Capítulo 05

1779 Words
6 HORAS E 33 minutos. É o horário que marca quando o som irritante do meu celular para de soar pelo cômodo. Arrasto o indicador pela tela e viro para o outro lado, fechando os olhos para voltar a dormir. Quem acorda tão cedo em uma segunda-fe...   — Meu Deus, já é segunda!   Abro meus olhos tão rápido que sinto arderem e em um salto, estou longe de meus lençóis. Me livro de meu pijama enquanto caminho até o banheiro para tomar banho e um ato que costumava levar muito tempo, ocupa menos de cinco minutos de meu dia. Saio do banheiro com gotículas de água ainda escorregando por minha pele e me ajoelho diante da mala que deitei no chão somente de toalha. Reviro minhas roupas até achar uma camiseta social branca de botões e uma calça social preta; uma das únicas roupas socialmente aceitáveis que tenho.   Coloco-me de pé e visto a calça o mais rápido que consigo, arrependendo-me no mesmo instante de não ter escolhido uma saia. Puxo a camiseta social, passando-a pelos meus braços com facilidade e o corpo ainda um pouco úmido. Fecho os botões um a um enquanto visualizo meu reflexo no espelho. Meu cabelo está um caos, e que inferno de botões!   Hoje é meu primeiro dia na faculdade e definitivamente, eu estou muito atrasada. Prendo meu cabelo em um coque e solto alguns cachos nas laterais. Em seguida, corro em direção minha cama, colocando-me sentada nela e calçando uma sapatilha confortável em meus pés. Levanto-me, pegando a minha bolsa, meu celular e minhas chaves em cima da cômoda.   Cinco chamadas perdidas.   Guardo o celular na bolsa e deixo o apartamento, optando por retornar no meu intervalo. Entro no táxi e o que em minha visita tinha sido rápido, hoje parece estar demorando horas. E não porque estou atrasada, e sim porque o motorista é muito lento. Suspiro exasperada e inclino meu corpo para frente, tocando o banco à minha frente.   — Moço, teria como você ir um pouco mais rápido, por favor? — Acendo a tela do meu celular, verificando o horário. — Era para eu ter chegado na faculdade meia hora atrás.   — Sinto muito, senhorita, mas eu não posso.   Put4 merd4, mas assim você me f0de, hein.   Bufo frustrada e encosto meu corpo no banco novamente, desbloqueando meu celular para verificar as mensagens. Ironicamente minha melhor amiga deixou uma mensagem ontem à noite dizendo “não vá se atrasar, hein?” referente ao meu primeiro dia, e cá estou eu.   O carro para e eu puxo o pagamento, abrindo a porta do carro e sequer dando tempo do homem me voltar o troco.   — Pode ficar com o troco, obrigada!   Desço do carro e bato a porta, correndo em passos largos até a entrada do meu prédio. Sem tempo para admirar sua estrutura dessa vez. Caminho em direção a sala que haviam me orientado e paro em frente a porta, ergo a mão e fico alguns segundos assim, em dúvida sobre entrar ou não. Com o coração batendo forte no peito e a ansiedade correndo por minhas veias.   Cada dia em que eu conheço novas pessoas, cada nova experiência, cada novo lugar, concretizam ainda mais a decisão que tomei. Respiro fundo. Essa foi a decisão que eu tomei. Bato na porta.   Visualizo pelo vidro a professora acenar para que eu entre e é isso que faço, com um sorriso amável no rosto. Caminho até uma cadeira desocupada e faço o possível para ser tão silenciosa quanto possível ao me sentar nela e fitar a mulher que se mantem quieta e encarando-me até então.   — Perdão, como é o seu nome? — ela pergunta.   — Maitê — respondo com a voz falha e limpo a garganta —, meu nome é Maitê.   — Bem-vinda, Maitê. — Ela sorri. — Eu me chamo Gabriela, sou a professora de Teoria da Literatura de vocês e será um prazer tê-la como aluna   [...]   Sabe quando dizem que a vida é imprevisível, que nunca saberemos o que esperar dela ou que os planos de Deus ainda vão nos surpreender? Se você já ouviu alguma dessas frases, provavelmente você estava no fundo do poço ou prestes a vivencia-lo, e só usaram para tentar lhe fazer acreditar que dias melhores virão. Ao menos, comigo sempre foi assim. A vida inteira.   Contudo, essa não é a questão, porque hoje quem virou para mim para mim lembrando-me de sua imprevisibilidade não foi minha melhor amiga, minha mãe, meu pai ou qualquer outro parente. Pois, às vezes, você pode virar para si mesmo e dizer que sim, a vida é realmente surpreendente, e melhor do que isso: perceber que você não precisa estar em um inferno para acreditar em sua veracidade.   E digo isso porque agora eu estou cruzando a porta da sala de aula e...   — “Será um prazer tê-la como aluna?” Sério? — questiona Marcos quando saímos da sala de aula para o intervalo. Sim, o Marcos, aquele que me atropelou com um skate e agora estuda comigo. É, é disso que eu estava falando. — Ela estava claramente dando em cima de você.   — Por que os homens tem essa mania de associar simpatia com flerte? — pergunto, revirando os olhos, enquanto caminhando até a área do refeitório. — Ela usa aliança.   — Isso nunca impediu ninguém.   — Eu prefiro acreditar que alguém ainda tem princípios e ética profissional — retruco, adentrando o refeitório.   Observo Isabel acenar. Ela é a última na fila de compra de salgados, e nós caminhamos até ela, em passos rápidos. Nosso intervalo é curto, então não teremos muito tempo para tomar café da manhã, o que me faz anotar mentalmente para tomar antes de sair de casa nas próximas vezes. Por sorte a fila não está muito grande.   — Uma pena, porque ela é linda — diz Marcos, dando de ombros, e eu dou risada.   — Quem é linda? — pergunta Isabel quando a alcançamos.   — A professora Gabriela.   — Ah, tem interesse? Ela é casada — constata ela, sendo atendida em seguida pela vendedora. — Um pão de queijo e uma Coca-Cola, por favor.   — É o que estou tentando dizer para ele. — A moça entrega o pedido dela e assim que ela paga, trocamos de lugar. — Um pão de queijo e um café, por favor.   Entrego o dinheiro para ela e pego meu pedido. Esperamos juntas um pouco afastadas enquanto Marcos é atendido.   — Confesso que eu não esperava te ver de novo tão cedo — é Isabel quem diz.   — Foi uma surpresa para mim também saber que estudam aqui. — Marcos nos acompanha e nos sentamos em uma das mesas vazias do refeitório. — Você faz o que?   — Arquitetura — responde, mordendo seu pão de queijo. Faço o mesmo.   — Ela cursa só pela arte, porque odeia cálculo — brinca Marcos. Dou risada e ele me acompanha, apenas Isabel emburra lhe mostrando a língua. — Já conheceu a cidade, Maitê?   — Ainda não, esses dias foram bem burocráticos e nem sei por onde começar com tanto lugar bonito para ver.   Inicialmente, pude ver Marjorie, Pilar e eu passeando por São Paulo, as duas me apresentando a cidade e nós nos divertindo como uma verdadeira família que nunca esteve arruinada. Porém, após nosso encontro desastroso e eu ter me deparado com a personalidade difícil e grosseira da minha meia-irmã, sei que isso não será possível. Talvez ela nunca goste de mim.   — Maitê? — Ouço a voz de Marcos e quando recupero meus sentidos, visualizo o mesmo estalando os dedos em frente ao meu rosto.   — Oi, desculpe, eu não ouvi.   — Perguntei se não gostaria de ir com a gente hoje, depois das aulas. — Pisco os olhos, surpresa e tentando processar. — A menos que tenha algo melhor para fazer, é claro.   — Não, não, não... — n**o rapidamente, balançando a cabeça negativamente e sorrindo. — Eu adoraria ir.   — Ótimo, mas agora temos que ir — anuncia Isabel, atraindo minha atenção.   A maioria dos universitários que estavam no refeitório já o deixaram e é assim que percebo que nós também já deveríamos ter ido. Não sei muito sobre o Brasil, mas tenho certeza que se atrasar duas vezes no mesmo dia não causa uma boa impressão. Nos levantamos e juntos caminhamos pelos corredores, quando em determinado momento a morena tem que se despedir de nós, já que sua sala fica no corredor oposto. Esperamos que ela o cruze e quando o faz, Marcos e eu adentramos nossa sala. A professora ainda não chegou e é inevitável não respirar aliviada por isso.   O restante da aula passa tão rápido quanto a primeira. As aulas hoje foram bem mais introdutórias, onde a professora apresentou a si e a sua matéria, juntamente as avaliações que ocorrerão durante o semestre, que pelo pouco que pude captar, será árduo e longo.   Faz algum tempo que Marcos caminha à minha frente em direção à saída, atraindo olhares por cada lugar que passa. E eu com certeza não tiro a razão dessas pessoas. Ele é bem mais alto que eu, possui os cabelos cacheados castanhos e pele amarelada clara e neutra. Seu corpo é esportivo, típico de um atleta, e pelo café da manhã balanceado que tomou acredito que seja um. Possui o sorriso mais branco que já vi e contraste de seus olhos verdes com seus cílios escuros atrai qualquer um.   Quando percebo estamos do lado de fora. Está uma tarde extremamente bela. O sol não está tão forte e o céu está azul, sem nuvem algum ou qualquer indicio de que vá chover, o que torna o tempo propício para nosso passeio.   Agora, não tão distante, consigo ver Isabel, que está de costas para nós, nos esperando em pé na grama. Ao seu lado há uma mulher conversando com ela, e seus cabelos cacheados dourados, extremamente familiares, dão lugar a uma sensação esquisita em meu peito. Aquela que sinto toda vez que sei que algo de r**m irá acontecer. Busco em minha mente a origem dessa sensação, mas não encontro nada, talvez seja só impressão.   Paro atrás delas e quando viram em minha direção, é então que percebo, que a sensação de familiaridade não podia estar mais certa. E que algo muito r**m está prestes a acontecer.   — Marjorie, essa é a...   — Eu sei quem ela é — Marjorie a corta, áspera e dura. — Mas que cara de p*u, a sua, o que está fazendo aqui?   E eu sei que já disse isso, mas gostaria de reforçar: a vida é realmente surpreendente e ela não poderia ser mais filha da put4 por isso.
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