Capítulo 31

1803 Words
A CORRERIA DA vida é extrema e quando você menos espera o tempo já passou. Há aproximadamente cinco meses que eu estou no Brasil, cursando Letras e fazendo estágio em uma das melhores escolas privadas infantis. Quando pisei o pé no aeroporto brasileiro, não imaginei que minha vida mudaria tão drasticamente e que eu teria pessoas que me apoiam realmente ao meu lado, torcendo por mim e ficando felizes com cada conquista. Pilar e Marjorie são uma luz na minha vida e eu me culpo todo dia por não tê-las conhecido antes, por mais que eu não soubesse da existência de ambas.  O Brasil é um país caloroso, em todos os sentidos, e por mais que eu tenha vindo para cá somente por causa de minha mãe e irmã, não tenho em meus pensamentos planos atuais voltar para Costa Rica, ao menos não para morar. Sinto algo bater em meu rosto e minha mão vai imediatamente para ele, enquanto vejo três olhares em cima de mim. — Gente, o que foi? — pergunto, pegando o copo de capuccino com chocolate e tomando um gole do líquido quente. — Nada, você só está muito pensativa, além de m*l-humorada. — Isabel dá de ombros enquanto morde um pedaço de pizza. Quem come pizza no almoço? — Ah, não só pensativa como ela deu uma gafe danada hoje na sala de aula. — Marcos ri e bate em meu ombro. — Não me culpe, foi somente uma pergunta sem graça e eu não sabia de nada. — Dou de ombros, pegando um pouco de salada em meu garfo. — Marcos, a gente trabalha com detalhes, conta. — Ela chegou na sala perguntando quem havia morrido, por conta do silêncio, e o marido da nossa professora faleceu essa semana. Seria icônico se não fosse trágico — ele responde minha irmã, e eu chuto sua canela por debaixo da mesa enquanto minha feição é raivosa. Tiraram o dia para me estressar, só pode.  Ouço meu celular bipar e pego-o. Vejo um número desconhecido e quando abro a conversa e vejo o perfil, noto que é Adrien. Fico confusa em como ele conseguiu meu número e só então lembro que estou no grupo da escola e provavelmente foi de lá. Passo os olhos pela mensagem e leio-a. "Senhorita González, se conseguir e se for possível chegar um pouco mais cedo hoje, eu agradecerei. Preciso de sua ajuda com as provas dos terceiros" [12h16min]. Entramos em semana de prova, pois já estamos finalizando o semestre, mas assim como eu esqueci da minha prova, também esqueci desse detalhe da escola onde trabalho. Praguejo mentalmente e não respondo sua mensagem, apenas bloqueio a tela do celular e me levanto. — Já vai? — Marjorie me pergunta enquanto pego minha bandeja com o meu almoço todo nele. Sequer consegui comer. — Sim, esqueci que tinha que chegar mais cedo hoje. — Puxo minha bolsa e coloco ela em meus braços e o celular no bolso da calça. — Se quiser eu te levo, Ma. — Não precisa, Isa, mas obrigada. Depois do trabalho passarei no hospital para visitar mamãe e papai. — Caminho até o lixo que há aqui perto e antes que eu possa jogar toda minha salada fora, fecho a embalagem com a tampa e volto com ela em minhas mãos para a mesa dos meus amigos. — Se você for direto pra casa, a chave está aqui. Lhe entrego e me despeço rapidamente, indo para fora do campus em seguida. Balanço meu braço para um táxi em movimento e agradeço por ele parar de primeira. Adentro-o e cumprimento o motorista. Lhe digo o endereço e não demora para o carro começar a se mover. [...] Os corredores da escola estão vazios e pelo horário é normal. Meus saltos são os únicos sons a serem ouvidos enquanto caminho em direção a sala dos professores. Abro a porta amadeirada e dou de cara com Carla e Adrien em um canto, próximos o suficiente para eu perceber que estavam quase se beijando quando eu cheguei. — Interrompi algo? — pergunto, dando o primeiro passo para adentrar a sala e fecho a porta atrás de mim. — Sim! — Não! Respondem juntos, sendo o "sim" de Carla, a loira das aulas de matemática. Caminho até a mesa redonda que há no meio da sala dos professores e coloco a embalagem com meu almoço sobre ela, enquanto puxo uma cadeira e coloco minha bolsa na do lado. Antes que eu me sente, pego minha chave do armário e vou até o mesmo, abro-o e pego minha garrafa d'água. Encho-a de água e paro ao lado de Adrien que tem algumas folhas em suas mãos. — São as provas de ontem? — indago, fechando a tampa de minha garrafa enquanto dou uma olhada nas letras das crianças. — Sim, são sim. Você quer corrigi-las? — Maneio a cabeça em sinal de sim Ele me entrega uma boa quantidade de folhas e vou até a mesa com elas. Sento-me e organizo a mesa para eu poder comer, ao tempo em que vou corrigindo as provas dos alunos. — Você é tão fresca ao ponto de comer somente salada? — A voz de Carla soa pela sala e eu a encaro, um pouco confusa pela palavra "fresca". — Ah, não. — Uma risada fraca escapa por meus lábios enquanto levo um pouco de salada até minha boca. Mastigo e quando engulo, volto a olhar para a loira e noto a raiva em seu olhar direcionado a mim. — Eu sou vegetariana. Constato e volto a olhar para as folhas na mesa, as quais são as únicas que merecem minha atenção, pelo menos nesse momento. — Você não come nem peixe? — sua voz soa atrás de mim, e eu franzo o cenho. Agradeço por estar de costas para ela ou meu olhar julgador não causaria uma boa impressão. — Peixe é carne, não é? Passo o último acerto pela prova do aluno e ao final, conto mentalmente a quantidade, marcando a nota na primeira página e no campo separado para isso. — É carne branca. — Certo — murmuro, virando a prova corrigida em uma parte vazia da mesa e começando a corrigir a próxima. — Vegetarianos não comem nenhum tipo de carne. Ouço o barulho dos tênis de Adrien batendo contra o piso e não demora para que ele esteja sentado à minha frente, puxando uma prova da pilha de provas faltantes e começando a corrigi-la. — Achei que fosse almoçar comigo — Carla direciona-se ao Adrien, e eu me mantenho calada. — Eu ia, mas acabei almoçando mais cedo. Preciso finalizar isso aqui.  — Precisa de ajuda?  — Vá almoçar, Carla. Maitê e eu damos conta, ok? Eu lhe envio uma mensagem depois. Não escuto nenhum retorno audível, apenas a aproximação de sua presença, enquanto se inclina sobre meu colega de trabalho e tenta lhe beijar, mas ele é mais rápido virando o rosto e permitindo que seus lábios toquem apenas a sua bochecha. Céus, alguém consegue comer assim? Desvio o olhar e me levanto, jogando meu almoço no lixo, enquanto sinto meu estômago revirar, e retornando a mesa. Carla já se afastou e me lança um sorriso falso antes de se direcionar para a porta e cruzá-la, batendo-a com mais força do que deveria. — Desculpe — é a primeira coisa que Adrien diz quando eu me sento à sua frente. — Não me importo que namore, mas acredito que vocês tenham uma casa para fazer isso longe da minha salada — digo, passando a prova corrigida para outra pilha e buscando mais uma. Ele ri. — Ela não é minha namorada e foi apenas um beijo na bochecha, Srta. Gonzalez, até mesmo pessoas desconhecidas se cumprimentam com beijos na bochecha aqui no Brasil. Reviro os olhos, decidindo ignorá-lo e não porque eu não posso retrucar, mas porque a menção de que ela não é sua namorada causa um agito em meu peito e a sensação me incomoda. Corrigimos as provas em silêncio, uma a uma, e quando eu chego na última a quantidade de erros me preocupa. Suspiro frustrada, observando o nome da aluna. — Iasmin Albuquerque — leio em voz alta, atraindo seu par de olhos esverdeados. — Como costuma ser o desempenho dela? — Costuma tirar notas baixas, já conversei com a mãe dela em algumas reuniões, mas continua o mesmo. — E o comportamento dela?  — Excepcional, ela é muito quieta, nunca deu trabalho para mim ou coordenação. — Apenas assinto, voltando meu olhar a prova. — Mas por que tanto interesse nela? — Ela tirou dois. — Giro a folha em direção ao meu companheiro de trabalho, colocando-a na linha de seus olhos. — Em uma sala em que a média é sete, isso é preocupante. Como educador, é nossa função não apenas ensinar, mas orientar também, garantir que estamos de fato criando pessoas de boa índole e dando nosso melhor, porque apesar da frase "as crianças são o futuro da nação" ter seu clichê, no fundo é isso mesmo que nossas crianças são: o futuro.  Precisamos cuidar delas e protegê-las, pois se nós e seus pais não forem por elas, ninguém mais será. — Você tem razão — diz Adrien finalmente, e eu afasto meus pensamentos para olhá-lo. — Hoje daremos aula na sala dela, o que acha de observá-la e depois nos reunirmos novamente para conversarmos? Sorrio com sua sugestão e balanço a cabeça positivamente. Adrien é uma pessoa jovem, no início de sua carreira, e é incrível ver a sua grandiosamente em não se preocupar apenas em ensinar. Muitas pessoas quando se deparam com um cargo de liderança, não escutam seus liderados e isso em qualquer trabalho é uma péssima atitude, pois além de causar um clima organizacional r**m, despontecionaliza profissionais criativos e repletos de soluções.  — É uma ótima ideia. Ele sorri, buscando a pilha de provas corrigidas em cima da mesa, levantando-se da cadeira e caminhando em minha direção até estar ao meu lado. — Quando eu olho para a senhorita enxergo o seu amor pelo que faz e um grande potencial aí dentro, Maitê — sua entonação diminui gradativamente conforme ele se abaixa até estar com o rosto a altura do meu, e eu lhe fito confusa, observando suas pupilas dilatadas crescerem. Sua respiração ondula em meu rosto e sinto meu coração acelerar ao tê-lo tão próximo. Meu Deus, ele vai me beijar? — Obrigada por hoje — sussurra, desviando seus lábios para a minha bochecha. Seu perfume adentrando minhas narinas e me desconfigurando totalmente. — Bom trabalho. E se afasta, lançando-me uma piscadela antes de se retirar da sala e me deixar a sós, com meu coração querendo sair pela boca e uma umidade no centro de minhas pernas. Filho da put4.
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