Capítulo 02

1523 Words
APÓS MINHA DECISÃO ter sido anunciada, levanto-me subitamente da cama ainda com Mia no telefone, dizendo-me que o Brasil é um lugar quente e que eu preciso ir preparada para isso, e é claro que não esqueceu de mencionar também o quanto as mulheres de lá são um brilho para a visão. Deixo-a falando sozinha e tomando seu café da manhã, enquanto, com os pés no chão e totalmente determinada, caminho em direção ao meu closet e puxo minhas duas malas que ali estão; uma grande e uma mediana.    — Eu já te disse que lá faz muito calor? Então, se fosse eu no seu lugar, levaria vários biquínis para aproveitar a praia maravilhosa... — Calo-a com meu dedo indicador antes que ela continue.    Ela é assim: eufórica e bastante animada. Às vezes, até me perco em sua animação matinal.    — Respira e deixa eu te lembrar: estou indo para conhecer a mulher que me gerou por nove meses e uma irmã gêmea que horas atrás eu nem sabia da existência. Pode deixar sua animação um pouco de lado e focar aqui? — Aponto para mim, mas seus olhos arregalados para a porta do meu quarto fazem-me fixar o olhar atrás de mim.    Assim que me viro, observo minha mãe parada no batente da porta do meu quarto. Abaixo o celular e sinalizo pra Mia que ligaria depois. Coloco-o sobre o criado-mudo e volto para o closet para começar a arrumar as malas.    — Que malas são essas, Maitê? — A voz de Agnes soa ao meu ouvido. Ignoro-a e vou pegando os cabides que continham alguns vestidos e blusas. Notando que não a responderia, ela vem atrás de mim. — Então é isso, não vai me responder e vai ficar calada?    Saio do closet sendo acompanhada por ela e jogo as roupas com os cabides sobre a cama e me viro, ficando de frente para a minha mãe.    — Sim, irei ficar calada, assim como você ficou por dezenove anos ao esconder que eu tenho uma irmã gêmea!    — Ela não é a sua irmã, Maitê — esbraveja.     — Ela é sim. E você ter perdoado uma traição não elimina isso da minha vida. Não é como uma foto que você pode escolher excluir. São laços de sangue, dona Agnes. E seu orgulho e vergonha não vai mudar isso.    Minha respiração fica ofegante aos poucos e meus olhos ardem pelas lágrimas que teimam em querer escapar.     Minha relação com a minha mãe nunca foi uma das melhores. Ela sempre foi muito rude, curta e grossa, sequer demonstrava carinho e dava atenção para mim. Sempre me perguntei o porquê dessa relação tão r**m, e agora, pergunto-me se isso é resultado da traição do meu pai.    — Que gritos são esses? — Meu pai, o qual eu não queria ver tão cedo, entra em meu quarto e intercala seu olhar entre minha mãe e eu. — Agnes, o que conversamos?    Ele volta sua atenção apenas para a mais velha e eu decido ignorar totalmente a invasão de privacidade, para continuar arrumando as minhas malas. Preciso de sanidade, e para isso, preciso estar longe desse recinto o mais rápido possível. Eles discutem entre si enquanto a minha presença é minimamente ignorada, e quando estou prestes a finalizar a tarefa, paro mediante à eles.    — Chega! Você, papai — aponto o dedo para ele —, foi um canalha por ter traído a mamãe e ter deixado a sua filha ir para outro estado sem ter a presença paterna necessária. E você, mãe, — aponto o dedo para ela, dessa vez — foi errada em esconder tudo isso, e não venha dizer que está tentando me proteger quando pede para eu não ir ao Brasil, porque você nunca sequer se preocupou comigo, então não queira ser mãe agora. — Abaixo a mão e suspiro. — Saíam do meu quarto. Eu já decidi e vocês não tem o quê impor.    Observo-os retirarem-se e assim que minha mãe sai, fecho a porta, não deixando de ouvir os gritos de discussão que ocorrem segundos depois de deixarem o cômodo.     [...]    Retorno para a chamada com Mia assim que finalizo as minhas malas. Ela tenta me distrair ao máximo contando como havia sido sua noite e acabo soltando algumas risadas com as coisas que ela diz.    — Você sabe quanto tempo vai ficar por lá? — pergunta.    Encerramos o ensino médio há algum tempo e já estava em meus planos iniciar uma faculdade em breve. Entretanto, agora meus planos mudaram completamente.    — Não sei, amiga. Nesse intervalo de tempo, eu acabei pesquisando algumas universidades em São Paulo e lá tem uma das melhores com a graduação de Letras — digo, abrindo a tela do meu notebook e mostrando à entrada do Campus para Mia.    — É um lugar espetacular. Posso ir no seu lugar?    Dou uma risada baixa e logo me despeço dela, prometendo que ligaria todo dia, já que ela disse que não me deixaria ir se não fosse o fizesse. Desligo o celular e coloco-o no carregador que está na tomada. Já está anoitecendo e embarcarei pela madrugada, preciso estar descansada.    Sinto minha garganta seca, pois passei a maior parte do meu dia trancada no quarto, evitando descer. Nesse momento eu sei que minha mãe saiu com algumas amigas e que meu pai provavelmente está no escritório. Saio do quarto e desço as escadas fazendo o mínimo de barulho possível. Caminho em direção a cozinha e travo no lugar quando percebo que meu pai está no cômodo. Antes que eu possa me retirar, ele me chama:    — Filha, precisamos conversar.    Respiro fundo e pego um copo no armário. Ando até o filtro e deixo a água cair no copo. O cômodo está silencioso, a não ser pelas gotículas de água fazendo-se presentes enquanto enchem o copo.    — A sua mãe fez com que eu não procurasse a Marjorie. Ela não me perdoaria se eu assumisse a paternidade — ele começa a falar e eu pego o copo d'água já cheio e tomo aos poucos, esperando que termine. — Ela não queria que ninguém soubesse do ocorrido, disse que seria r**m pra nossa imagem um fruto de traição. E eu queria que ela me perdoasse, eu amo a sua mãe e na época, eu não queria perdê-la.    Tento ao máximo não revirar os olhos, mas é impossível. Levo o copo até a pia e o deixo.    — O amor de vocês é doentio e gerou duas crianças que cresceram cercadas por mentiras. Você não precisa se preocupar em explicar isso para mim. Eu cresci com amor de um pai, com a presença de um. Você tem que explicar isso para sua outra filha, e eu espero que seja capaz.    Dou-lhe as costas e subo as escadas correndo. Abro a porta do meu quarto e me jogo na cama. Eu só preciso dormir para descansar. Amanhã será um longo dia.      [...]      O despertador toca às duas da manhã. Sua sintonia irritante invade meus tímpanos e minha vontade é somente de puxar o travesseiro e cobrir meu rosto, mas eu preciso levantar. Abro meus olhos que pesam pedindo por mais descanso. Calço a pantufa que está na beira da cama e vou ao banheiro para tomar um banho e finalmente despertar.    A água gelada entra em contato com minha pele, trazendo-me arrepios. Lavo meus cabelos que parecem um lindo ninho de passarinho e hidrato-os. Eles são escuros e cacheados, dão um bom trabalho para finalizar, mas são meus xodós. Herdei-os de meu pai, enquanto os olhos, a cor da pele e estatura, herdei de minha mãe.    Finalizo meu banho com uma toalha na cabeça e uma no corpo e volto para o quarto. Já havia separado minha roupa, e devido a pesquisa que fiz sobre o clima de São Paulo, escolhi um macacão de calça preta, um cropped branco de manga, que entra em contraste com minha pele escura, e um tênis preto e branco. Após me vestir, retiro a toalha de meus cabelos e pego a escova para penteá-los. Ser cacheada é uma luta diária.    Quando os fios estão todos desembaraçados, coloco uma boa quantidade de creme ativador de cachos em minha mão e vou passando nas pontas e levando pra cima, finalizando bem meus cachos e deixando-os bem desenhados.    Em meu rosto passo somente um blush e rímel, terminando com um batom nude em meus lábios e um pouco de perfume no pescoço. Arrumo o piercing em meu nariz e pego a bolsa em que eu levarei meus documentos, notebook e algumas outras coisas que eu possivelmente irei precisar.    Sigo pegando minhas malas e levando para fora do quarto e quando a última é posta no corredor, meu pai sai de seu quarto arrumado.    — Eu vou te levar no aeroporto, filha. Eu errei, mas estou disposto a corrigir. E isso inclui você ir conhecer sua irmã e a Pilar. — Seus lábios se abrem minimamente e eu sorrio para ele, concordando.    Ele pega minhas malas e desço e abro as portas, dando-lhe acesso. Sinto meu estômago revirar-se de ansiedade e medo. Será que ela, Marjorie, quer me conhecer?
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