Capítulo 04

1552 Words
MINHAS MÃOS ESTÃO trêmulas e soando. São Paulo está com um clima ameno, e em meu corpo eu visto um vestido apertado no b***o e meio rodado da cintura para baixo. Em meus pés estão um par de coturno branco para que possa combinar com o vestido azul escuro. Permaneço na frente da casa de paredes creme e com um quintal digno de um bom jardim. Aproximo-me com receio e nervosismo ao mesmo tempo e toco a campainha.   Estou prestes a conhecer minha irmã e a mãe que me gerou em seu ventre.   O portão se abre autorizando minha entrada, e assim que passo por ele, tenho vontade de dar dois passos para trás e voltar para Costa Rica. Mas ao invés de dar dois passos para trás, caminho lentamente para frente me perguntando se havia sido uma boa idéia estar aqui. Porém eu queria, eu sentia que eu tinha que conhecê-las. A porta principal se abre e uma cabeleira ruiva cacheada se faz presente, engulo em seco e abro um sorriso pequeno, sendo ignorada completamente. Ela me dá espaço para entrar e sussurro um obrigada.   — Fique a vontade, querida. Desculpe pela má educação da Marjorie, não foi assim que a lhe criei — Uma voz baixa se faz presente e meu olhar percorre todo ambiente, até encontrar uma mulher sentada no sofá com uma coberta sobre seu colo e uma caneca em suas mãos. — Vem aqui, filha, sente-se.   Assinto e me locomovo até o sofá em que ela está e me sento ao seu lado colocando minha jaqueta e a bolsinha que eu carrego em meu colo. Seu semblante mostra cansaço e há olheiras abaixo de seus olhos castanhos. Seus cabelos ruivos estão em um coque e alguns fios estão a solta, caindo sobre seu rosto. Ela coloca a caneca em suas mãos e se vira para mim pegando em minhas mãos. Nesse momento, ouço o barulho forte da porta se batendo e viro meu rosto para a direção do som, e encontro Marjorie com uma feição nada boa se direcionando as escadas.   — Marjorie, fique aqui conosco, ela também veio lhe conhecer, filha.   — Que pena. Porque eu não estou nem um pouco afim de conhecer essa garota — diz subindo as escadas com pressa.   Engulo em seco e volto a olhar para Pilar que me encara com culpa nos olhos.   — Não se preocupe, eu imaginei que não fosse ser fácil assim. — Aperto devagar duas mãos e tento mostrar um sorriso falho. — Nós duas crescemos com mentiras ao nosso redor e eu não culpo a senhora, o meu pai que deveria ter agido certo e ter reconhecido a outra filha que ele havia colocado no mundo, ele tinha que ter ajudado-a. Mas o medo da minha mãe se separar dele foi maior.   Balanço minha cabeça em negação e acabo rindo sem humor. É até engraçado, um homem que sempre recebeu patadas e nunca carinho da esposa ainda sim ama-la loucamente.   — Isso não tem mais importância agora, querida. — Sua voz sai falha e em seguida ela começa a tossir, logo pega a caneca e toma um gole do mesmo. — Desculpe.   Pede e eu apenas balanço a cabeça mostrando não ter problemas.   — Meu pai disse que está doente, mas não especificou, perdão pela indelicadeza, mas o que a senhora tem?   Pisco vezes seguidas enquanto observo seu olhar baixo.   — Eu estou com leucemia mielóide aguda, querida.   Abro minha boca tentando falar algo, mas minha mente ainda decifra o que ela havia acabado de falar. Respiro uma, duas, três vezes.   — Está muito avançado? — pergunto, torcendo para que não esteja. Eu havia acabado de conhecê-la, ainda precisava de mais tempo.   — Estágio três. Estou fazendo tratamento enquanto isso, encontrar um doador é muito difícil. Mas não vamos falar sobre isso, quer tomar alguma coisa?   — Não, mas obrigada — respondo desfazendo a união de nossas mãos para colocar minha bolsa com jaqueta ao meu lado.   Marjorie havia subido e isso fez-me ficar levemente decepcionada, mas não poderia fazer nada. Era no tempo dela e eu não a forçaria conhecer uma pessoa que ela não quer.   — Como seus pais estão? Eu não os vejo desde... — para de falar e eu apenas balanço a cabeça mostrando estar tudo bem.   — Papai está bem, tentando se redimir com o que fez, minha mãe...bem, ela está ótima, não se importa muito com nada.   Rio sem humor e ajeito meu cabelo que havia caído sobre meu rosto. Um silêncio se instala sobre o cômodo, era estranho estar ali. Ela havia me gerado em seu ventre e não sabia nada sobre mim, assim como as únicas coisas que eu sabia sobre ela era que estava doente e que havia me dado a luz. Observo Pilar ir ficando pálida e rapidamente me levanto preocupada, me aproximo dela e toco em seu rosto, sua pele estava quente e eu sequer havia percebido isso antes. Quando tento ajeita-la sobre o sofá, a voz de Marjorie invade o recinto.   — Tire as mãos dela e se afaste. — Caminha em passos rápidos até mim.   — A sua mãe está... — Me interrompe.   — Exatamente, a minha mãe, então se afasta dela. —Me empurra para o lado e eu apenas me movo para pegar minha jaqueta e minha bolsa no sofá.   Observo ela deitar Pilar sobre o sofá ajustando uma almofada abaixo de sua cabeça. Minhas mãos suam frio e eu fico ali, parada e sem me mover.   Marjorie não odeia somente o nosso pai, mas como também me odeia e me pergunto o motivo, sua mãe havia sido tão amorosa comigo.   — Você ainda tá aqui, garota? — Seu olhar recai sobre mim. Aqueles olhos verdes diziam muita coisa, e uma delas é que ela me queria fora dali. — Eu não quero te conhecer, não quero conhecer o seu pai. Vocês não mudam e não alteram em nada na minha vida. Não sei por qual motivo você veio.   — A minha intenção era conhecer você e tentar ter uma boa relação. Eu sinto muito pelo o que meu pai, nosso pai fez. Mas, eu não sabia da sua existência até ontem, e assim que eu soube eu vim atrás, porque eu quero te conhecer.   — O quê? — Ela ri amargamente. — Me conhecer? A garotinha mimada e fútil não tem amigos o suficiente? Olha, eu vivi dezenove anos muito bem sem um pai e sem uma irmã, não é agora que eu preciso — diz dando de ombros.   Meu olhar recai novamente pra Pilar e sinto meu coração acelerar as batidas. Ajeito a alça da bolsa sobre meu ombro e encaro novamente a ruiva a minha frente.   — Tem certeza? Talvez a sua amargura venha disso.   — Saia da minha casa. — Caminha até a porta e abre a mesma. — Não volte aqui novamente, e diz ao seu papai, para que ele não me procure e que continue inexistente pra mim.   Maneio a cabeça e apenas dou uma última olhada em Pilar que dormia e atravesso a porta que se fecha assim que passo por ela. Eu imaginei que fosse ser difícil nosso primeiro contato, mas não tanto assim.   Apesar de gêmeas, notei que Marjorie é bem diferente de mim, tanto em aparência física como personalidade. Nossa única aparência em conjunto são os cachos dos cabelos. Marjorie é ruiva de cabelos cacheados, olhos verdes e pele clara, enquanto eu sou morena de cabelos cacheados, olhos castanhos e pele escura.   Assim que meus pés pisam na calçada da casa do qual havia sido gentilmente expulsa, pego meu celular e entro em minha conversa com Mia, ela havia me enchido de mensagens perguntando como havia sido o encontro.   Como foi? [ 15h45m] Ma, eu estou curiosa, não sumaaaa [16h00m] Garota, irei pegar um vôo para o Brasil se você não aparecer [16h12m] Dou uma risada fraca e clico no teclado para poder lhe responder.   Não foi como esperado, mas Pilar é um amor, o que complicou mesmo foi a Marjorie :(  [16h32m] Te explico tudo melhor quando eu chegar, beijos! [16h33m]   E bloqueio e a tela antes que ela novamente me enche de perguntas. Havia uma mensagem do meu pai perguntando como eu estava, mas não visualizo e decido ignora-lo até chegar no hotel.   Sei que ele não tem culpa de Marjorie não querer me conhecer, mas ele poderia ter evitado isso há dezenove anos quando aceitou que a garota crescesse longe. E hoje, eu dou total razão a minha meia-irmã por guardar rancor, mesmo sabendo que eu não tenho culpa. Lhe darei tempo e quando ela se sentir confortável o suficiente para conversar comigo, estarei a prontidão. Só não prometo deixar de vir a sua casa visitar Pilar, ela é a mãe carinhosa que eu nunca tive, e quero estar presente nessa fase tão difícil e complicada da sua vida, ela me deu a vida, e eu pretendo honrar ficando ao seu lado e vendo-a recuperar a sua.   Peço um táxi que não demora a chegar. Assim que adentro o automóvel, olho para a casa e observo a cabeleira ruiva de Marjorie me observar pela janela. Meus olhos encontram os seus e eu dou um leve sorriso antes do táxi partir.   É, talvez não seja tão complicado assim.
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