessar.
Queria ficar indignada com o Zeca e o pôr para fora a base de xingamento, ele estava falando m*l do meu homem. O que acontece é que não poderia pôr as minhas mãos no fogo pelo Renan.
Com certeza elas virariam churrasco.
Pedi uma carona ao zeca até a rua F, iria até a casa do Renan aclarar toda essa história. E assim o cobrador do agiota me levou. Meu noivo mora em um local, que popularmente chamamos de cabeça de porco. É um quintal cheio de casa m*l construídas onde todo mundo é parente. Desci do carro sem ao menos agradecer a carona ao Zeca, só o deixei ciente que iria pegar o meu dinheiro com o Renan e levaria assim que saísse dalí.
O barulho irritante do portão de ferro enferrujado, fez com que o Linguiça viesse latindo em minha direção, agachei-me lhe fazendo um carinho, me reconhecendo parou de latir e começou a usar a calda como espanador, abanando para tudo o que é lado. Está magrelo, desnutrido e lotado de parasitas, mas é um cachorro e ser melhor no mundo não há.
Meu noivo mora com a mãe Sirleia. Minha sogra é uma coroa metida a novinha, do tipo pilantra e cachaceira. Na casa também mora seu irmão mais novo de sete anos, o Jonas. Quando abro a porta da casa é ele quem está vidrado jogando vídeo game na sala. Fico ali parada por alguns segundos, mas o garoto nem se move, hipnotizado jogando Fifa2019. Cansada de esperar que ele me note, adentro de uma vez a casa e sigo até o quarto do Renan. Meto a mão na maçaneta a pressionando para baixo e empurro a porta. Ao abrir, nada do bofe.
Cadê ele! Não é de acordar cedo.
Precisava encontrá-lo, não tinha jeito. Minha única alternativa era atrapalhar a diversão do Jonas. Voltei a sala e o chamei 1...2...3... vezes, mas o moleque viciado, não me dava atenção. Foi aí que em um ato de desespero apertei o botão power do aparelho.
— Poxa Agnes! Porque você fez isso? — reclama batendo os pés. — O Mbappé iria bater o pênalti agora.
Não dei a mínima a atenção para criança. Tinha maiores problemas que um jogo i****a. — Foi a única maneira de você me dar atenção. Cadê o Renan Jonas? — pergunto tentando agilizar a situação.
— Não sei. — responde rápido, mas não me olha nos olhos. De certo está mentindo.
— Ele saiu cedo? — Insisto.
— Não sei — O curumim continua a sambar na minha cara.
— E a sua mãe?
— Não sei — como se estivesse programado, responde outra vez.
— Você gosta de chocolate?
— Não sei. — Quando responde estica boca, como se tivesse feito besteira. E foi aí que percebi que tinha merda fedida por ali.
— Te peguei! O que está acontecendo Jonas? Conta para mim. — O peço tranquila.
Meio sem jeito, ele aperta as pequenas mãos, enquanto me ajoelho diante dele.
— Se eu contar para você promete não levar meu video game?
Feito uma idiotaa, estranhando o pedido da criança, eu questiono. — Porque eu tiraria seu video game? — Falo sorrindo, com a minha cara de imbecill.
Olhando ao redor, vou me dando conta do porque da pergunta do Jonas. Até a semana passada a tv da casa do Renan era uma p***a muito antiga, de mil oitocentos e guaraná de rolha. Agora estava sobre a estante uma plana de 42 polegadas. Fora que tem latões vazios de cerveja para tudo que é lado Não tinha jeito.
Eu iria matar o Renan!
— Você não é vadiaa. Não vai tirar meu vídeo game não é?
— Ei! Não pode falar essa palavra. O advirto — E já disse que não irei tirar. Agora me conta. Quem me chamou de vadiaa?
— Eu ouvi a Cristiana...
— Cristiana — o interrompo — aquela chacrete que mora no final da rua, o que ela fazia aqui?
— Convidando todos para o churrasco, que a vadiaa burra e chifruda da namorada do Renan estava bancando. — continuei o ouvindo falar - mas eu te defendi Agnes, disse que não era vadiaa.
— Mas burra e chifruda eu sou.
— É, você não é vadiaa. — Ele confirma.
— Obrigada pela sinceridade — ele apenas assente com um movimento — Só mais uma pergunta Jonas. Você sabe onde o Renan dormiu?
— Minha mãe foi dormir com o namorado e alugou o quarto para ele. Tem ventilador de teto o nosso não — o moleque fala apontando a porta a minha frente.
Fui dando passos rápidos e assim evitar o suspense desnecessário, meti a mão na maçaneta e abri. Na altura do campeonato já estava inteirada do que iria encontrar, e não foi nenhuma surpresa, O Renan junto da Chacrete de xvideo, os dois peladões na cama da safada da minha sogra.
Ao abrir a porta, ambos tomaram um susto e pularam da cama, depois disso o roteiro seguiu seu curso e meu noivo como todo bom cafajeste disse aquelas frases de merda que não convence ninguém.
Amor não é nada disso que você está pensando!
Amor foi só dessa vez!
Amor eu estava bêbado!
Enfim, "Amor é o caralhoo".
Olhando ele e aquela vagaba de quinze reais, com cabelo de defunto e b***a de silicone de avião. Pensei que se mereciam, e iria sair daquele bafucá plena e belíssima. Com a dignidade que me restava.
Não iria seguir roteiro.
Iria sair do óbvio.
Nada de barraco!
Eu já havia saído do quarto sem falar nada. Mas ao me lembrar que amo clichês, retirei meu cinto uma peça de couro legítimo e voltei.
Quando regressava ao quarto o Renan vinha atrás de mim colocando as calças para encher meus ouvidos de mentiras.
Como se fosse um chicote estalei o sinto com as duas mãos. Ainda pude ver o cafajeste a minha frente regalar os olhos. Naquele momento tenho certeza que o espírito do Beto Carrero se apossou do meu corpo. Juro que pude até escutar a vinheta quando o Renan voou dois metros com a primeira chicotada que levou na cara.
Beto Carrero...!