Capítulo 8

1272 Words
Acordo sentindo a minha cabeça tremendo, uma música alta conhecida bem no meu ouvido e sei que o culpado disso tudo é meu celular, que está na minha bolsa, que essa noite virou um travesseiro. Estou dolorida e, sem sombra de dúvidas, dormir no feno foi a minha pior invenção dos últimos tempos. Pego o celular e vejo que é o Sr. Francisco. — Como passou a noite? Está tudo certo por aí? — ele pergunta. — Bom dia, antes de tudo! Ele resmunga baixinho. — Tenho certeza de que você está escondendo algo, então não é tão bom dia assim. Seu pai me deu uma incumbência muito difícil, que é te manter protegida. — Sério que você acha isso tão difícil? Sou quase um anjo, não te dou trabalho e nem me meto em confusões. — Só se torna difícil justamente porque você gosta de se meter em confusão. — Não seja exagerado. — Bom, posso listar várias vezes que você tornou essa minha missão quase impossível, mas a penúltima foi se envolver com aquele i*****l. — Penúltima? — pergunto enquanto me espreguiço. — Sei que a última você ainda não me disse e por isso, afirmo que hoje não é um bom dia. — Está tudo certo e volto para casa no fim do dia, e você verá que hoje foi sim um bom dia! — Cadê o Duda? — Ele me conhece o bastante para saber que estou me metendo em uma enrascada. — Andando de cavalo. — Essa é a única desculpa que me vem, tendo em vista o local onde estou. — Certo! Você vem jantar conosco? Precisamos conversar sobre a Lancelot. Aquele Juliano está me enchendo o saco desde ontem, dizendo que você o liberou para montar nela, mas eu já te disse que sou contra. Ele vai machucar sua égua e você vai ser prejudicada nas competições. Estamos com bons pontos e uma boa classificação geral. Ai, meu Deus, o Juliano! Tanta coisa aconteceu em um curto espaço de tempo, que eu quase esqueci do meu gatinho que precisa de uma boa desculpa para ficar bem perto de mim e bem longe da minha égua. — Certo, hoje à noite a gente conversa e decidimos como faremos, mas não seja tão negativo de primeira com ele, senão você pode o assustar. — Bianca... tanto cara para você se envolver, aí você escolhe o pior. — Essa sua classificação é discutível. Me assusto quando escuto um barulho fora das baias. — Eu preciso ir, ok? Mais tarde a gente conversa. — Ok. — Não esquece, ele precisa acreditar que irá montar a Lancelot. — Já disse que sou contra. — Eu também, mas ele não precisa saber, ok? Ele bufa. — Ok. Me levanto e percebo que ainda estou vestida com uma camisa que não é minha. Preciso devolver antes de ir embora daqui da fazenda, o que é uma péssima ideia, porque envolve ver aquele cara de novo, ter que agradecer e encarar aquele rosto desleixado com olhos sombrios, mas com um corpo extremamente atrativo. Quando saio das baias, vejo o Zangado andando na direção da saída da fazenda. Ele ainda veste a mesma roupa de ontem e me pergunto se dormiu aqui, ou se simplesmente não tomou banho. Mas prefiro não saber, do jeito que ele é m*l-humorado, vai acabar com meu bom humor matinal em segundos, e bom, eu só quero rever a Zelinha, entender o que aconteceu e colocar as coisas no eixo antes de ir embora. Essa vida aqui não me pertence mais, e o Duda que precisa continuar fazendo o que prometeu para nossos pais. De manhã, a fazenda aparenta ainda mais abandonada, mas ver alguns bois pastando me animam. Não estão gordos como eram na época do meu pai, mas também o pasto não está ajudando. O Duda fodeu muito com tudo isso aqui, impressionante. — Zelinha? — Entro na casa, perguntando. Ninguém responde e eu continuo entrando na casa, percebo que internamente as coisas não estão tão mudadas. Os móveis rústicos, os cristais da minha mãe, o bar com bebidas intactas e caras que meu pai tinha o hábito de colecionar... Na mesa de jantar há uma toalha de renda renascença que minha mãe gostava de tecer. — Oxente, Bianca? Reconheço de imediato o tom calmo e sereno da Zelinha. Eu me viro e vou de encontro a ela, que me abraça forte e eu retribuo, me sentindo realmente em casa com segurança pela primeira vez desde que cheguei aqui. Deixo algumas lágrimas escorrerem pelo meu rosto, porque estou emocionada em vê-la. Não sei o que ocorreu aqui, mas é bem claro que as coisas não estão fáceis e ela continua conosco, isso é muito emocionante. — Menina, como você está linda. — Ela se desgruda de mim e me analisa. — Sempre magrinha, hein? Não está comendo direito, não é, mocinha? Eu sorrio e ela enxuga minhas lágrimas. — Venha, vou passar um café para a gente. Você chegou hoje? — Não, cheguei ontem. — E onde você estava? — Ela me analisa de novo enquanto estreita os olhos. — Essa roupa... — Ela toca na blusa que cabe três vezes o meu corpo. — Eu conheço essa roupa. — Bom, tiveram alguns acontecimentos essa noite, mas resumindo: o vizinho me ajudou um pouco. Então é por isso que você deve conhecer essa roupa. — Ele não é uma pessoa fácil, o pessoal morre de medo dele, pois depois do que aconteceu, as pessoas ficam achando-o com um parafuso a menos. — Ela suspira, me carregando pelo braço pelo corredor que leva à cozinha. — Mas é um menino bom, tem ajudado bastante a gente aqui, e o que fez ficou no passado. Logo vi que ele carregava em seus olhos algo sombrio, e isso aguça ainda mais minha curiosidade para saber o que aquele homem carrega em seu coração, que é capaz de pôr medo nas pessoas. Me sento na mesa, enquanto ela começa a coar um café. — Há quanto tempo o Duda foi preso? — Três meses, na verdade vai completar quatro meses semana que vem. — E como vocês estão fazendo para pagar as contas e manter a fazenda ainda funcionando? Por que não me ligou para que eu pudesse ajudar em algo? O cheiro de café toma conta da cozinha. — Eu não tinha seu telefone. Ela me entrega uma xícara cheia de café. — O que você vai querer comer? Não vou mentir que estou com fome. — Pode ser um sanduíche. — Para sua sorte, fiz queijo coalho essa semana, viu? — ela brinca. Eu amo os queijos que a Zelinha faz, amava quando meus pais levavam para capital um pouco do que ela fazia aqui na fazenda. — Você falou que não tinha meu telefone, mas me ligaram daqui, Zelinha. Ela começa a assar o queijo coalho. — Sou analfabeta, menina, você não sabe? E com toda sinceridade, quando seu irmão foi preso, ficamos desesperados, porque tínhamos medo que ele voltasse para aqui e tinha também o Vinícius, que começou a vir aqui e tomar a frente das coisas. A gente ficava sem entender, porque ele era amigo do Duda e era ex-noivo da Rafaela. No fim, a gente seguiu o rumo da corrente, até que conseguiram falar com você. — Hã? Não entendi nada. — Qual parte? — Tudo. Começa do começo. Eu não entendi nada. — Você não conheceu o Vinícios? — Ah, verdade, o nome dele é Vinícios. Ela me entrega o sanduíche e se senta à mesa comigo. — Bom, então vamos começar do começo.
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