Capítulo 29

1514 Words
ÀS VEZES PRECISAMOS sacrificar algumas coisas da nossa vida para ver que ela é importante. Acho que isso não foi diferente entre Otávio e Pilar. Meu pai ama minha mãe, Agnes, mas o seu amor por ela não se compara em nada ao amor que ele tem à minha outra mãe, Pilar, e eu vejo isso pelo seu olhar, seu sorriso. Seus olhos brilham somente em estar perto da mulher que anos atrás mudou a sua vida, não por lhe dar uma filha, mas sim duas.  Conversei um pouco com Pilar quando minha irmã me deu espaço para isso e perguntei como ela se sentia. Ela me respondeu que estava bem, apenas um pouco zonza ainda por causa da anestesia, e que precisava descansar. Marjorie ao ouvir decidiu sair do quarto após se despedir dos dois, e antes que eu pudesse fazer o mesmo que ela, decido ter uma conversa com meu pai. Precisamos dessa conversa. — Pai, se eu lhe perguntar uma coisa, promete me responder com toda sinceridade? — Aliso sua mão onde estava o soro com medicamento para dor. — Sim, querida. A sua voz é fraca e eu prometo a mim mesma ser o mais breve possível. Eu só preciso da sua resposta para ter certeza do que farei em seguida. — O que você sente pela Pilar, se compara ao que sente pela mamãe? — Mordo meu lábio inferior e levo minhas mãos aos seus cabelos, brincando com os cachinhos deles. Meu pai suspira e demora alguns segundos para responder. Talvez esteja processando a pergunta que eu lhe fiz ou pensando ao certo o que responder. — Filha... Ele começa a falar, mas para, talvez receoso demais para dizer algo com medo de me machucar. — Ei, eu amo você, eu amo a mamãe e eu amo a Pilar. Eu quero apenas o bem de vocês três, e por mais que a mamãe esteja decepcionada comigo, eu acho que ela deve saber a verdade, papai. — Uma lágrima solitária desce pelo meu rosto e eu limpo-a, abrindo um fraco sorriso. — Eu sei, filha. Eu amo sua mãe, mas também amo Pilar.  — Mas são amores diferentes, não é? — Ele assente, fechando devagar os olhos enquanto pensa em suas próximas palavras. — Com sua mãe, é um amor de gratidão por tudo que vivemos durante esses anos, pelo perdão, por você. Eu a amo, mas não é um amor que faz meu coração quase sair pela boca quando apenas ouço seu nome. É um amor que dói, que machuca. — Ele abre os olhos e me encara. Eu apenas maneio a cabeça em um sinal de que está tudo bem e que ele pode continuar. — Com Pilar, é um amor que me traz esperança todo dia que eu acordo, que faz meu coração palpitar somente por vê-la sorrir, é um amor de anos que eu guardei dentro de mim e que agora, eu pude demonstrar. É um amor que me faz tremer de ansiedade por saber que a verei ao final do dia, um amor que me esquenta ao invés de me trazer frio.  Seu olhar brilha e não é somente pelas lágrimas seguradas. Seu sorriso é visível aos meus olhos e eu me levanto da poltrona que havia ao seu lado e beijo sua testa. — Eu acho que você já decidiu a sua vida, papai, e precisa dizer essas palavras para Pilar. Mas antes, se recupere e converse com mamãe, eu sei que ela não é fácil de lidar, mas ela não precisa e não merece mentiras. Eu te amo. — Eu também te amo, querida. Me retiro do quarto e as palavras que eu havia dito ao meu pai passeiam pela minha mente. A minha mãe não merece mentiras, e eu também preciso urgente conversar com ela e lhe dizer a verdade sobre meu curso e meu estágio. Encontro com Marjorie no corredor da sala de espera e assim que devolvemos nosso crachá e acompanhantes, saímos juntas do hospital. — Quer ir comer algo? — Ela segura em minha mão, fazendo-me ficar surpresa com sua ação. Olho para o lado encontrando seu rosto com sardas e abro um pequeno sorriso pelo seu gesto. — Não, podemos somente ir pra casa e pedir pizza enquanto curtimos, só nois duas? Estou um pouco cansada para aguentar outras pessoas que não seja minha gêmea. — Meus lábios se unem em um bico, fazendo manha para tentar convencê-la e para que ela não fique chateada por isso. — Você, querendo comer pizza? — Minha gêmea pergunta um pouco surpresa. Balanço minha cabeça rindo. É irmã, não é só você que surpreende aqui não. — Sim, mas só hoje. Porém — dou ênfase na palavra, estendendo-a —, pizza vegetariana. A ruiva faz uma careta e solta minha mão para chamar um táxi, que não demora a aparecer. Adentramos o carro que dirige para casa de Pilar e aproveito para descansar durante todo o percurso. A minha relação com Marjorie mudou bastante desde a ida de Pilar para o hospital. Temos nossas diferenças, discussões e birras uma com a outra, mas ainda sim sabemos que quando uma está m*l, a outra tem a necessidade de ajudar. E a cada dia nossa relação como irmãs floresce, fazendo-me ter certeza que vir ao Brasil foi a escolha mais sábia que eu já tive em meus dezenove anos, exceto pelo meu curso de Letras. — Eu vou subir para tomar um banho e já desço — aviso, assim que cruzamos a porta de entrada e pisamos os pés na sala. — Ok, vai lá — responde, colocando seu casaco no gancho ao lado da porta e largando sua bolsa em cima do sofá. — Marjorie, coloca suas coisas pelo menos uma vez na vida no lugar certo, por favor — reclamo, lutando contra o impulso de fazer isso eu mesma. — Ah, Maitê, vai tomar seu banho que das minhas coisas cuido eu. Reviro os olhos e subo as escadas extremamente irritada. Pedir pizza enquanto curtimos, até parece. Onde eu estava com a cabeça? [...] Diferentemente de como eu subi as escadas, eu desço com o cabelo preso em um r**o de cavalo, um pijama confortável e pantufas de coelho. — Maitê — ouço Mar gritar meu nome da cozinha e acelero o passo, indo em sua direção —, qual o sabor da sua pizza? — De milho verde — respondo, passando pelo vão da porta e ela arqueia sua sobrancelha como se eu estivesse louca. — É sério. Ela revira os olhos e pede a pizza. Eu dou meia-volta e me jogo no sofá, aguardando o entregador chegar. Ele disse que não demoraria mais do que trinta minutos e quando menos percebo, a campainha toca. Eu estou escolhendo nosso filme, enquanto ela busca nossas pizzas. Eu encaro minhas duas opções com o cenho franzido em indecisão. Ouço o barulho da porta sendo trancada seguido do agradecimento de Marjorie; deduzo que o entregador foi embora e questiono em um tom de voz mais elevado do que pretendia: — Vamos assistir Barbie ou Como Treinar Seu Dragão? — Ela caminha em minha direção com uma caixa de pizza aberta e eu espio por cima, vendo metade calabresa e metade frango catupiry. — Você não pediu para mim? — Claro que pedi. — Ela pega o controle de minhas mãos e se joga no sofá, colocando a caixa acima da mesa decorativa à frente. — Está lá em cima da mesa, essa aqui é só minha. — Meu Deus, menina, para onde vai tanta comida? — pergunto realmente assustada. São oito pedaços. Oito! Ela revira os olhos sem me responder. Me levanto do sofá e busco a minha pizza na cozinha. Sento-me novamente ao seu lado. — Vamos assistir um filme de terror — ela anuncia e a minha reação é imediata: — Não! — Coloco minha mão sobre sua mão dominante em um gesto involuntário. — Vamos assistir algo mais leve, amanhã eu acordo cedo, então preciso dormir. — Certo. — Abaixo a minha mão, abrindo a caixa de pizza e puxando de dentro dela o meu primeiro pedaço. — Vamos de meio termo: você já assistiu Coraline?  Eu balançando a cabeça negativamente, trazendo a pizza até minha boca e sentindo a mistura de sabores invadir meu paladar assim que dou a primeira mordida. Nela, além do milho, há também muçarela, molho de tomate, creme de leite, orégano e azeitonas, tornando a pizza muito mais saborosa. — É sobre o que? Um sorriso se forma em seu rosto e pela forma com que ela me olha não sei se eu deveria confiar nas informações passadas ou mesmo em deixá-la escolher nosso filme. Eu realmente preciso dormir. — É um desenho animado. Ela me mostra a sinopse parcialmente, já que o site não permite que vejamos muito mais que as primeiras linhas, e eu dou de ombros, conquistada pelo que vi até então. — Parece um bom filme, pode rodar, Marjorie. Contudo, algo me diz que essa não foi uma escolha muito sábia.
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