Capítulo 27

1872 Words
EU SEMPRE PARTI do pressuposto de que se é importante que haja não somente a presença física em determinados lugares, mas também a mental. Anteriormente eu não compreendia o caos, não compreendia o que era ter apenas meu corpo em determinado lugar, não compreendia a mente em qualquer situação que não fosse a atual. Contudo, nesse momento tudo o que eu consigo pensar é que eu não deveria estar aqui; assim como eu pensei no decorrer das dez horas ininterruptas desse dia. — Está tudo bem?  Ouço a voz de Adrien ecoar, enquanto arrumo a minha bolsa para ir embora. Eu já cumpri o meu horário e passei o dia desejando que esse momento chegasse, pois só conseguia pensar em Pilar e papai sem seu apoio familiar. Eu sempre estive ao seu lado e hoje, justamente hoje, eu não pude. — Estou, estou bem — respondo, balançando a cabeça positivamente diversas vezes, enquanto encaixo minhas coisas dentro da bolsa sem sequer olhar para ela. Sem sequer olhar para lugar algum. Escuto o som da minha pasta caindo contra o piso da escola e abaixo o olhar, observando-a no chão. Não me movo. — Tem certeza? — Em seu tom de voz, há preocupação. Não percebo quando ele sai de trás de sua mesa, busca minha pasta no chão e para ao meu lado com ela em mãos. Pego-a, encaixando-a na bolsa e passando o zíper por ela. Ergo a cabeça, lançando-lhe um sorriso fraco. — A mulher que me gerou está muito doente e meu pai irá doar células-tronco para ela. — Realizo uma pausa de dois segundos. — Hoje. Uma expressão de compressão forma-se em seu rosto e ele me lança um olhar terno. Um que eu poderia enxergar no Adrien da festa, não no meu colega de trabalho. — Eu sinto muito pela sua mãe. E eu espero que dê tudo certo hoje. — Assinto, lançando-lhe um olhar de agradecimento. — Você não precisava ter vindo hoje. — Eu sei, achei que as crianças melhorariam meu dia, mas… — Não conseguiu pensar em outra coisa? — sugere com um sorriso. — É. — Dou de ombros, passando a alça de minha bolsa sobre um deles. — Eu preciso ir agora, até mais, professor Alencar. Ele abre a boca ao escutar seu nome, mas parece mudar de ideia e a fecha, abrindo-a novamente segundos depois. — Até mais, senhorita González. E assim eu caminho para fora dali e para longe da escola, indo direto para o hospital onde minha mãe se encontra.  Quando desço do táxi, sinto meu celular vibrar dentro da minha bolsa. Abro-a, puxando-o de dentro dela, e observo o nome de mamãe e sua foto brilhando na tela. Suspiro, sabendo que agora não é um bom momento para isso. — Oi, mãe — digo assim que atendo a ligação. — Aconteceu alguma coisa? — Eu espero que não, onde está o seu pai? Seu tom de voz é seco e há raiva nele. Quaisquer problemas que esteja enfrentando, não é culpa minha, mas estou tão cansada que nem tenho forças para pedir que se acalme. Adentro o hospital a passadas rápidas e pela primeira vez, os médicos e enfermeiros usando termos da medicina, os pacientes, o computador, absolutamente todos os sons chegam extremamente aguçados em meu ouvido, fazendo-me ficar irritada e incomodada. — Eu não sei — respondo mamãe, avistando a poucos metros minha irmã, que se levanta rapidamente, caminhando em minha direção e se colocando a minha frente. — Otávio está em cirurgia e minha mãe está sendo preparada para receber a doação logo em seguida.  — Como assim você não sabe, Maitê? — mamãe grita por cima de Marjorie, atordoando-me ainda mais. — Ele está em cirurgia — repasso a informação, sem racionalizá-la primeiro. — Cirurgia? Eu não acredito que ele realmente fez isso por aquela mulherzinha. — Mãe, eu… — tento intervir antes que a situação fuja do meu controle, mas quando noto é tarde demais. — Não, você compactuou com tudo isso, não foi? Você me deixou por essa mulher que nunca nem quis saber da sua existência e levou o seu pai com você. E tudo para que, Maitê? Me diz. — Sua voz soa falhada e embargada, sinto um nó se formar em minha garganta e apesar de segurar o choro, quando menos percebo há lágrimas em meus olhos que eu não deixo cair; ainda não. — É isso que eu ganho por ter te dado a melhor educação do país, a melhor qualidade de vida, me doado e me sacrificado durante todos esses anos por você? — Não, isso aqui não tem nada, absolutamente nada, a ver com você, mãe — respondo, sentido as lágrimas quentes escorrerem por minha pele. — Eu agradeço tudo o que a senhora fez por mim, mas isso não é sobre você. É sobre uma mulher de apenas quarenta e quatro anos que precisa conhecer novos lugares, praticar a dança que ama, provar a comida favorita novamente, conhecer a filha de quem perdeu a infância por longos anos, defender um cliente pela última vez, ver suas filhas casarem e terem filhos; é sobre uma mulher que precisa e pode viver, e que bom que papai entende isso. — Você não me surpreende mais, Maitê. — Uma risada amarga soa do outro lado da linha telefônica e meu coração se aperta pela maneira em como ela diz. — Sem essa mulher na nossa vida você já me decepcionava, não seria diferente agora. E ouço o bipar do celular indicando que ela desligou, na minha cara. Fico raciocinando por alguns segundos enquanto ainda tenho o telefone grudado em minha orelha e as lágrimas grossas descem molhando meu rosto, sem que eu consiga evitar, sem que eu consiga reagir. Um toque em minha pele faz-me assustar e acordo pra vida notando que Marjorie me guiava até um banco para eu poder sentar e em seus olhos havia preocupação. — Maitê, tá tudo bem? O que houve? — Sua voz mostra agonia para saber o que eu havia ouvido que me deixou paralisada por segundos, mas Marjorie não precisa saber da minha trágica vida em Costa Rica. Não precisa. Não agora quando ela tem que viver a felicidade depois de meses de agonia e medo. Passo as mãos sobre meu rosto, limpando as lágrimas e seguro as outras que insistem em cair, mas elas não vão. Me levanto firme após colocar um sorriso falso em meu rosto. Eu estava feliz, sim. Mas o turbilhão de sentimentos e as p************s de Agnes fizeram essa felicidade sumir gradativamente, até sobrar somente espaço para dor. Por isso eu precisava ir até ela, precisava vê-la pra trazer a felicidade novamente ao meu imo. Ajeito minha bolsa e coloco o celular dentro dela, em passos rápidos vou até a recepção e pego meu crachá de visitante de Pilar, indo logo em seguida para o seu quarto. — Ei, você vai aonde? — A voz de Marjorie soa longe, atrás de mim. Ouço seus passos rápidos para tentar me alcançar, mas eu não deixo. — Preciso ver Pilar antes da cirurgia, e por favor Marjorie, me deixa em paz! Viro meu pescoço rapidamente em sua direção a tempo de ver a decepção em seu olhar e seu corpo parar no meio do caminho. Me desculpa, irmã. A culpa não é sua, nunca foi. Adentro o cômodo hospitalar e vejo os enfermeiros lhe ajeitando, pronta para ser levada e instantaneamente o sorriso sai por meus lábios e meu peito se enche de felicidade. Era somente disso que eu precisava. De ver os olhos de Pilar brilhando e seu sorriso verdadeiro e vitorioso de quem vai vencer. Minhas lágrimas seguradas caem, mas agora não de decepção, de raiva ou tristeza. Mas de felicidade. — Minha pequena, porque está chorando? — Ela sussurra fazendo-me caminhar mais pra frente e ficar ao seu lado. Seguro em sua mão que está fria e deposito um beijo sobre o dorso dela. — Espero que essas lágrimas sejam de felicidade. — E são — digo em meio ao sorriso que escapou dos meus lábios e aproximo meu rosto para beijar sua testa. — Vai dar tudo certo, estaremos te esperando com o maior sorriso do mundo aqui fora, viu? Me despeço rapidamente pois os médicos em seguida a buscam. Vejo seu corpo na maca sumir entre os corredores e me sento na poltrona que ela usava para as quimioterapias. Meu corpo se encolhe e abaixo meu rosto, repousando-o entre meus joelhos e me permito chorar por tudo que vivi até agora. Dentre tantas derrotas, uma vitória. E eu ainda não sei como contar para minha mãe que mais uma vez, a decepcionei. Talvez eu não precise contar, não ainda, não agora. Ou eu aproveito a tamanha decepção que ela tem por mim e jogo mais uma bomba em seu colo, para assim ela me odiar pelo resto de sua vida. Com a sorte que eu tenho, não será surpresa se por acaso isso acontecer. Sinto braços envolverem meu corpo em um abraço terno e não me movo. Fico ali quieta por alguns minutos e levanto minha cabeça, fazendo com que os braços que me abraçavam saíssem. Fico confusa pela silhueta masculina ali presente e limpo meus olhos e minhas maçãs do rosto. — O que você faz aqui? — Minha sobrancelha esquerda é erguida em sua direção. — Eu pedi que viesse, não vou aguentar suas patadas sozinha, preciso de reforço. — O tom de Marjorie é brincalhão, e agradeço por ela não ter ficado chateada comigo. Ela entra no quarto hospitalar e de trás do seu corpo sai Isabel. Balanço a cabeça em negação e deixo um sorriso escapar por meus lábios. — Desculpa por anteriormente, não tá sendo um dia fácil — digo enquanto me ajeito na poltrona. — Tudo bem, eu te entendo. E por ficar tranquila que eu ainda aguento bastante patadas suas. Minha irmã me mostra um sorriso iluminado pela primeira vez e eu fico grata por isso.  Os braços de Marcos voltam a me abraçar e eu me deixo ter esse carinho. O dia hoje foi exaustivo e eu estou precisando disso. — Vai ficar tudo bem, gatinha. — Ele diz enquanto me aperta em seus braços calorosos. Quem visse de longe provavelmente chutaria um relacionamento amoroso. Mas, eu chuto e acerto em uma amizade eterna entre um homem e uma mulher que se dão muito bem a ponto de se tratarem carinhosamente sem quaisquer gatilho. Marcos é uma pessoa extraordinária, e sortuda será a mulher que conseguirá conquistar seu coração enorme e bondoso. Não digo isso por ser meu amigo, mas sim porque ele é assim.  — Vem, vamos tirar uma foto para eternizar em um papel esse momento super fofo — Isabel diz já pegando seu telefone. Marjorie vem para o meu lado direito disponível e passo meu braço rente ao seu pescoço, abraçando-a tortamente, enquanto Isabel está do seu outro lado puxando o celular em uma selfie feita de última hora. Ela tira umas três fotos antes de postar no i********: a melhor com a seguinte legenda: "Em meio aos choros, um sorriso; Em meio as tristezas, felicidades; Em meio ao mundo, nós;"
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