Capítulo 7

1615 Words
Vinícios Ferraz Quando chego em casa, minha mãe está com as mãos no quadril, uma sobrancelha levantada e muito brava comigo. Eu sei o motivo, mas vou fingir que não, porque juro que tentei e fiz o meu melhor. Ando pela casa ignorando o olhar de minha mãe, temendo o momento que ela comece a falar. — Cadê a menina? — ela pergunta. Merda! — Que menina? — pergunto quase cantarolando e repleto de ironia. Ela geralmente sorri com isso, mas desta vez está me encarando sem nem um senso de humor. — A que teu pai falou que vai tocar os negócios do irmão. Ela não sorri, apenas continua me olhando, me analisando, esperando que eu diga algo. Estou ferrado! Ela vai me irritar muito, até eu fazer o que ela quer, e como sou um i****a e estou tentando mudar, vou terminar obedecendo. — Ah, a patricinha de m***a? — pergunto desinteressado. — Está lá na casa dela... Ela enruga a testa, e eu suspiro, já esperando o que está por vir. — Mãe, ela está na casa dela, nas terras dela — me adianto, antes que ela fale algo. — Nosso acordo agora chega ao final. As terras daquela gente, finalmente têm alguém para tomar conta. — Você só pode estar de brincadeira! A menina chegou de viagem e deve estar morrendo de fome. Além disso, não deve saber de nada dessas terras! E você acha que fez sua parte? Leve alguma comida para ela e amanhã você vai ajudá-la a entender melhor os negócios. É o mínimo que podemos fazer. — Não, não vou levar — digo decidido. Tento passar por ela, mas ela fecha meu caminho. Uma senhora de 1,55m está me barrando. Pois é, ela tem esse poder! — Ah, vai levar sim. — Mãe, por favor… — quase imploro. — Vinícios Ferraz! — Quando ela me chama pelo nome e sobrenome, sei que o negócio ficou f**o. Ela caminha até a mesa e pega algo de cima, como estou atrás, não consigo ver direito. Ela me entrega uma panela que está coberta com panos. Olho para o utensilio nas mãos, sei o que é, mas é como se meu cérebro enxergasse algo estranho. Talvez eu esteja atônito por já saber exatamente o que minha mãe quer. — Vai lá e entrega para ela. Não esquentei ainda, mas peça para ela esquentar no fogão dela. — Ela vai na cozinha e volta com uma garrafa térmica. — Tem café aqui. Veja se ela gosta. Fecho a cara. Talvez devesse ter dito logo que a patricinha não tinha conseguido entrar em casa..., mas aí ela iria dizer que eu deveria tê-la trazido para cá, e mesmo que justificasse que tentei (talvez não tanto como devesse tentar), minha mãe me atormentaria. Melhor omitir essa parte e fazer o que ela quer; eu só preciso chegar lá, entregar a m***a da comida e me mandar de novo. E dormir com o fato de que não vou conseguir cumprir minha promessa de nunca mais vê-la, pois minha mãe já deixou explicito que devo ajudá-la com as coisas da fazenda. Que grande m***a! — Certo. Ela me olha de cima a baixo, um sorriso singelo surge em seus lábios. — Por que está sem camisa? — pergunta desconfiada. Reviro os olhos. — Ela estava com frio e… O sorriso se torna irritante. — Teu pai disse que ela é bonita — ela comenta, erguendo as sobrancelhas e me analisando. — Mãeeeee! A gente já conversou — falo com irritação. Minha mãe e essa mania de ficar comentando sobre outras mulheres, tentando me empurrar para alguém, como se isso fosse resolver todas as minhas questões. Meu coração não tem espaço para ninguém, Rafaela fez questão de destruí-lo a esse ponto. — Tudo bem, tudo bem! Não está mais aqui quem falou. — Suspiro aliviado. — Mas coloca uma roupa, senão tu vai adoecer nessa frieza. Faço o que minha mãe mandou, apenas para não ter que contrariá-la e, no fim, ceder. Sou um homem feito, minha mãe não manda mais em mim... Ela pede as coisas e eu faço, apenas para não ter que entrar em uma discussão sem fim... Ou talvez, no fundo, eu só esteja me enganando. Vou até a fazenda, bufando durante todo o trajeto. Queria estar dormindo, mas graças a Patricinha, agora estou fazendo delivery de graça. A maluca está dormindo no feno que coloquei ontem aqui para os cavalos que ainda restam nas baias. Ela se rendeu e vestiu a minha camisa, que cabe pelo menos duas dela. Dormindo assim, ela parece ser indefesa, frágil, delicada… mas quando ela abre os olhos e coloca o azul vivo para ação, se torna uma mulher tão… Ela ronca. Eu controlo meu sorriso. Cara... ela ronca? Com certeza ela não iria gostar de saber que ronca, ou que a vi roncando... Talvez isso seja um trunfo que posso guardar na manga. Me pego sorrindo ainda mais e sem perceber, faço mais barulho do que deveria, porque ela está me surpreendendo a cada segundo. Ela abre os olhos, assustada com o meu barulho. — Calma, só sou eu — falo, contendo o sorriso. — Você de novo? — Ela boceja e se se senta no feno. Não sei identificar se está feliz ou não com a minha presença... Aposto que não. — Trouxe algo para você comer — digo, mostrando as coisas que seguro nas mãos. — Não estou com fome, estou com sono — ela resmunga. — Você, com certeza, está com fome. Será que é tão difícil assim aceitar uma gentileza? É óbvio que ela está com fome! — Não como nada de estranhos. Petulante! — Não sou tão estranho assim — insisto. Só quero que ela pegue logo essa comida para que eu possa ir embora. — Mais estranho do que deveria, além do mais, certamente essa comida tem veneno. — Não posso envenenar a pessoa que vai me tirar o trabalho que está exaustivo para c****e. Ela me olha, atenta. — O que tem aí? — pergunta, por fim. Eu abro a panela e vejo que minha mãe fez um cuscuz recheado com carne seca. — Cuscuz recheado com carne seca. Os olhos dela brilham e em meio a escuridão, parecem duas bolas de gude preciosas. São lindos... Eu não deveria estar reparando nisso, pelo amor de Deus. — Você deveria ter dito isso antes. — Ela estende a mão para pegar a panela e eu a entrego. Nesse momento, nossas mãos se tocam e percebo que está quente; a camisa fez efeito. — Só não está quente. — Do jeito que estou com fome, comeria até congelado. — Ah! Então está com fome? — brinco com ironia. Ela me olha com um sorriso singelo no canto da boca. Em seguida, tira os cabelos longos da frente do corpo, mostrando minha camisa. Não vou mentir, tive vontade de fazer isso quando a vi deitada. Existe algum tipo de poder cósmico em ver uma mulher com a camisa de um homem, principalmente quando essa camisa é do homem que está vendo. É sexy, sensual... Pisco algumas vezes, tentando voltar a realidade da situação. — Às vezes, preciso fingir que sou mais durona do que sou. Tem uns caras idiotas que ficam me achando muito delicada e incapaz — ela diz de forma sarcástica. — Tem café também. — Entrego a garrafa a ela, que parece ter se animado ainda mais. Algo me diz que ela gosta muito de cafeína. Pelo menos isso ela tem de positivo. Levanto as sobrancelhas e me pego sorrindo de novo. Inferno! Quantas vezes mais ela vai conseguir fazer isso comigo? — Eles devem ser bem idiotas mesmos — resmungo. — São idiotas, fedidos, zangados e desleixados. Eu me pego gargalhando e ela começa a comer a comida, se divertindo tanto quanto eu. Quando termina de comer, coloca a panela ao lado das suas botas. Ela as tira com delicadeza. — Não tenho chulé — ela brinca, enquanto a observo. — Eu te vi roncar, então ter chulé é quase que pré-requisito para você deixar de ser a patricinha que imaginei. Não que isso fosse torna-la menos atraente ou perfeita fisicamente, mas ela não precisava saber desse detalhe. Ela cora, e mesmo em meio a uma penumbra da noite, consigo ver suas bochechas rosadas. — Obrigada. — Uau, você está mesmo agradecendo. — Não. — Ela se deita de novo no feno e a minha camisa se abre, deixando o seu corpo esculpido ainda mais visível, mas seu cabelo de novo surge na frente do seu corpo, como uma cortina. Repreendo a vontade insana que tenho de abrir espaço para ver o que ele está tentando esconder. — Boa noite, Patricinha. — Boa noite, Zangado. Ela fecha os olhos e eu vou saindo do local. Antes de sair, ouço ela perguntando: — Você soltou os cachorros? — Não, você disse que não era para soltar. — Pode soltar, eu realmente estou com medo de ficar aqui sozinha — admite. Respiro fundo e sei que vou me arrepender disso amanhã, mas me sento na entrada das baias e decido dormir ali até amanhecer e por fim, fazer o que prometi a minha mãe. Quando fechos os olhos, relembro dela, de seu sorriso, de seus olhos, de seu corpo e penso que talvez a Rafaela não tenha matado meu coração 100% quanto imaginei. Entretanto, não acho que será essa patricinha a responsável pelo meu virar de páginas. Um dia vou ter o dinheiro da vaquejada, virar a página da minha vida e quem sabe, bem longe daqui, eu consiga de novo abrir o meu coração para um novo amor.
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