Anánke como sempre não me fala absolutamente nada apenas diz que não é algo que eu precisava saber, se vira para o lado e dorme ou finge dormir… Já havia me convencido que essa jornada não era uma boa experiência para ele embora pensasse que talvez fosse como em Divergente que você tem que enfrentar o seu pior medo ou então Pantera n***a que você toma um chá e fala com seus antepassados, seja lá o que for Anánke não quer remexer e a melhor alternativa é aceitar isso mesmo estando morrendo de curiosidade.
—Você não vai dormir? —Ele falou com voz rouca tentando me convencer de que estava dormindo.
—Vou sim...— Começo a me aconchegar nas cobertas, me assustava o quanto confiava nele sem o conhecer direito, talvez essa ligação com a outra Meraki me fizesse sentir isso, prefiro aquietar meus sentimentos e pensamentos com essa possibilidade me viro para ele que estava com a mão em cima da barreira, suas mãos grandes, com as cutículas feitas fiquei impressionada e pensando se no meu corpo na terra eu havia feito a cutícula, imagino que devo estar em algum hospital com tubos para todo o lado tentando me manter viva, ou então… melhor nem imaginar.
Vai dormir Meraki, esses pensamentos não são… Anda pensa em outra coisa…
—Tudo bem? —Diz novamente Anánke.
—Sim, eu só estou com dificuldades para dormir.
Ele começa a retirar a barreira e fico petrificada apenas olhando.
—O que você está fazendo?
—Você não consegue dormir, e eu não consigo, se você não consegue para a nossa sorte eu posso fazer você se sentir calma e adormecer.
—Como? —Pergunto ainda me encolhendo embaixo das cobertas.
—É só você dormir em meu peito.
—De mãos dadas não dá? —Ele ri da minha cara e logo depois me lança um olhar acolhedor ou de pena.
—Eu prometo não fazer nada… é a melhor forma… Quer tentar? —Agora eu entendi as mudanças da cor de seus olhos e como me sentia protegida em seus braços de alguma forma isso me acalmou um pouco mais, ele se deita e ainda relutante me aproximo, de perto é possível ver cada pequena cicatriz em seu abdômen, arrumo meu cabelo e vou deitando minha cabeça em seu peito vagarosamente como que eu pudesse machucá-lo de alguma forma no mesmo minuto sinto como se meu coração desacelera-se me senti tranquila como em um verão em que Margo havia aprendido a falar ela era tão pequena colocamos ela no tanque e usamos um potinho de requeijão para jogar água uma nas outras meninas que estavam lá, sinto um cheiro gostoso da laranjeira que tem no pátio.
—Meraki… —Escuto uma voz distante me chamando, tento procurar meu travesseiro até que sinto sua pele quente e me lembro onde estava, ai meu cristinho que eu não tenha babado, coloco a mão na cara e fico aliviada, levanto-me rápido,olho para os lados e sinto o calor do sol entrando por uma pequena fresta na janela.
—Já é de dia? —Pergunto em meio a bocejos.
—Sim.
—Eu dormi a noite toda, sem pesadelos! —Pulo em seu pescoço para agradecer, a muito tempo não sabia o que era dormir tão bem, sinto suas mãos passarem ao redor de mim retribuindo o abraço. —Obrigada. — Ele talvez não entendesse o quanto essa noite foi maravilhosa para mim, não me lembro a última vez que dormi sem ter pesadelos, sinto a mão dele deslizar por meus cabelos a altura do ombro.
—Tudo o que eu puder fazer por você. —Ele sussurra em meu ouvido e se levanta rapidamente indo em direção ao banheiro, eu sinto meu corpo inteiro estremecer com suas palavras.
Meu campo de visão fica escuro de repente sinto meu corpo pegar fogo não de maneira prazerosa ou de luxúria, era literalmente começo a olhar para meus braços e as tatuagens que começam a brilhar em azul reparo que na volta de meu pulso tem um dragão brilhando, eu fico assustada sem entender o que estava acontecendo.
Eu acabo por abrir a porta do banheiro sem me importar com o que Anánke estava fazendo ali me jogo na banheira e abro a torneira para enchê-la.
—O que está acontecendo? —Eu falei esfregando meus braços naquela água.
—Zhìzhě, Ravi! Venham aqui! —Gritou Anánke, enquanto com as mãos fazia sinal para que eu me acalmasse.
—O que está acontecendo? Ta ardendo muito.
—Meraki, está tudo bem… isso é normal— Ele se agacha próximo ao lado da banheira segurando meus braços para que eu pare de esfregá-los.
— A sensação de queimação não pode ser normal.
—O que está acontecendo? —Diz Ravi entrando no banheiro. —Majestade— Seus olhos brilham, ele pega meu braço.
—Onde está Zhìzhě?
—Ele foi na vila e volta logo.
—O que ele foi fazer na vila?
—Dane-se a vila! Eu quero parar de sentir isso.
—Só você pode fazer isso. —Disse Ravi.
—Como?
—Você tem que se concentrar, respira fundo Meraki. —Anánke fala tentando me fazer ficar vidrada em seus olhos, mas a dor era tanta que nem isso estava funcionando.
Então eu escuto uma voz distante de um homem a voz era gentil e suave e falava com paciência :
—Sei que é difícil e doloroso, mas você consegue feche os olhos, respire fundo… sinta ela… ela é parte de você agora, uma extensão sua… você consegue.
Quando abro os olhos estou em uma caverna e sinto o bafo de Pad bem em minha frente, muito perto.
—Ainda está com medo, Meraki. —Quando me viro tem um homem com roupas reais, eu o tinha visto em um quadro no corredor ao sair do castelo, o sorriso que foi se formando em meu rosto fez com que minhas suspeitas se confirmassem.
—Papai...—Disse a voz soprano da minha pequena sósia, essa sensação era estranha, eu estava ali e não estava, eu era a menina e não era, mas pelo menos a sensação havia passado. —Acho que não consigo, ela é muito grande.
Ao virar para trás não havia absolutamente nada, eles estavam em uma sala branca com alguns painéis de controle, havia conectores na cabeça dela.
—Está tudo bem, querida, você já viu bastante coisa, vamos conseguir encontrá-la.
—Ela não quer que você a encontre pai.
—Por que você acha isso?
—Ela disse para eu perguntar o que você vai fazer se a achar?
—Ela está com medo, eu entendo ela e seus irmãos foram caçados por muito tempo, mas… —Ele retira os eletrodos de sua cabeça e pega seu braço. —Está vendo essas marcas?
—Sim.
—Elas nasceram com você e te causam essas dores, se encontrarmos a criatura podemos encontrar respostas.
—Mas ela não quer que a encontrem.
—Até lá vamos fazer o que Zhìzhě disse o chá de helling vai amenizar a dor. —Uma mulher com um coque entra com a bandeja nas mãos com uma xícara, ela a toma e a sensação melhora, o pai alisa seus cabelos pretos e a coloca no colo, por mais uma vez invejei Meraki.
—Meraki! —Escuto uma voz a me chamar, era Anánke que dava leve batidinhas em meu rosto, eu tusso cuspindo uma água que estava presa em meus pulmões.
—O que aconteceu?— Perguntei ainda tossindo.
—Você apagou completamente, tentamos te pegar mas a água estava fervendo e por isso demoramos um pouco mais.
—Ela fez a água ferver né Ane.
—Obrigada. —Sento na cama decidindo se conto ou não da lembrança de Meraki.
–Você está bem? —Anánke me alcança a toalha.
—Eu vou ficar, Zhìzhě já chegou?
—Ainda não.
—Ok, podem me deixar sozinha?
—O que vossa majestade quiser. —Diz Ravi reverenciado e caminhando até a porta.
—Tem certeza disso?
—Tenho sim, Anánke.
Quando ele sai me levanto e vou em direção ao espelho do banheiro.
–Meraki, você está aí? Se você voltar, eu preciso que vá atrás da minha irmã Margo, se for preciso traga ela para cá e cuide bem dela, eu sei que ela vai amar isso tudo. —Algumas gotas cristalinas intercalam as minhas palavras com soluços. — Você sabe como é ser amada, assim como seus pais, Anánke e seu povo te amam, você parece ser tão melhor que eu, então eu sei que Margo vai amar você, não a apague da sua memória, ela é a melhor coisa que nos aconteceu na terra… —Tento limpar as lágrimas enquanto prossigo com minha ideia de me comunicar com ela. —… Ela é tudo o que tem de melhor em mim e mais, muito mais, então você não vai ter dificuldade de amá-la, eu morreria e mataria por ela assim como você faria por essas pessoas, então se você me ouvir e puder fazer alguma coisa… apenas salve seu povo e cuide da Margo, ok? –As lágrimas ficam mais fortes, eu senti um medo quase que incompreensível. —Eu preciso que você me prometa, porque eu não vou deixar você voltar, vossa majestade… se eu não tiver certeza que Margo é sua prioridade, eu sou forte… eu juro para você que sou um obstáculo difícil de passar. — Seco as lágrimas e sorriu para o espelho me enganando que ela havia recebido o recado, vou até o guarda roupa e pego uma calça, blusa e um casaco com capuz que estavam pendurados no cabide, após me trocar saio do quarto Anánke e Ravi me esperavam sentados no sofá.
–Como você está? —Perguntou os dois ao mesmo tempo.
—Melhor, não está mais ardendo.
—Eu e Ravi temos que voltar aos nossos cargos, você pretende fazer o que?
—Ela vai ficar. —Diz Zhìzhě entrando pela varanda, Anánke me olha querendo uma resposta minha.
—Eu queria ver Maha, Ania, Hanna e Ami, mas acredito que Zhìzhě tenha coisas a me ensinar.
—Posso fazer isso também.
—Anánke, você mesmo disse que tem que voltar, tem que manter os Õpleanos em banho-maria, até que eu esteja pronta.
—Tá certo. —Ele retira o relógio e coloca em mim. —Ele tem acesso direto a mim, Maha e… o Ed caso precise.
—Obrigada.
—Obrigado pela hospedagem grande-sábio.
—É sempre um prazer magnífico. —Responde o velho.
—Eu vou sentir sua falta salvadora. —Disse Ravi me abraçando e beijando minha orelha depois ele sussurra— Não deixe esse velho te dizer o que fazer.
—Pode deixar, e aprenda a respeitar os idosos. —Ele sorri e me da outro beijinho porém dessa vez na testa.
—Grande-sábio.
—Governador.
Assim os dois se despedem e vão em direção a seus afazeres.
—O que foi menina?
—Eu sei que você sabe.
—E por isso não posso perguntar?
—Iria evitar toda essa conversa se falasse logo.
—Essa sim, mas não uma sobre privacidade e tudo mais, eu não leio pensamentos, eu leio probabilidades do presente.
—Interessante, então suas probabilidades lhe disseram que tive uma lembrança da vida dela.
—Da sua vida. —Ele fala lavando algumas frutas.
—Não, eu não vivi, não é minha.
—Você não lembra que viveu, mas seu corpo e espírito lembram.
—O que está dizendo?
—Meraki, você não é insignificante, não é um obstáculo para história, você é ela, as crianças estudam sobre você, sua bondade e força.
—Não sou eu, Zhìzhě.
—Eu me lembro de celebrar o casamento de vocês embaixo daquela árvore que jantamos ontem, foi a 150 anos atrás, você estava tão nervosa e tão decidida como sempre.
—Você é igual a eles! Quer que ela volte, mas eu não vou deixar, não até ela me prometer.
—Você fez todos prometerem que vão cuidar de Margo, mas você não confia em ninguém para cuidar dela além de você, esse é seu pesadelo, Meraki e Anánke cuidando de Margo enquanto você cai no mar do esquecimento.
—Como você pode ser tão asqueroso? —Eu conseguia sentir a saliva se formando de tanta raiva.