Capítulo 32

1769 Words
FAZ ALGUNS MINUTOS que Adrien saiu pela porta e eu estou no mesmo lugar que antes estava, estática, tentando raciocinar o que acabara de acontecer. Ainda sinto o toque quente de seus lábios em minha pele, que querendo ou não me trouxe lembranças da noite em que seus lábios estavam não só na minha pele, como nos meus. Um arrepio percorre meu corpo, e balanço a cabeça no momento em que outro professor adentra a sala e me cumprimenta. Lhe respondo o "boa tarde" dado e pego minha garrafa d'água e caneta, colocando dentro da bolsa. Me levanto e trago-a para mim, preciso ir ao banheiro antes de encarar o loiro novamente. Saio da sala dos professores e procuro pelo banheiro, adentro-o quando encontro. Coloco minha bolsa sobre a pia e visualizo minha imagem perante o espelho. Ligo a torneira e molho minha mão esquerda, passando-a sobre alguns fios assanhados. Pego meu celular e coloco ele no silencioso, pois logo estarei dentro da sala de aula e não gostarei que ninguém me interrompa. Ouço barulho da porta se abrindo e uma cabeleira loura adentra o banheiro. Xingo mentalmente por isso. É perseguição, só pode. Não a encaro, fixo meu olhar no espero e aproveito que vou colocar meu celular dentro da bolsa, para pegar um hidratante labial. O clima indeciso de São Paulo vem ressecando meus lábios. Enquanto estou passando o hidratante, Carla vem rumo a pia e fica ao meu lado, onde me encara pelo espelho. Acabo por erguer uma sobrancelha confusa pelo seu olhar dirigido à mim. — Adrien e eu estamos juntos, e eu quero que você mantenha distância dele. — Seu tom é seco e provocativo, como se tentasse me abater com as palavras proferidas a mim. Retiro o hidratante de meus lábios e tampo-o, para logo guardá-lo dentro de minha bolsa. Esfrego meus lábios espalhando-o e giro meu pescoço para encarar a loira que tenta me atingir de alguma forma. — Acho que é meio impossível, professora. Trabalho com ele — digo o óbvio e pego minha bolsa. Coloco-a sobre meu braço e quando lhe dou as costas para sair ao banheiro, sinto sua mão segurar meu pulso, impedindo-me. — Me solta. Puxo meu braço de volta e trago-o para mim. — Você me entendeu bem, garotinha. Adrien não está disponível e mesmo se estivesse, ele não daria trela para você. Então fique longe. E passa por mim fazendo um barulho irritante com seus saltos.  "Ah, ele não só daria trela como ele deu", pensei em responder, mas ninguém precisa saber do que já rolou entre mim e meu instrutor, principalmente ela, por mais que minha língua tenha coçado, só para ver a reação dela.  Saio do banheiro e caminho em passos largos para a sala do terceiro ano. A aula se iniciará em poucos minutos. Empurro a porta da sala assim que chego em frente e observo o cômodo com algumas crianças já presentes. Adrien está sentado em sua mesa enquanto folheia algo e minha mesa ao seu lado está vazia, exceto por algumas pastas prestes em cima dela. Arrasto a cadeira devagar para que eu me sente e coloco a minha bolsa do lado da cadeira, pego a pasta e passo meu olhar por cima das letras rapidamente. — É a atividade que eles irão fazer hoje — Adrien responde antes que eu pergunte, talvez minha sobrancelha erguida tenha sido um sinal para isso. Balanço a cabeça como entendimento e deixo a pasta sobre a mesa. Fico quieta e em silêncio observando os alunos que vão chegando pouco a pouco. Não demora para a sala encher e Adrien pegar seu diário para fazer a chamada. Enquanto isso, abro a pasta com as atividades e tiro-as de dentro, colocando em dois volumes sobre minha mesa para depois entregar para eles quando me for autorizado. — Iasmin Albuquerque — é quando o seu nome na voz de Adrien se faz presente que eu ergo meu olhar, tentando capturar o rostinho da garota que eu ficaria de olho durante toda aula. Ela tem cabelos ondulados presos em um r**o de cavalo e apesar do ótimo clima, seus braços estão cobertos por uma jaqueta de pano fino e isso me faz questionar o motivo. Seu olhar não tem brilho como o de todas as crianças e sua voz é quase inexistente ao responder a chamada. Guardo seu rostinho em minha mente e ouço Adrien continuar a chamada até finalizá-la e pedir que eu entregue as folhas para todos. Me levanto trazendo comigo o amontoado de folhas e fila por fila vou entregando-lhes. Agradeço mentalmente por Iasmin ser uma das últimas de sua fileira, já que está sentada na primeira carteira ao lado da parede, próximo a porta. Lhe entrego uma folha e meus olhos percorrem seu corpo todo, tentando decifrar o motivo de ela estar tão coberta em uma tarde amena. Abaixo meu corpo ao seu lado e brinco com os fios de seu cabelo, fazendo-a assustar pelo meu toque. — Você está sentindo algo, Iasmin? — ela não me responde, apenas balança a cabeça em negação e se afasta um pouco do meu toque, talvez com medo. — Está com frio então? — Sua resposta dessa vez é um "sim" e vira seu rosto para encarar a folha presente em sua mesa. Respiro fundo, deixando o ar sair, e me levanto, caminhando até minha mesa e deixando o restante das folhas ali, enquanto Adrien me encara um pouco confuso.  — Ela é muito desconfiada e os olhinhos dela não têm o mesmo brilho das demais crianças. Estou preocupada com ela — minha voz sai baixa, quase em um sussurro, mas alto o suficiente para que ele ao meu lado possa escutar. Adrien vira seu corpo para a garota e tem seu olhar fixado a ela por alguns segundos, antes de voltar sua atenção a mim. — Vamos continuar prestando atenção nela, senhorita González.  Apenas desvio meu olhar do seu como resposta e volto a encarar os alunos, deixando meus olhos pregarem vez ou outra sobre a garotinha que parece com medo.  A aula passa mais rápido do que consigo sentir e quando meus olhos capturam o relógio de parede, já estamos no término do último horário. Os alunos começam a organizar seus materiais e não demora até que Jade, motorista do transporte escolar, apareça em frente a porta para buscá-los. Iasmin vai junto com ela e diferentemente da reação que teve quando me aproximei, parece confiar nela o suficiente para segurar sua mão. Alguns minutos depois, a sala já está vazia e Adrien tem seus olhos esverdeados sobre mim que estou ao lado da porta, segurando a maçaneta. — O que acha que pode ser? — pergunta, finalmente, e eu fecho a porta atrás de mim, aproximando-me dele. — Eu acho que — faço uma pausa, observando seu olhar de curiosidade — ainda é muito cedo para supor algo. Caminho em direção aos materiais escolares dos alunos e os arrumo, colocando alguns dentro de minha bolsa e deixando outros em cima da mesa do meu companheiro de trabalho que, por sinal, não parece ter se dado por vencido com minha resposta minimalista. — E eu acho que você tem um palpite. Ergo a cabeça para olhá-lo e quando eu suspiro, sua pose vitoriosa cai por terra. — Eu tenho, mas vai por mim, você vai querer que eu esteja errada  Um silêncio pesado paira no ambiente enquanto nos arrumamos para ir embora e quando eu passo a alça de minha bolsa por meu ombro, ouço-o perguntar: — Como está sua família? — Sua pergunta me pega desprevenida e me causa um djavu, mas diferentemente do que senti da última vez em que estivemos nessa situação, é um sentimento de alegria que me enche o peito. Sinto meus olhos marejaram e o homem se aproxima de mim, tocando meus braços enquanto mantenho minha cabeça baixa. — Ei, desculpe, eu não queria te deixar m*l… não foi minha intenção. Suas mãos trazem meu corpo contra ao seu e não tenho nenhuma reação, a não ser permitir que os soluços guardados dentro de mim sejam externalizados. "Eles estão bem", a frase ressoa em minha mente e eu começo a rir, me afastando de seu toque. Seu cenho franze em confusão, enquanto eu fito as esmeraldas em seus olhos. — Minha família está bem — respondo, rindo. — Desculpe, eu estava chorando de emoção. Um sorriso permeia seus lábios e ilumina todo seu rosto, enquanto ele deixa escapar uma risada nasalada. — Tudo bem, suponho que a ficha não tinha caído ainda, certo? — Eu assinto. — Eu fico feliz que eles estejam bem. A emoção, aos poucos, se dissipa de meu corpo e o que resta são apenas seus olhos sobre mim, fitando-me como se pudessem ler a minha alma. Sinto minha pele esquentar e avisto seu sorriso entortar. Aposto que minhas bochechas estão vermelhas. — Obrigada — murmuro, sem jeito. — Pelo apoio e pelo abraço. — Sempre que precisar. — O loiro me lança uma piscadela e eu desvio o olhar para meus pés, me sentindo afetada. Visualizo sua mão erguer-se e seus dedos tocarem meu queixo, levantando meu rosto de forma que ele consiga vê-lo novamente. — Está com vergonha? — Anuo devagar enquanto sua mão vai de encontro a minha cintura, apertando-a; perco o ar e qualquer postura diante dele. Ele aproxima nossos rostos e seus lábios aproximam-se de minha orelha. — Você não parecia com vergonha quando estava em cima de mim, com meus lábios deslizando por sua pele… — Adrien — interrompo-o em um sussurro, sentindo meu corpo entrar em combustão.  — O que? — sua voz soa baixa e rouca, seus dedos brincam com minha cintura e seus lábios roçam por meu pescoço vagarosamente. Um arrepio percorre minha espinha. — Adrien, está pronto? — uma terceira voz afeminada surge e nos afastamos bruscamente, não demora mais que dois segundos para que Carla adentra a sala e nos veja a poucos centímetros de distância, com nossas respirações ofegantes e rostos vermelhos. — Está tudo bem? — Eu só preciso terminar de arrumar algumas coisas e já vou — responde Adrien, ignorando sua segunda pergunta. — Certo, vou esperar aqui — avisa, cruzando os braços à altura do peito e parando próxima ao batente da porta. Sinto a vergonha aumentar e apenas me afasto, caminhando rapidamente em direção a saída, sentindo que meu coração irá escapar pela boca a qualquer instante. — Até amanhã, senhorita Gonzalez. Respiro fundo. — Até amanhã, professor Alencar. — E cruzo a saída, indo para bem longe dali.
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