Capítulo 12

1803 Words
  NÃO SEI EXATAMENTE o que Pilar está sentindo nesse momento. Ódio, raiva, saudade? É algo inexplicável para mim e para todos ali. Sinto o aperto em minha mão e só então percebo que é a sua que me aperta. Com ajuda de Marjorie, a colocamos sentada na poltrona em que ela faria a quimioterapia.   Silêncio, apenas respirações pesadas podem ser ouvidas no ambiente. Ninguém se atreve a quebra-lo por uns minutos, até Marjorie perceber de quem Otávio se tratava. Talvez seja agora que o incêndio se inicia.   — Então ele que é o genitor? Quem avisou pra ele que estávamos aqui? — Seu olhar se recai a mim e sua sobrancelha erguida mostra a quão irritada ela está. — Não acredito que você fez isso, garota.   — Ela não pediu, eu vim por livre e espontânea vontade — nosso pai, que até então não havia falado nada desde então, se pronuncia novamente. — Então você é a Marjorie. És tão parecida com sua mãe, querida.   Se aproxima, levantando sua mão para tocar o rosto da ruiva, mas ela desvia.   — Não toca em mim — diz curta e grossa. A Marjorie de minutos atrás havia sumido, dando lugar a antiga Marjorie que eu conheci.   — Filha.... — Pilar tenta chamar sua atenção.   — Não, mãe. Eu sequer conheço esse homem que se diz ser meu pai e ele chega no seu quarto hospitalar como se já fosse da família. Ele não é, e nunca vai ser, da família — diz entre dentes.   Fico em silêncio observando tudo ao meu redor. Meu pai tem o olhar triste e por alguns segundos sinto pena dele, mas não posso negar que ele não merece esse tratamento, ele merece, e não tiro a razão de Marjorie. Fiquei assim como ela quando descobri sobre a fertilização e sua traição, mas o pior foi que ele a deixou crescer sem pai, deixou a mãe dela cuidar sozinha de uma criança que ambos concederam. Ela merece ter tido seu carinho desde seu nascimento.   Fico ao lado de Pilar que não tira os olhos do nosso pai. Não sei distinguir seu olhar, mas vejo que ainda há algo não resolvido entre os dois. E por isso decido sair do quarto para deixá-los a sós. Mas antes tenho que convencer minha irmã a também sair.   — Marjorie, vamos comigo atrás da enfermeira?   — Você sabe muito bem andar sozinha, Maitê! — Revira os olhos e me aproximo do seu corpo lhe beliscando no braço. — Aí, garota.   — Por favor, irmãzinha.  — Pisco meus olhos na tentativa falha de soar fofa, mas com certeza não funcionou já que ela revira os olhos em minha direção, ou funcionou, pois logo ela passa por Otávio, engolindo-o com o olhar antes de atravessar a porta.   — Eu tô com muito ódio de você — esbraveja quando saímos do quarto.   — Eu sei.   — Ainda não acredito que você contou ao genitor sobre a mamãe. — Me encara, com um olhar assassino.   — Eu sei.   — A minha vontade é de voltar para aquele quarto e expulsa-lo de lá.   —Eu sei.   — Dá pra parar de falar "eu sei, eu sei, eu sei"? Que saco! — Para a minha frente e segura em meus ombros balançando-os.   — Tá bom, nervosinha.   [...]   Família.   É uma palavra simples que pode vir a ter um significado poderoso. Família significa amor, união, parceria, ao mesmo tempo que significa dor e infelicidade. Nem toda família faz bem, assim como nem toda família faz m*l. E não tem como adivinhar qual lhe fará o bem, e qual lhe fará o m*l. É uma incógnita, que você dificilmente consegue decifrar antes de se machucar pela primeira vez.   Estou sentada na lanchonete do hospital há mais de meia hora com Marjorie, fomos falar com a enfermeira e ela disse que logo voltaria ao quarto para aplicar a medicação da quimioterapia, dando tempo suficiente para meu pai conversar com ela.   — Acho melhor voltarmos. Já deixamos eles sozinhos o suficiente — Marjorie, com sua feição emburrada, diz.   — A nossa mãe sabe se cuidar, mas concordo com você, já deu de deixá-los sozinhos. — Me levanto da cadeira e pego meu celular em mãos, Mar faz o mesmo. — E você tá parecendo uma criança emburrada.   Zombo dela, e ela me empurra, o que ocasiona em risadas da minha parte, e da dela.   — Não sei como te suporto. — Mostra a língua em minha direção ao mesmo tempo que lhe mostro o dedo do meio.   — Você me ama, só não descobriu ainda. — Dou de ombros.   Talvez nossa relação seja assim, entre tapas e beijos, socos e abraços, choro e riso.   Chego em frente ao quarto e tento ouvir algo do outro lado. Ouço sussurros, sinal de que ninguém eles estão se resolvendo, por enquanto. Quando vou pronta para bater na porta, Marjorie gira a maçaneta e a abre. Garotinha sem paciência.   Encontro Pilar sentada na poltrona onde havíamos a deixado anteriormente, e Otávio em sua frente, abaixado enquanto segura suas mãos. Nos olhos deles há lágrimas, não sei se são de felicidade ou tristeza, quem sabe lágrimas até de raiva.   Fico parada ao lado da minha irmã, calada, apenas observando os dois a nossa frente, e quem dessa vez quebra o silêncio, é a enfermeira quando chega no quarto.   — Está na hora de iniciarmos, senhora Duarte. — Aproxima-se dos meus pais.   — Droga, achei que iria rolar um beijo e eu iria ver de camarote — resmungo e Marjorie me encara com um olhar mortal. — Ops, pensei alto demais.   Ela desvia o olhar balançando a cabeça em negação. Nosso pai, que até então só havia se levantado, aproxima-se da gente ficando ao lado de Marjorie, o que faz com que a ruiva saia de onde está e fique do meu lado esquerdo.   Vai ser tão difícil meu pai conquistar a filha, que eu já imagino as dores de cabeça que ele terá.   Observamos a enfermeira adentrar a pele de Pilar com uma agulha e em seguida administrar no soro. Pilar escolheu fazer a quimioterapia através do soro, onde haveria o medicamento misturado. A enfermeira pede licença após finalizar, me aproximo de Pilar e me abaixo perto dela.   — Como a senhora tá se sentindo?   — Por enquanto bem, querida. Mas sei que a quimioterapia vai me acabar aos poucos. — Seu olhar é triste e isso me atinge diretamente. Sinto-me culpada por ter insistido tanto, mas não poderia deixa-la desistir antes de sequer lutar. — Não me olhe assim, filha. É bom saber que há pessoas que lutam por mim.   Ela olha para meu pai, mas logo desvia. Seguro em sua mão do braço onde não há soro e deposito um beijo. Sua pele está fria, e isso faz com que eu levante e pegue seu cobertor. Jogo sobre seu corpo, da cintura para baixo e ajeito-o.   — Eu irei em casa tomar um banho e trazer roupas para a senhora e Marjorie. Sei que ela não irá sair do seu lado e é bom ela não fazer isso, mas ela também precisa de um banho. — Faço uma careta como se ela estivesse fedendo e Pilar não n**a em dar uma pequena risada, fraca, mas ainda sim uma risada.   — Tudo bem, querida. Faça isso, por favor.   Beijo sua testa e me viro para os dois que estavam lado a lado, com uma distância considerável.   — Vou pegar umas coisas para ela e tomar um banho em casa. Você cuida dela por nós? — Ela assente, e volto meu olhar para o nosso pai. — Vamos, pai?   Ele me olha confuso com minha pergunta, mas não tarda em entender que ele ficar ali com Marjorie não será bom, não enquanto eles não se acertarem, e o que Pilar menos precisa nesse momento é de estresse.   — Vamos, sim, vamos. — Encara Pilar e diz: — Eu voltarei, tudo bem?   Ela concorda e então me despeço saindo do quarto. Eu não iria demorar para voltar, mas preciso resolver questões como a faculdade, dar notícias a Mia e aos nossos amigos, Marcos e Isabel. E também entender porque meu pai chegou de surpresa sem me avisar que iria direto pro hospital, e saber como ele conseguiu o endereço.   Adentramos o táxi que estava parado em frente ao hospital, dou o endereço do meu apartamento ao motorista e logo ele dá partida.   — Como... como conseguiu o endereço do hospital se eu sequer lhe passei, pai? — Encaro-o, colocando minhas mãos sobre minhas pernas.   — Eu só procurei o hospital mais próximo do endereço da casa de Pilar, só isso, filha — Ele diz, mas o meu apito de desconfiança alerta, e ergo minha sobrancelha fazendo-o se render. — Tá bom, tá bom, rastreei seu celular.   — Pai! — repreendo-o, mas não demoro para abrir um sorriso e abraçar seu corpo de lado. — Obrigada por estar aqui, com a gente.   [...]   Liguei para Mia e expliquei tudo para minha melhor amiga. Ela me desejou forças e queria vir ao Brasil para me ajudar, mas rejeitei. Ela tinha a faculdade, o trabalho e não queria atrapalhar sua vida. Também mandei mensagem para Marcos e Isabel em nosso grupo, e eles desejaram forças a mim e Marjorie.   Saio do banheiro sentindo que metade do peso que eu carregava foi ralo abaixo. Eu precisava realmente desse banho. Procuro uma lingerie confortável e uma roupa também confortável, então opto por usar um moletom quente e aconchegante. Visto-me e deixo a toalha estendida no banheiro, pegando outra para que eu pudesse enxugar meus cabelos.   Já havia passado na casa da minha mãe e pegado umas coisas para ela e Marjorie, quando meu celular toca. Pego-o e na tela brilha o nome "Marjorie", ela nunca me ligou, e sequer tinha meu número. Atendo com o coração na boca.   Só havíamos saído do hospital a menos de duas horas, ela não poderia ter piorado nesse intervalo, não poderia.   — Oi, Marjorie, o que aconteceu, ela tá bem?   — Calma, Maitê, respira. Sim, ela está aparentemente bem. — Sua voz falha na última frase, e percebo então que ela está chorando.   — Me fale a verdade, por favor.   — Ela está bem, eu só não consigo... — faz uma pausa — só não consigo ficar aqui com ela sozinha. Dói demais vê-la tão m*l por causa da medicação, por favor, volta pra cá.   — Não se preocupe, Marjorie, já estou a caminho.   Desligo o celular e prendo meu cabelo somente em um coque. Não daria tempo para pentear e finalizar, não naquele momento. Pego a bolsa com tudo que havia pego e desço as escadas, encontro meu pai sentado no sofá enquanto olha o celular. Quando ele percebe minha presença, ergue seu rosto.   — Estou voltando pro hospital.
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