Antonella
A minha cabeça latejava quando eu abri a porta. Os meus dedos deslizaram pelo curativo. Aqueles arranhões sobre o calombo eram dolorosos.
— O que houve, Antonella? — A voz mirrada indagou.
A minha madrasta abriu mais olhos ao ver o curativo na minha testa e as ataduras em torno dos meus joelhos e dos meus cotovelos.
— Um carro assustou o Fergus e ele me derrubou no chão.
— Onde está o cavalo, Antonella?
— Não sei, — eu engoli em seco. — O Fergus entrou no meio das árvores.
— Devia ter procurado o cavalo.
— Eu tentei, mas o Casimiro e outro homem me levaram para o hospital. — Por alguns segundos, eu suspirei pesado antes de continuar a explicar. — O médico me deixou em observação para ver se eu tinha uma concussão.
Acomodei-me numa poltrona de couro marrom com alguns rasgos enquanto refletia. Além da dívida com o senhor Joaquim Matarazzo, eu tinha que dar um jeito de pagar pelo cavalo que peguei emprestado com o marido da vizinha.
— Onde está a Luca? — Indaguei.
O meu irmão sempre reclamava da vida quando eu chegava.
— Deixei ele dormir na casa de um amigo.
— Por quê?
— Luca tinha um trabalho de escola e eu não queria que ela voltasse tarde.
Eu olhei para a chama da vela que tremulava ao lado do prato sobre a mesa.
— A vizinha trouxe a sopa de tomate. — Francesca acenou para a mesa.
— A senhora comeu?
— Sim! — A minha madrasta exibiu um sorriso de boca fechada. — Eu deixei um pedaço de pão na mesa para você.
No mesmo instante, o meu estômago roncou. Saí do sofá e sentei na cadeira. As minhas mãos tremiam quando eu mergulhei o pedaço de pão na sopa e levei à boca. O ruído de algo caindo veio do quarto.
— Ouviu? — Indaguei a Francesa.
— Deve ser o gato da vizinha. Ela sempre traz o gato quando vem aqui. — A minha madrasta respondeu.
Logo após terminar a refeição, tranquei a porta e a janela da sala. Eu ainda não sabia que desculpa daria ao senhor Matarazzo por faltar ao trabalho.
— Vou dormir um pouco. — Bocejei e levantei os meus braços, exaurida.
Em passos lentos, eu segui na direção do quarto.
— Espere, eu vou pegar o gato da vizinha. — Francesca me acompanhou.
No momento em que entrei, a porta se fechou atrás de mim. Eu tateei a parede até apertar o interruptor. O quarto estava sem luz.
— Antonella, eu espero que você entenda que eu faço isso pelo bem da nossa família.
O sangue fugiu do meu rosto quando senti alguém segurando na minha cintura.
— Deixe-me sair daqui! — Implorei enquanto girava a maçaneta, mas a porta estava trancada. — Por favor, abra! — Soquei a porta diversas vezes.
— Nós precisamos pagar as contas. — Francesca falou do outro lado.
De repente, eu fui puxada e jogada sobre a cama. O odor daquele perfume masculino misturado ao suor era nauseante.
— Solte-me! — Eu me debati.
Senti quando os dedos enrolaram em meu cabelo e puxaram minha cabeça. Mantive a minha boca fechada, evitando o beijo. As lágrimas desciam pelo canto de meus olhos. Num ímpeto de defesa, eu cravei as minhas unhas no pescoço do estranho que mais parecia uma muralha e então, senti o antebraço apertando o meu pescoço.
— Por favor, pare! — Pedi enquanto buscava por ar.
Lentamente, eu perdia os sentidos.
— Eu faço o que o senhor quiser! — Murmurei.
Quando o braço afrouxou, eu pus a mão no centro do pescoço enquanto respirava fundo e tossia até o ar preencher os meus pulmões.
— Vou colocar uma roupa mais confortável e me deitar — falei enquanto me arrastava para fora da cama.
Pisquei algumas vezes no meio da escuridão. Em passos cautelosos, eu me aproximei da cômoda onde tinha uma pequena tesoura que o Luca usava para cortar as unhas. Discretamente, eu passei a mão na mobília até encontrar.
— Venha aqui! — Chamei.
Forcei a vista para me acostumar com a escuridão do quarto. Eu tive um rápido vislumbre da janela no instante em que senti a mão arrebentando a alça do meu vestido. Os dentes apertaram em meu ombro direito, causando uma dor lancinante. No momento seguinte, eu levantei o meu braço e então, eu desferi um golpe e depois outro. Não sabia em que parte havia acertado, mas aproveitei a oportunidade quando o estranho se afastou.
Assim que abri a janela, eu pulei. Segurando a alça do meu vestido, eu corri o máximo que podia. O vento gelado açoitava a minha pele. Eu não sabia para onde ir em meio a noite escura e fria. Avistei uma bicicleta numa das casas da aldeia e então peguei.
Os golpes do vento ficaram mais fortes à medida que eu pedalava para longe do lugar que eu costumava chamar de casa.