TEMPO. Esperar o tempo passar nunca foi angustiante como está sendo nesse momento. Continuo sentada na poltrona desde que cheguei ao hospital. Marjorie e Isabel foram até a lanchonete pegar algo para que eu pudesse comer após saberem que eu sequer consegui almoçar hoje, enquanto Marcos ficou me fazendo companhia. Ele está na minha frente enquanto mexe em seu celular.
— Ei, vem aqui — chamo-o manhosa, para que ele possa se sentar comigo na poltrona.
— Você quer me usar, não é? — pergunta e com um mínimo sorriso nos lábios, eu balanço a cabeça em um sim, fazendo com que meu amigo gargalhe. — Eu sabia, sua ousada.
Afasto meu corpo dando espaço para ele se sentar. Eu estou encolhida sobre a poltrona por conta do frio que faz no quarto. Ele se senta ao meu lado e eu jogo minhas pernas para seu corpo.
— Estou com frio — digo sentindo meu queixo bater pelo frio sentido. Marcos pega o controle do ar que eu sequer havia visto e aumenta a temperatura para 21° graus e eu o agradeço com o olhar.
— Vem cá.
Meu corpo é puxado para cima dos seus braços e me deixo ser levada, até tê-lo envolta do meu corpo e o calor de sua jaqueta me esquenta.
— Obrigada por ter vindo de jaqueta.
— Por nada, agora descansa que eu sei que você está precisando, gatinha.
Me aconchego em seu ombro e sem minha autorização, minhas pálpebras vão se fechando aos poucos até a escuridão tomar conta de mim.
[...]
Ouço sussurros ao fundo e uma dor de cabeça se faz presente em meu corpo. Grunho baixinho de dor e volto a me aconchegar no calor que emana do corpo de Marcos, ainda de olhos fechados.
— Acorda ela, Marcos — é a voz de Marjorie que ouço.
— Não, ela acabou de pregar os olhos. Deixa ela descansar — meu amigo responde e eu reviro os olhos mesmo que eles estejam fechados; mentalmente. Vou aos poucos abrindo minhas pálpebras sentindo a luminosidade trazer desconforto as minhas írises.
Com meus olhos parcialmente abertos, enxergo as duas figuras, Isabel e Marjorie, em minha frente. Coço meus olhos e me espreguiço, me ajeitando ao lado de Marcos.
— Vocês queriam me acordar, uh? Conseguiram. Aconteceu alguma coisa? Nossa mãe já saiu da sala de cirurgia? — pergunto diretamente para a minha irmã. Todos calados, trazendo desespero para meu imo. — Vamos, falem logo!
— Ai, garota, volta a dormir, estava menos chata. — Minha gêmea revira os olhos e tenho vontade de levantar e soca-la, mas o corpo de Marcos quentinho me detém. — Só te acordamos para comer, tome.
Me entrega um lanche, um pote de salada e suco que parece ser de laranja, ao menos pela cor.
— Que milagre foi esse de você me trazer comida que eu realmente como, uh?
— Ah, não foi ela que escolheu, fui eu. Ela queria te trazer hambúrguer de frango com bacon que, inclusive, eu comi, estava uma delícia.
Faço uma careta e n**o com a cabeça enquanto abro o pote de salada. Enfio o garfo de plástico sobre os verdes e pego uma pouca quantidade, colocando em minha boca.
— Obrigada, porque se fosse por minha irmã… eu morreria de fome, não é, Marjorie?
Ela bufa, sentando-se na cadeira enquanto toma um milk-shake de chocolate.
— Olha, veja a foto que tirei de vocês enquanto dormia — Isabel vem até mim na poltrona e me mostra a foto tirada. Eu tenho meu rosto escondido sobre o ombro de Marcos enquanto ele mexe no celular. Pela foto dá para notar que estamos no hospital por causa do soro ao lado da poltrona, o qual minha mãe tomava antes de ser levada para a cirurgia no acompanhamento de outro. — Muito fofos. Até postei de tão fofo que ficou e enviei em nosso grupo.
Diz com animação e eu apenas sorrio enquanto continuo comendo. Levo o canudo do suco para os meus lábios e sugo o líquido. Não é suco de laranja e sim maracujá. O gosto é levemente adocicado com um fim azedo.
— Adorei esse suco, vou pedir sempre nesse hospital.
— Não compramos aqui, foi na lanchonete na frente do hospital. A comida daqui é horrível. — A ruiva faz careta enquanto mexe repetidamente em seu celular, ela não me olha, apenas digita animadamente.
— Com quem você tanto conversa? — Minha curiosidade é grande e não percebo quando pergunto.
— Ah, é com a....
Marjorie levanta rapidamente para calar Isabel e eu fico desconfiada.
— Não é ninguém, é somente nosso grupo de arquitetura, né Bel? — Retira a mão do rosto de Isabel que concorda, mesmo que seja mentira.
É lógico que é mentira. Minha irmã odeia sua turma da faculdade e ela não tamparia a boca de Isabel quando ela fez menção de dizer o nome do pessoa a qual está tirando sorrisos de seus lábios.
— O médico está vindo.
A morena troca de assunto rapidamente quando coloca a cabeça para fora do quarto e isso faz com que eu levante de supetão da poltrona em que eu estava sentada com a comida em mãos.
Que a cirurgia tenha dado certo, que tenha dado tudo certo.
Repito isso diversas vezes em pensamentos enquanto sinto um calafrio correr entre meu estômago, deixando-me afoita. Caminho até a mesa e deixo a comida que instantes atrás eu cutucava, o tempo certo para que o médico adentre a sala com um sorriso nos lábios.
Se a notícia fosse r**m acho que não deveria ter um sorriso em seus lábios, não é?
O quarteto se aproxima do médico de uma vez só e quando ele nos alcança, precisa dar um passo para trás.
— Correu tudo bem em ambos os procedimentos. Sua mãe solicitou que eles ficassem no mesmo quarto, então os encaminhamos para o 302. Estão de repouso, mas já podem receber visitas.
Eu não peço por detalhes. Ninguém pede. Talvez porque, assim como eu, ninguém tenha escutado o que o médico disse depois de "correu tudo bem", talvez porque ninguém quisesse lidar com a descoberta de alguma complicação que possivelmente ocorreu ou talvez simplesmente pensassem que tudo o que importa é o bem-estar de ambos.
Assisto Marjorie trocar as últimas palavras com ele e quando ele cruza a porta novamente indo embora, eu não me contenho. Sinto as lágrimas escorregarem por minha pele novamente compulsivamente de tamanha felicidade em meu peito. Os braços dos meus amigos me envolvem em um abraço apertado e ficamos assim por alguns minutos, até que não existam mais lágrimas a serem derramadas.
Nos afastamos, passando a mão pelo rosto para secá-lo, e Isabel e Marcos continuam me olhando. Questiono-os com um olhar.
— Nós não vamos ficar — é Marcos quem dá o pontapé inicial.
— Queríamos nos certificar que vocês ficariam bem, mas agora seus pais devem estar vulneráveis e seria melhor se tivessem com eles só vocês duas.
Eu concordo, balançando a cabeça, assim como Marjorie.
Marcos e Isabel são próximos de mim e Marjorie, não de papai e Pilar. E é compreensível que após uma cirurgia eles só queiram os familiares e amigos consigo. Ao menos, é compreensível para mim.
Nos despedimos de nossos amigos e nos direcionamos em direção ao quarto em que nossos pais estão, caminhando lado a lado e em silêncio. Dessa vez não há falatório, termos médicos, cheiro ou choro que me incomode. Eu me sinto radiante, como se eu tivesse engolido o Sol e agora ele irradiasse de mim por onde eu passo. Porque Pilar está bem. Papai está bem. E nada nesse mundo importa mais do que isso nesse momento.
— Mãe… eu fiquei tão preocupada — diz Marjorie adentrando o quarto e caminhando até a mulher que contém uma feição de cansaço em seu rosto.
Eu fecho a porta atrás de mim e sorrio, vendo que ambos estão bem. Deixo minha irmã conversando com Pilar e caminho até meu pai, que está deitado em uma cama semelhante a dela e não muito distante. Me sento em um espaço que ele me oferece.
— Por um momento, eu senti tudo começar a ruir — sussurrei baixo em espanhol, segurando sua mão. — Os médicos disseram que era um procedimento simples, mas tive medo mesmo assim. Muito obrigada por tudo que fez por Pilar, pai, isso foi muito importante para mim e acredito que ainda mais para ela.
— Não precisa agradecer, ela já me agradeceu demais — ele brinca, soltando uma risada. — E eu fiz de coração, valeu a pena no final.
Assinto. Com certeza valeu.
— Também foi importante para mim — é a voz de Marjorie que ecoa com dificuldade e preciso me virar para vê-la falar. — Olha, eu sou bem difícil de lidar e não vou mudar isso, você e Maitê chegaram aqui derrubando todas as minhas certezas sobre diversas coisas, inclusive a doença da minha mãe. Eu não gostei. Mas vocês salvaram a vida dela, então obrigada.
Eu sorrio e quando olho para o papai, ele também está sorrindo. Há um brilho em seu olhar. Um brilho que me faz pensar que tudo pode, finalmente, começar a dar certo.