Estou dirigindo o carro, e o Zangado continua com sua caminhonete fedida atrás do meu carro na estrada que leva para minha fazenda. Só pode ser mesmo brincadeira de esse cara estar me perseguindo. Confesso que quando vi seus olhos, praticamente devorando meu corpo quando eu estava com ele na caminhonete, tive medo. Eu estava sozinha com ele, seus olhos estavam tão acesos que tive dúvidas de sua real intenção naquele momento.
Mas aí, ele logo percebeu o que estava fazendo e quando tentou reparar seu erro, eu me aproveitei da situação para maltratar um pouquinho sua boa ação do dia. Não gosto que me rotulem como indefesa, e infelizmente, muitas pessoas terminam gerando esse rótulo para o meu gênero; com ele não foi diferente e bom, acho que provei a ele que mesmo não balançando um saco entre as pernas, eu consigo me virar sozinha. Espero que ele repense isso quando estiver de frente para outras circunstâncias com outras pessoas, já que eu nunca mais vou vê-lo.
Olhos sombrios, corpo nem tão sombrio assim, diria que até bem... bem... aff, desisto de ficar fingindo! Ele é gostoso para c****e. Mas a caminhonete é fedida, ele é extremamente bruto e machista. Pronto, esses são os rótulos que servirão para ele quando estiver conversando com minha amiga sobre o ocorrido. Certamente, ela vai ficar encucada com a parte do sombrio, ela é bem temerosa, já eu, a minha personalidade de fato ainda fica com foco no gostoso.
Chego à fazenda, coloco a minha seta para entrar à esquerda e vou freando o carro para atravessar a pista que tem mão dupla. A caminhonete do Zangado está bem atrás de mim, ele pisca com os faróis e eu atravesso a pista com o carro. Dou uma leve buzinada para ele e nem sei muito o motivo, afinal, o cara é um completo i****a. Mas ele não segue o rumo da pista e vira na direção oposta à minha. Estaciono o carro em frente a minha porteira e ele faz o mesmo, bem a frente de mim do outro lado da pista.
Fico um tempo parada, dentro do carro, olhando pelo meu retrovisor se isso tudo não passa de uma pegadinha, mas ele desce do carro, abre a porteira com naturalidade e em seguida entra com sua caminhonete na propriedade em frente a minha. Em frente a minha. Ai meu Deus! Era só o que faltava!
Quando a caminhonete dele some da minha visão, eu desço do carro e vou abrir a minha porteira que está trancada. Trancaram com cadeado e está de noite, o que vou fazer agora? Não acredito que todo esse esforço de vir aqui hoje vai ser em vão. Será que eu vou ter que voltar para casa e vir outro dia, com um chaveiro? Posso gritar o que quiser que o nosso segurança e nossa funcionária que moram dentro de nossa propriedade, não irão ouvir.
Começo a balançar a porteira na tentativa insana de quebrar, e óbvio que não tenho força para isso. Começo a mexer no cadeado, de repente, possa existir alguma forma de abrir essa m***a.
Meu celular toca, vou até o carro novamente e vejo que é o Sr. Francisco, com certeza, como demorei a dar sinal de vida, ele deve estar preocupado. Dona Janete, sua esposa, com certeza, já deve estar em surtos atrás de mim.
— E aí, como estão as coisas? Já chegou? A estrada estava boa? — ele pergunta com desconfiança.
— Bom, chegar, eu cheguei, mas a porteira está fechada e não sei como faço para entrar agora.
Omito a parte da estrada, ele certamente usaria isso contra mim o resto da vida, com a típica expressão que me irrita de: “eu te disse!”.
— Você está onde?
— Na porteira principal, arrumando jeito de entrar.
— E a chave daí? Achei que você tinha! Lembro que seu pai deixou umas cópias para você.
— Faz tempo que não venho aqui e não tinha chave na porteira, além do mais, o segurança não está aqui.
— E agora? Cadê o Duda? Ligue para ele.
Respiro fundo. Como falar que meu irmão está preso? Não, não tenho coragem de dizer nada.
— Não sei, ele deve estar dormindo.
— Você não falou a ele que iria para aí?
— Queria fazer uma surpresa.
Sou péssima em mentiras e ele sabe, por isso, fica um tempo em silêncio.
— Pode ficar tranquilo, que está tudo sob controle. Acalme a dona Janete também, porque estou ouvindo-a resmungando aí por perto.
— Estamos preocupados com você, menina! Você é teimosa e gosta de viver no perigo.
— Só nos saltos! Na minha vida, gosto de estabilidade.
— Volte para casa agora e amanhã vou junto com você aí. Eu te disse para não ir sozinha. Sei que não está tudo bem, te conheço desde pequenininha e sei quando você está mentindo.
— Ah, Francisco, pare de chatice.
— Entra no carro e volta para casa.
Sinto, de repente, um peso no meu ombro. Olho de relance e percebo uma mão.
Eu dou um pulo com o susto e devo ter gritado também.
— O que foi? — Francisco pergunta preocupado.
— Eu disse que essa menina vai se mentir em encrenca. — Ouço de longe a dona Janete reclamando.
Mas é só o Zangado que está à minha frente.
— Nada, vou desligar — respondo, me recuperando.
— Você se assustou? O que aconteceu? — Sr. Francisco insiste.
— Nada, Sr. Francisco. Vou desligar e resolver como farei para entrar na minha casa — falo mais alto para que o Zangado ouça. — Te ligo quando estiver lá dentro de casa.
— Você é teimosa — ele resmunga.
— Eu sei — eu respondo, encarando o Zangado que está com os braços cruzados ao longo do corpo. Sua expressão é irritante e sua postura deixa seus braços ainda mais fortes. E essa última parte nem sei porque eu observei.
— Estou com o celular junto de mim, qualquer coisa, me ligue — Sr. Francisco finaliza.
— Certo — falo, observando o Zangado, que agora está indo na direção da minha porteira.
Desligo o celular.
— O que você quer aí dentro? — ele pergunta, chegando bem perto do cadeado.
— Eu quero entrar na minha casa, algum problema?
— Sua casa? — Ele se vira na minha direção e pergunta, surpreso.
— Prazer, me chamo Bianca Gonçalves e sou dona dessa fazenda — falo com ironia e esticando as mãos como cumprimento, mas estamos distantes, o máximo que ele faz é levantar as sobrancelhas com ironia e em seguida morde ligeiramente o lábio inferior. Estou observando esse cara demais, que desnecessário!
— Qual o seu grau de parentesco do i****a e bandido que morava aí?
Eu arregalo os olhos e engulo em seco.
— Se você está falando do Duda…
— Eduardo Gonçalves, um bandido, filho de uma puta... — Ele sorri com ironia. — Como não percebi que a patricinha petulante e irritante, tinha traços dele?
— Sai da minha frente e me deixa entrar na minha casa — falo, indo na direção dele.
— Vai derrubar a porta? — Ele sorri com mais força. — Qual será agora a sua alternativa para entrar aí?
— Não te interessa! — Estou bufando, agora bem próxima dele.
— Pede ajuda, patricinha, que eu juro que finjo não odiar seu irmão e com um passe de mágica, eu abro essa porteira para você.
— Vá se fod…
— Oxe, o que danado está acontecendo? — uma voz conhecida me interrompe.
Olho para traz e vejo um homem de cabelos brancos, expressão cansada, e o tom de voz é o mesmo que me acordou na manhã de hoje.
— Sr. Vitalino? — pergunto.
— Sim, você mudou, viu, menina? — ele fala, espremendo os olhos e me observando com surpresa. — Oh, Vinícios, abre logo essa porta aí para ela. Finalmente voltaremos a ter paz e deixar que ela resolva as coisas do pai.
Ele revira os olhos e com um passe de mágica, tira uma chave do bolso e abre o cadeado.
— Ah, você tem a chave? — pergunto um tanto confusa, porque nunca vi esse cara, não lembro desse Vitalino e não consigo entender como alguém que odeia tanto meu irmão, pode ter a chave da porteira da minha fazenda.
— Colocamos para proteger as terras de vocês, teu irmão quando foi preso, teve um zumzumzum que não tinha mais ninguém para dar conta das terras e vieram oportunistas. Mas com a ajuda Zelinha conseguimos contato com você e estávamos esperando você chegar. Ainda bem que não demorou tanto.
Zelinha, sim, essa é do meu tempo. Nossa funcionária há anos que ajudava a manter a organização, limpeza, e comida na fazenda. Ela mora na nossa propriedade. Solto o ar mais aliviada.
O Zangado joga a chave na minha direção, que pego no ar com agilidade e puro reflexo.
— Vinícios, leve a menina na casa, abra as portas todas para garantir que não tem ninguém. Só depois disso, volte para casa — Sr. Vitalino fala, se afastando de nós e atravessando a estrada.
— É sério que você mora aqui? — Aponto para onde o Sr. Vitalino está se dirigindo.
— Estou passando um tempo com meus pais no sítio.
— Ah, ele é seu pai — falo com ironia.
— Não achou semelhanças?
— Você é cansativo.
— E você é debochada.
— Ah, realmente isso eu sou. Mas como você já sabe, não preciso de você, então siga seu rumo que vou seguir o meu.
— Ah, você precisou agora, não foi?
— Teria aberto sozinha.
Ele gargalha com ironia, e eu entro no meu carro com raiva.
Subo a rampa da minha fazenda enquanto o deixo na porteira, sozinho. Ele não vai querer subir tudo isso sozinho, no escuro, e agora sinto certo alívio em saber que ao menos nessa noite não esbarrarei de novo com esse cara insuportável.
Estou sozinha e vou fazer o que preciso aqui para voltar de novo para minha vida. Só preciso esperar a Zelinha chegar em nossa casa de manhã cedo, entender a situação e achar uma solução rápida e assertiva. Deixei meu trabalho, minha égua, meus amigos e meu gatinho a minha espera, preciso ser breve!
Mando uma mensagem para o Francisco e para a Janete, olhando para minha casa que está toda fechada e escura. Engraçado que posso passar o tempo que for longe daqui, mas sempre vou ter a mesma sensação de que cheguei ao meu lar.
“Já estou dentro da fazenda, está tudo bem. Vão dormir e esqueçam que escolheram adotar de coração alguém tão teimosa quanto eu.”