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3869 Words
                                                     [...]   Cassandra segurou o grito assustado quando chegaram a seu prédio e deram com a porta do apartamento completamente escancarada. Estava tudo escuro lá dentro, e a rosada sentia o coração aos saltos dentro do peito.   — Alana? — chamou com a voz estrangulada. Deus, o que poderia ter acontecido? Deu um passo a frente, vencendo o medo do que poderia encontrar lá dentro, mas parou ao ouvir a voz de Vincent ao seu lado.   — Espere. Eu vou. Fique aqui com a fedelha...   Ele passou Eva – que caíra no sono no banco traseiro de seu carro – de seus braços para os de Cassandra. A garota quase caiu com o peso da menina, e quase deu graças quando com a movimentação a pequena acordou e saltou de seus braços trêmulos para o chão. Não era forte como Vincent para carregar uma criança de doze anos, como se ela tivesse cinco.   — Eva, espere. Fique aqui comigo. — disse a rosada quando a menina, após coçar os olhos com as costas das mãos e soltar um bocejo longo, fez menção de entrar correndo no apartamento.   Vincent encarou-a por um segundo, antes de suspirar e caminhar sem hesitação, mas atento, para dentro do apartamento. Do lado de fora, Cassandra achou seguro que se aproximassem um pouco mais da porta, mesmo sem entrar no apartamento, quando viu que pelo menos na sala estava tudo normal. Observou Vincent entrar na cozinha, e depois sumir no corredor em direção aos quartos. Ele ficou alguns poucos minutos sem aparecer, e Cassandra já estava tremendo em nervosismo com isso quando ele retornou, caminhando na direção delas com um pedaço de papel nas mãos.   — O que...   — Graças a Deus vocês chegaram!!!   Cassandra e Eva pularam no lugar, a última até mesmo soltando um berro de susto pela repentina aparição da irmã que veio descendo as escadas que levavam ao andar superior do prédio.   — Droga, Alana! — Cassandra berrou com uma mão no coração e respirando fundo. — Quer nos matar de susto?   Alana ignorou a pergunta, aproximando-se delas o suficiente para poder ver Vincent na sala.   — Ele foi embora? — perguntou o moreno, e Alana reconheceu o papel que ele tinha na mão como o bilhete que Ian lhe deixara. Suspirou.   — Não é esse o problema. — disse, e vendo a confusão no rosto dos dois mais velhos, continuou com a voz uma nota mais baixa. — É melhor vocês virem comigo. Precisam saber de uma coisa.   Vincent ergueu uma sobrancelha, confuso de sobre o que tudo aquilo se tratava, mas largando o pedaço de papel na poltrona e dando de ombros, pronto para segui-la com desinteresse quando necessário. Cassandra, por outro lado, avaliava a amiga a seu lado com atenção. Notou que Alana parecia mais pálida, como se tivesse visto um fantasma e a cor de seu rosto sumisse por completo. Também notou o nariz levemente vermelho e os olhos inchados.   — Andou chorando? — perguntou com a voz suave e preocupada, triste pela amiga. Alana fungou, passando as mãos apressadamente pelo rosto como que para se certificar de que não havia mais nenhuma lágrima ali. Havia chorado muito na última uma hora, assim como havia ficado extremamente chocada e horrorizada com o que lhe foi contado.   — É melhor vocês virem.... — desviou o assunto para o que realmente importava, suas mãos agitavam-se no ar num gesto que Cassandra sabia ser de puro nervosismo. Seja lá o que aconteceu, Cassandra sabia que era muito sério.   — irmã... — Eva chamou num murmuro baixinho, ganhando o olhar da irmã para si que sorriu levemente, como se só então notando a presença da menina. — Está tudo bem?   Alana tentou, tentou mesmo esboçar um sorriso maior, um que conseguisse tranqüilizar a irmã mais nova, mas não era possível quando até mesmo o pequeno sorriso que vinha ostentando estava se desmanchando em seus lábios, como se houvesse um peso terrível em seus ombros que a impediam de sorrir.   — Está sim. — disse com a voz estrangulada, e todos – sem exceção – sabiam se tratar de uma mentira. — Eva, você pode, por favor, ficar aqui embaixo assistindo televisão?... Tem sorvete no congelador, e só dessa vez eu deixo você tomar um pouco antes de jantar, está bem? — afagou os cabeços da irmã.   A menina queria recusar, queria muito mesmo, mas somente daquela vez achou justo acatar um pedido da irmã sem protesto, afinal, ela também estava abrindo uma exceção não é mesmo? Sorvete antes do jantar era algo completamente proibido para si desde... sempre.   — Me sigam. — Alana sussurrou baixinho quando a irmã entrou no apartamento, sumindo na cozinha depois de ligar o televisor na sala. Ouviram o barulho da geladeira se abrindo e então subiram as escadas lado a lado depois que Vincent encostou a porta do apartamento.   — Steawart, será que é pedir muito que você explique o que diabos eu vim fazer aqui? Pelo visto o problema não é com o Ian já que ele não está aqui e muito provavelmente já está um avião para fora de Amsterdã e...   — O problema é do Ian, sim. Melhor dizendo, é sobre ele...   — Alana, você está me assustando. — Cassandra disse, reconhecendo o andar que levava ao apartamento da dona Loren e se surpreendendo quando notou que Alana os conduzia exatamente para ele, que tinha a porta levemente encostada. — O que estamos fazendo aqui? — sussurrou, cada vez mais confusa.   Alana não respondeu; ao invés disso deu três socos leves na porta de madeira, como que apenas para anunciar sua presença antes de empurrar a porta e colocar a cabeça para dentro. Não foi surpresa nenhuma encontrar a dona Loren na poltrona de couro marrom, o mesmo lugar em que a havia deixado, e com lágrimas ainda correndo silenciosas de seus olhos.   — Dona Loren?! — se pronunciou, e quando a mulher ergueu os olhos para si, Alana tentou sorrir para ela, antes de abrir a porta por completo, dando passagem para os amigos e se aproximando mais de onde a mulher estava até agachar-se a frente dela. — Está mais calma? — sussurrou com preocupação, ao que a mulher tentou respirar fundo como indicativa de que sim. — Certo. Bom... a Cassandra já conhece, e aquele ali é o Vincent. — apontou para o Bennie, de braços cruzados, queixo erguido e olhos desconfiados. Alana tornou os olhos para a mulher a sua frente. — Ele é o melhor amigo do Ian...   Tanto Cassandra – parada no meio da sala, de mesmo tamanho que a sua mas com móveis mais bonitos e novos que os seus – quanto Vincent notaram o brilho que passou pelos olhos da mulher a menção do nome do loiro. Vincent, próximo a porta, desencostou-se da parede em que estava e aproximou-se um pouco até estar ao lado de Cassandra com olhos ainda mais desconfiados.   — Alguém quer esclarecer o que está acontecendo aqui? — perguntou em voz seca, seu olhar malditamente arrogante e desconfiado caindo horas na mulher na poltrona, outras na garota agachada frente a ela.   Loren respirou fundo, pigarreando um pouco para limpar a garganta, como se só assim as palavras fossem sair.   — Querem beber alguma coisa? Um suco, talvez? — perguntou, sua voz estava tão baixa que Cassandra duvidou de ter ouvido toda a frase.   A mulher de fartos s***s e sedoso cabelo loiro mexeu-se na poltrona, as mãos que estavam juntas sob as coxas tremiam e seus olhos ainda faziam escorrer uma lágrima ou outra em intervalos curtos. Alana resolveu tomar a frente e fazer o assunto correr até onde deveria antes que Vincent explodisse seu cérebro com o olhar raivoso que tinha sobre si. Não podia culpá-lo, ele e Cassandra estavam completamente perdidos no porque de estar ali, e depois do dia estressante era mais que natural que o Bennie quisesse matar alguém.   — Dona Loren, a senhora pode... contar para eles o que me contou? — perguntou, e vendo os olhos castanhos da mulher se arregalarem-se e a boca começar a se abrir para protestar, continuou, dessa vez segurando as mãos dela nas suas num gesto de conforto. — Por favor. — suplicou. — Eles tem que saber, são amigos do Ian e vão ajudar a encontrar uma solução.   — Você não está querendo dizer que vai contar a ele, está? — Loren questionou, livrando-se das mãos dela, e parecendo aterrorizada com a idéia. Alana suspirou.   — Ian tem o direito de saber. — disse com uma dureza tão grande que fez o olhar da mulher se fixar no chão, envergonhada. — Vincent pode ajudar a encontrar a melhor maneira de contar a ele, mas... Ele tem que saber, Loren. Vocês não podem continuar mentindo para ele...   Loren suspirou, derrotada. Cassandra fez uma careta, cada vez mais confusa. E Vincent... esse explodiu, ameaçador.   — É melhor alguém começar a falar, e é melhor que seja agora ou vou fazer com que falem do meu jeito, e isso não será nada agradável para vocês. — disse, a frieza e seriedade em sua voz fazendo os ossos das mulheres na sala estralarem. — Então... Que história é essa de estarem mentindo para o Ian? Quem está mentindo? E, por todos os deuses em que não acredito, sobre o quê estão mentindo?   O silencio sepulcral que caiu sobre o cômodo durou apenas alguns minutos antes que um novo suspiro de Loren o cortasse. A mulher se levantou, havia uma firmeza e também tristeza em seus olhos que impressionou Alana. Sabia que seria difícil, seria difícil ela colocar tudo para fora uma vez mais, como quando alguém cutuca um machucado que nunca se fecha realmente, fazendo-o sangrar mais que antes. Mas precisava ser feito.   — É melhor que vocês se sentem. A conversa vai ser longa. — ela disse, tentando fazer com que sua voz tremesse o menos possível.   Alana levantou e foi tomar lugar no sofá de três lugares, ao lado da poltrona. Cassandra fez o mesmo, mas Vincent apenas ergueu uma sobrancelha em desafio para a mulher na poltrona, deixando bem claro que iria permanecer de pé. Cassandra rolou os olhos. Bennies... Não dá pra entendê-los.   — Certo... — suspirou Loren, tomando grande fôlego e tentando reunir o máximo de força para falar. — Não tem um meio fácil de dizer isso, então... — deu de ombros, e já sentindo as familiares lágrimas escorrendo por sua face e a dolorosa dor em seu peito, soltou de uma vez. — Ian é meu filho.   Cassandra arregalou os olhos. Vincent ficou ainda mais pálido. Alana baixou os olhos para as mãos, suspirando.   — Desculpe, mas... Como é que é? — indagou Cassandra com um misto de incredulidade e confusão.   — Eu vou contar tudo. — sussurrou Loren, e a expressão prepotente de Vincent lhe deixou muito claro que, sim, ela ia contar tudo. Não havia outra opção.   Depois de morder os lábios, mexer-se na poltrona uma vez mais, ela começou. Começou a contar tudo. Todos os segredos. Começou a desenterrar uma história que havia sido enterrada há dezoito anos. A história, a verdadeira, história de Norton Ian.                                                           Andava de um lado para o outro no meio da grande sala, suspirando e bufando. Apertava com força o celular na mão, como se assim fosse fazer com que tocasse com alguma noticia. Alguma coisa estava errada, muito errada. Podia sentir isso. Não conseguia falar com Vincent, Cassandra também não atendia o celular, não tinha idéia de onde Alana estava no momento, e pra piorar David também sumirá. Estava ligando a horas pro celular do ruivo, deixando mensagens, por fim acabou ligando pra Antonia e qual não foi sua surpresa quando a cunhada disse que o ruivo estava a caminho de sua casa?! Mas isso já fazia bem uma hora. Onde diabos David estava? Onde estava todo mundo afinal de contas?   — Será que encontraram Ian? — murmurou para si mesma, esperançosa.   Cansada e já com as pernas doendo de tanto andar de lá para cá, Lisandra largou-se no sofá, afundando no mesmo e suspirando. Ainda estava com as vestes negras do enterro de Yara, e apenas de pensar nisso sentiu o coração doer. Buscou com os olhos um porta retrato, próximo ao grande televisor e sorriu. Na fotografia estavam os cinco: Ian, Yara, Vincent, Lisandra e David... Tudo nessa mesma ordem e embora os rapazes, diferente das garotas, não estivessem sorrindo, seus olhos transmitiam felicidade.   Sentiu o peito doer. Pensar que nunca mais veria o belo sorriso de Yara, um sorriso sempre doce e amigável, e nem mesmo veria aquele brilho no olhar azul dela doía. Yara fora uma grande amiga. Mais do que Lisandra imaginou um dia ter. Quando tinha problemas, a ruiva sempre vinha a seu socorro. Ela a entendia, entendia as dores que a ausência de seu pai causava por que passava pelo mesmo.   Quantas e quantas noites não passaram assistindo filmes românticos, com um balde de pipoca sob as pernas, rindo e conversando sobre tudo?! Yara era a irmã que ela nunca teve, e Deus sabia, jamais seria.   — Você sempre foi a melhor de nós, Yara. — disse com um sorriso saudoso para a garota na fotografia. — Vou sentir sua falta para sempre.   Lisandra deixou o celular escorregar de seus dedos para o sofá, fechando os olhos e respirando fundo. Por que se sentia tão inquieta? Tinha quase certeza de que algo estava acontecendo. Estava preocupada com Ian, preocupada com David...   — Meu deus... São tantos problemas! — enterrou o rosto nas mãos, balançando o corpo para frente e para trás.   As coisas estavam acontecendo rápido demais, tão rápido que ela não sabia se conseguia acompanhar. Havia sua discussão com David e, meu deus, como aquilo fazia doer seu coração. Havia os relacionamentos de seus amigos, todos desmoronando e os ferindo sem que pudesse fazer nada. Havia a morte de Yara. Havia Ian. E, o pior de tudo, havia Elizabeth.   Lisandra sentia todo seu corpo tremer de ódio apenas por pensar nela. Por que ela simplesmente não os deixava em paz? Todos eles. Sim, porque, mesmo que a obsessão dela fosse Ian, Elizabeth era como um tornado que saia arrastando e destruindo tudo oque entrava em seu caminho.   O barulho estridente da campainha fez com que abandonasse seus pensamentos e preocupações, pulando do sofá e quase correndo até a porta. Desativou o código de segurança da porta, o coração palpitando com o pensamento de que provavelmente era David ali. Sorriu, feliz com a oportunidade de resolver as coisas com ele. Abriu e porta e...   — Pai?!   O sorriso de Lisandra murchou de imediato, encarando o homem loiro parado na porta e que tinha um sorriso largo no rosto bonito, com estranheza, quase como se não acreditasse que ele estava realmente ali.   — Filha. — o senhor Ivan Sheroman alargou ainda mais o sorriso. — Mudou o código de segurança por quê? — quis saber, já entrando dentro da casa e dando uma longa aspirada, como que registrando novamente o cheiro do ambiente que ele não colocava os pés a meses.   Lisandra fechou a porta, a boca ainda estava um pouco aberta com a repentina aparição do pai. Suspirou, balançando a cabeça e tentando dissipar a decepção por não se tratar de David. Odiou a si mesma por aquilo. Por Deus, era seu pai ali. O homem que lhe deu a vida... e que não fazia contato a muito tempo, como se tivesse esquecido da filha. Lisandra estreitou os olhos, de repente, sentindo-se muito irritada com o homem que andava pela sala.   — Por que não avisou que vinha? — questionou, voltando para sala e se largando novamente no sofá.   Próximo ao pequeno bar, de onde se servia de um drink o senhor Sheroman riu levemente.   — Querida, falando desse jeito até parece que não está feliz por eu estar aqui. — riu novamente, enquanto Lisandra mexia-se no sofá. — Quis lhe fazer uma surpresa. Feliz? — sorriu pra filha antes de entornar a bebida nos lábios.   Lisandra queria gritar. Se perguntava como seu pai podia ser tão terrivelmente cara-de-p*u e insensível. Como, alguém que sumia de sua vida por meses, m*l respondendo seus telefonas, m*l entrando em contato, voltava assim de repente como se tudo estivesse bem entre eles? Nada estava bem. Nada nunca esteve bem.   — Está sabendo sobre Yara?... — perguntou, cruzando os braços e encarando o pai com olhos estreitos. — O enterro dela foi hoje.   — Oh... Isso. — murmurou o homem, aproximando-se do sofá e sentando-se ao lado da filha, o largo sorriso diminuindo, mas não desaparecendo de seu rosto. — Estou ciente disso. Realmente uma lástima.   — Uma lástima? — Lisandra explodiu, levantando-se do sofá e colocando-se frente ao homem que apenas lhe ergueu uma sobrancelha. — Isso é tudo o que você tem a dizer?                                                       — O que você queria que eu dissesse Lisandra? — perguntou, calmamente. Lisandra balançou a cabeça em descrença.   — Eu queria que estivesse estado aqui...   — Estou aqui agora. — rebateu rapidamente, sorrindo largamente outra vez. — Vamos querida, fique contente. Não era você que reclamava que nunca passo tempo contigo? Então, aqui estou eu. Vou ficar por algumas semanas.   Lisandra queria ficar feliz. Ela realmente queria ficar feliz. Mas felicidade não lhe era uma emoção disponível no momento. Estava preocupada, triste, magoada, estressada pelos últimos acontecimentos... Era simplesmente impossível ficar feliz. E ainda havia o pequeno fato de que uma parte sua estava gritando que o motivo de seu pai estar ali, não era realmente por que queria passar um tempo consigo.   — Me diga, o que aconteceu que te trouxe até aqui? — perguntou, e vendo o homem desviar o olhar para o copo nas mãos, soube que estava no caminho certo. Riu amargamente. — Eu sabia. Sabia que havia outro motivo... Hum... Deixe me adivinhar o que foi sim? Negócios a resolver por aqui?... Não, acho que não foi isso. Você mandaria que alguém daqui os resolvesse pelo senhor. — fingindo pensar seriamente nas possibilidades Lisandra colocou uma mão no queixo, soltando um suspiro profundo. — Oh, já sei. — exclamou, em falsa felicidade. Naquele ponto Ivan a encarava com um brilho raivoso por toda aquela insolência. — Se meteu num escândalo?... Melhor, a mulher com quem você estava saindo te deu um chute?... Acertei? Pela sua expressão amarga, aposto que sim...   — Já basta Lisandra... — rosnou o homem por entre dentes cerrados. Lisandra bateu o pé.   — Não, não basta. — gritou. — Você vem até aqui, depois de meses sem aparecer, agindo como se fosse o melhor pai do mundo quando não é quase nem mesmo um pai de verdade pra mim e...   — Ora, sua...   — CALE A BOCA. — gritou, ofegando. Simplesmente não podia se conter. Estava sob tanto estresse, sob tantas emoções conflitantes que era simplesmente impossível guardar a raiva agora. — Cale a boca e escute. Estou tão cansada de você agindo como se eu fosse a culpada de nós não termos um relacionamento de pai e filha saudável, quando é você que some por meses. Some, e quando liga ou aparece nunca pergunta como eu estou, nunca quer saber o que se passa na minha vida. Você não se importa comigo.   — Eu amo você. — Ivan levantou-se também, encarando a filha com raiva pela afronta. — Você é minha filha, eu amo você. Cuido para que sempre tenha tudo oque quer, o que precisa... Olhe essa casa, olha onde estuda... Acha que todas as garotas da sua idade tem isso?   — Oh meu deus. — Lisandra riu com amargurada, mexendo as mãos de maneira nervosa. — Por que você sempre leva nossas conversas pro modo material?... Por que você sempre foge de encarar o fato de que você simplesmente não sabe amar... Você diz que me ama? Como? De que jeito? Do mesmo jeito que você amou a minha mãe e a deixou morrer?...   O tapa foi certeiro. Direto na sua bochecha esquerda, com força o suficiente para fazer com que virasse o rosto e sentisse a pele arder como se estivesse pegando fogo quase imediatamente. Lisandra ofegava, a dor a cortando, assim como seu pai também ofegava, a palma da mão que desferiu o tapa na face contra a filha ainda erguida no ar.   — Oh meu deus... — murmurou Ivan, aterrorizado com o que havia acabado de fazer. — Meu deus... Querida, querida, por favor me perdoe... Eu não queria... Eu só... — tentou tocar Lisandra, mas a garota desvencilhou-se de suas mãos. Quando tornou a erguer a face para o pai, havia lágrimas, de tristeza e ódio, correndo livres por sua face. A vermelhidão na bochecha esquerda era tão visível, que fazia um contraste grotesco contra a pele clara e leitosa dela.   — Eu odeio você. — não passou de um murmúrio, mas estava tão carregado de raiva que era impossível não ter ouvido. — Eu odeio você.   Ivan engoliu em seco, observando todo o ressentimento nos olhos da filha que fazia questão de encará-lo enquanto continuava a repetir aquelas palavras.   Como pode ir tão longe? Como ele pode? Como ela pode? Sentiu um gosto amargo na boca, um desgosto de si mesmo e da filha na boca do estomago. Só diante de todo o ressentimento nos olhos dela, que reparou no quanto havia perdido todos aqueles anos. Mas o que podia fazer? Nunca fora muito bom em lidar com emoções, menos ainda depois da morte da senhora Sheroman. Sentiu o coração doer em culpa ao lembrar-se da falecida esposa. Ela morrera de câncer quando Lisandra era apenas uma garotinha. Ela estivera sempre ao lado da mãe, durante todo o processo, e ele? Onde ele estivera? Afundado em trabalho, como sempre. Covarde demais para ficar ao lado da esposa e da filha naquele momento, porque simplesmente não tinha forças para vê-la partir. Fora covarde demais, deixou com que Lisandra crescesse e lidasse com tudo aquilo sozinha, e quando sua esposa enfim morreu, ele não estava lá para amparar a filha e secar suas lágrimas. E depois do enterro, simplesmente não sabia como agir com a filha, nunca soube, nunca fora um pai presente mesmo quando a esposa estava viva. Não sabia como agir. Simplesmente não sabia. E então fez o que sempre fazia... fugiu.   — Não desfaça as malas. Não quero você aqui.   — Lisandra...   — Não. — a garota desvencilhou-se novamente das mãos do pai, querendo distancia, não querendo ouvir seus pedidos de desculpas. — Estou cansada. Meu dia foi longo. Feche a porta quando for embora, e não se preocupe em ligar mais, prometo que também não vou mais lhe incomodar com minhas ligações.   Com as mãos na bochecha esquerda, que não parava de arder e latejar, ainda sentindo o impacto do tapa, Lisandra correu escada acima, desaparecendo da vista de seu pai. Ivan ficou parado, no mesmo lugar, completamente atônito, sem saber o que fazer ou como agir. Ouviu o bater brusco de uma porta, Lisandra havia se trancado em seu quarto. Suspirou, deixando o corpo cair mole no sofá e esfregando a testa com a mão direita. Havia um bolo em sua garganta, seu peito comprimido em dor e arrependimento.
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