Capítulo 6

1560 Words
Estou com frio, e quando entro na área que ficam os nossos cavalos, sinto um pouco de alívio, mas, ainda assim, está longe de estar confortável. Me sinto triste ao perceber o quanto esse lugar mudou para pior. Sujo, abandonado e mesmo no escuro, consigo ver algumas baias vazias. Revoltante ver o que meu irmão fez com a maior preciosidade do meu pai. O Duda não me falou que perdemos cavalos, ele sabe o quanto amo esse lugar e o quanto nossos pais amavam os cavalos. O que será aconteceu? Será que as prioridades dele mudaram? Ou ele não quer dar mais andamento aos nossos agronegócios? Seja como for, ele deveria ter conversado comigo, para começo de conversa. — Há quanto tempo ele está preso? — pergunto enquanto caminho lentamente, observando os detalhes que a penumbra me permite, pois sei que o Zangado está na minha sombra. Não deveria me importar, já que o Duda ignorou minha existência ao ser preso e não me comunicar... Mas, ainda assim, me importo e muito. — Talvez uns 3 ou 4 meses. — Meu Deus! — Me viro na direção dele e o encontro com as mãos nos bolsos, seus olhos perdidos ao redor, talvez enxergando o mesmo abandono que eu. Uma brisa suave entra no lugar, e eu me encolho com frio. — Desde que a Rafaela veio morar aqui, ele vinha se desfazendo dos cavalos. — ele responde como se lesse minhas dúvidas silenciosas, e seus olhos voltam para mim. — Quem é Rafaela? Ele engole em seco e desvia os olhos de mim. — Acho que algumas respostas você só terá quando conversar com ele — ele diz, me escondendo coisas que claramente sabe. Respiro fundo e me lembro das nossas últimas conversas. Ele não me falou nada sobre o que estava ocorrendo aqui, só me falou que estava apaixonado e me mandou mais dinheiro que o comum. Será que essa Rafaela tem algo a ver com a prisão? Bom, boa pessoa não deve ser, ainda mais se teve dedo dela nesse “se desfazendo dos cavalos”. — Oh, Patricinha, deixa de ser teimosa, você vai ficar doente. Essa noite está fria e você... — Ele olha para minha roupa, e desvia os olhos com incômodo. — Eu o quê? — pergunto de forma petulante. — Você está com frio — ele completa, mas sinto que não é bem o que queria dizer. Eu reviro os olhos e me viro de costas para ele, olhando baia por baia dos cavalos em busca de um específico. O cavalo que meu pai amava montar, o maior vencedor das vaquejadas da região. Mas eu não o encontro e isso faz meu coração apertar. — Você sabe o que aconteceu com o Rezende? — Ele vendeu no último leilão. Coloco as mais na boca, assustada. Não acredito! Não consigo acreditar! — Por quê? — pergunto em choque. — Porque valia dinheiro! — ele responde o óbvio. Olho para ele com indignação, e ele balança os ombros com indiferença. — Eu não tenho culpa se seu irmão, de uma hora para outra surtou, Patricinha. Eu estava tentando ajudar, passei esses meses me dedicando aqui e ao sítio ao mesmo tempo, mas como meu pai te falou, isso aqui não é nosso e a obrigação é sua e do seu irmão de manter isso vivo. Apesar de ele tentar esconder, eu sentia em seu tom de voz que existia um pouco de mágoa e raiva em suas palavras, o que me fazia pensar que talvez o Zangado fosse muito mais próximo da fazenda e do meu irmão, do que deixava transparecer. Olho para a baia que está a minha frente, vazia. As recordações do meu pai pegando no Rezende me enchem os olhos de lágrimas. Como o Eduardo pôde fazer isso? — Meu pai amava montar o Rezende — falo ainda perdida nas recordações, e algumas lágrimas escorrem por meu rosto. — Ele trouxe muitos prêmios para sua família na vaquejada — ele fala com a voz mais amena e quando nossos olhos se encontram, tenho certeza que é porque eu estou chorando. — Quem comprou? — Não sei te dizer. Não tenho recursos para participar de leilões de cavalos dessa categoria. Baixo os olhos e enxugo minhas lágrimas. — E quem é Rafaela? Você falou que depois que ela veio morar aqui… — Ela era a namorada... Quer dizer, eu não sei quem era ela direito, mas sei que ele mudou depois que começou a se relacionar com ela. Não acredito nele, mas são muitas informações e não consigo processar tudo a ponto de discutir e insistir para que ele diga mais. — Ele me falou que estava apaixonado. Ele bufa com ironia, e eu não entendo muito o motivo de sua reação sair de sensibilidade para irritabilidade em segundos. Mas a bipolaridade dele pouco me importa, só importa saber que o Duda estava prestes a quebrar a promessa que fez quando meu pai estava morrendo, que era manter a fazenda funcionando e tudo isso vivo. — Cara, eu estou com muita raiva do meu irmão! — desabafo, e ele fica em silêncio. — Patricinha, não me leva a m*l, mas você montar à noite será péssimo, e eu em breve vou soltar os cachorros. — Você, soltar os cachorros? — pergunto confusa. — Sim, um de seus funcionários não aguentou ficar sem receber tanto tempo e foi embora, e eu assumi essa incumbência. Então, eu preciso soltar os cachorros para proteger sua fazenda, e preciso dormir, porque cedinho a gente já tem um monte de coisas para fazer. Vou te passar umas rotinas, te apresentar para as pessoas que não te conhecessem e depois, eu juro, nunca mais vamos nos ver. Eu começava a duvidar da capacidade de ele cumprir essa promessa. — Eu vou embora daqui, depois de amanhã. Eu não pretendo ficar aqui. Só vim para colocar as coisas no eixo e deixar o Duda no comando dos negócios — falo com os olhos fixos nos dele. Ele balança a cabeça com irritação e foge do meu olhar. — Patricinha, o que você vai fazer, não me interessa. Só me interessa o que eu tenho que fazer, que é dar de volta a responsabilidade para quem é dono dessas terras, que não são minhas, e seguir cuidando da minha vida. — Ele sorri com ironia e em seguida fecha a cara de novo. — Oh, Zangado, faz o seguinte. Vai embora agora, não precisa me ajudar em mais nada, ok? Também não solte os cachorros essa noite, porque a partir de agora, você não tem nenhuma responsabilidade com nada daqui. — Ah, você vai ficar aqui sozinha, sem sequer ter os cachorros para te proteger? Sua ironia me irrita em níveis que nem consigo descrever. — Não é da sua conta. Talvez ele esteja certo? Talvez. Mas eu não diria nada, afinal, eu poderia muito bem soltar esses cachorros para correr por aí. Ele tira as mãos do bolso e me surpreende, tirando a sua camisa xadrez de botão. Engulo em seco, enquanto ele a joga para mim. Porque seu tronco firme, sua barriga dividida e os pelos que percorrem locais bem interessantes do seu corpo, quase me tiram o foco. Pelo amor de Deus, Bianca. Mantenha o foco no que veio fazer. Quanto antes terminar, mais rápido sua vida volta ao normal e você poderá “se perder” em outro corpinho. — Tem o mesmo cheiro fedido da caminhonete? — pergunto, mais para disfarçar e ele não ver que eu estava reparando. Pego a camisa no ar e faço uma careta. — Como imaginei... tem mesmo! Ele balança a cabeça de forma negativa. — Ao menos, não vai te fazer congelar de frio nessa noite. — Ele suspira. — Vou fazer o que você me pediu, vou embora e espero que você, de novo, sozinha, saiba se virar. — Ele se vira de costas para mim e sai andando na direção à saída. — Passar bem. Quando ele some da minha vista, olho para ao meu redor. Uma penumbra que não vou mentir, me assusta. Aqui está sujo e me pergunto o que danado eu fiz para merecer essa enrascada toda? Coloco a camisa dele, porque agora está ainda mais frio e quando eu sair da área das baias, realmente a temperatura com a roupa que eu estou usando será insuportável. Mas para aonde eu vou? Ficar no carro é uma opção, mas muito insegura. Se alguém entrar aqui, certamente irá olhar o que tem no carro... Já aqui, aqui está notoriamente abandonado. Olho para um feno que foi colocado de forma desorganizada, bem próximo a mim. Talvez aqui seja o melhor lugar para esperar amanhecer, e eu estou tão cansada que quando deitar nesse feno, vou jurar que estou deitada no colchão mais confortável do mundo. Vou me deitar e dormir um pouco, quando eu acordar, vou achar alguma alternativa melhor que a que o Zangado me deu, e, com certeza, não envolve ir embora em poucos dias. Talvez eu tenha muito trabalho para fazer aqui antes de voltar para minha vida. E preciso dar um jeito de falar com o Duda, entender o que aconteceu e achar uma forma de coloca-lo de volta a frente dos negócios, e principalmente, cumprindo a promessa que fez ao papai.
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