Bernardo
O carro fazia um trajeto pela Estrada Etrusco Romana, percorrendo as paisagens com belas vinícolas e vinhedos na região da Umbria. Após passar um ano na Sicília, eu fui obrigado a voltar para honrar um compromisso inadiável.
— Como foi a viagem, senhor Bernardo? — O motorista perguntou.
— Por favor, preste atenção na estrada, Casimiro. — Cortei o assunto.
Exausto da viagem, eu joguei a cabeça para trás e passei as mãos nos meus fios curtos antes de fechar os olhos. Eu devia cumprir a promessa de casar, já que a aliança entre os clãs foi acordada durante a minha infância. Por algum motivo, o meu avô queria que eu tomasse a frente dos negócios da família.
O celular tocou, tirando-me de minhas divagações. Era a terceira vez que a Mariana ligava. O término não foi amigável e ela não entendeu que eu tinha uma obrigação a cumprir.
Não posso negar que eu curti a vida intensamente ao lado da minha amante siciliana, mas pela segurança dela, eu escolhi dar um fim naquele relacionamento. Os gritos e os xingamentos durante a última discussão ainda reverberaram em minha mente.
— Então, você vai embora?
— Pare de complicar as coisas, Mariana! — Eu terminei de arrumar as minhas roupas na mala. — O meu voo sai em uma hora.
Às quatro da manhã, a mulher alta e esguia me seguia pelo quarto.
— Pode ir embora, Bernardo! — A voz anasalada falou. — Já marquei um encontro com um belo moreno no Tinder.
Cerrei os punhos ao lado do meu corpo. Precisei de todo o meu autocontrole para não perder a minha razão.
— Vou me divertir bastante enquanto você finge que será um bom marido naquela fazenda.
— Não posso quebrar o acordo que a minha família fez há mais de vinte anos. — A minha voz ficou mais rouca quando berrei. — Eu peguei a alça da mala e fitei a tela do celular quando uma mensagem chegou. — Divirta-se com o cara do Tinder.
— Ele trabalha numa agência de modelos e disse que vai me ajudar a arrumar trabalhos.
Mariana não dormia no ponto quando o assunto envolvia a sua carreira de modelo e atriz. Ela era extremamente bonita e tinha uma sedução diabólica, mas eu nunca a amei.
— Ótimo! — Vaguei pelo apartamento até a porta. — Seja feliz!
— e******o, você vai se arrepender. — Ela agarrou um jarro. — Logo, eu farei muitos desfiles e comerciais. Serei uma atriz famosa!
Agachei quando ela jogou o objeto de cerâmica que passou um pouco acima da minha cabeça. O meu sangue borbulhou, larguei a mala num canto e avancei, mas Mariana correu e se escondeu no banheiro antes que eu a alcançasse. Abri os meus olhos e abandonei as lembranças que teimavam em me aborrecer.
Deitando a cabeça para o lado, eu contemplei a cidade protegida por muralhas na província de Perugia aonde a parte mais moderna ficava na parte baixa.
— O senhor está muito calado. — O motorista da minha família tentou puxar assunto. — Está tudo bem? — Ele me olhou.
— Cuidado, Casimiro. — Arregalei os olhos ao ver a garota de cabelos castanhos avermelhados montada no cavalo.
O meu corpo foi jogado para frente no instante em que ele freou bruscamente perto do animal que se assustou.
— Oh, Dio mio! — Casimiro exclamou quando o equino levantou as patas dianteiras e jogou a garota no chão. — Antonella! — Ele chamou enquanto o cavalo galopava para longe da moça desmaiada.
O motorista saiu às pressas enquanto eu tirava o cinto.
— Antonella, acorde! — Casimiro agachou e verificou a pulsação.
— Eu te falei para prestar atenção. — Repreendi o funcionário.
— O cavalo apareceu do nada, senhor. — disse o motorista.
— Casimiro, — a garota chamou num murmúrio.
Ela abriu os olhos. As pupilas eram como duas pedras de safiras reluzentes.
— Por que você estava passeando a cavalo por essas bandas, Antonella? — O motorista perguntou num tom de repreensão.
— Eu peguei um atalho porque estou atrasada para o trabalho! — Ela levantou devagar e olhou a volta. — O Fergus não está aqui. Para onde ele foi?
Apesar dos arranhões no joelho, nos braços e na testa, ela ainda tinha forças para andar devagar.
— Fergus!
Antonella tocou nos lábios, fez um biquinho e tentou assobiar.
— Oh, céus! — Ergui os meus olhos para cima e virei para o outro lado. — Quem é esse? — Indaguei ao motorista.
— Acho que é o nome do cavalo. — Casimiro replicou. — Antonella, o Fergus foi por ali. — O motorista apontou para árvores que ladeavam a estrada.
— Tenho que encontrá-lo, — a sua voz estava fraca. — Eu peguei esse cavalo emprestado com o marido da minha vizinha. — Ela cambaleou e tropeçou nos próprios pés.
Em uma fração de segundos, eu estendi os meus braços e segurei-a antes que ela tombasse no chão. Os belos olhos azuis estavam presos aos meus quando, de repente, as pálpebras dela começaram a fechar.
— Temos que levar a Antonella para o hospital, senhor Bernardo. — Casimiro falou
— Vamos!
— Estou atrasada para o trabalho. — Ela sussurrou.
— Não seja estúpida! Você prefere morrer? — Eu inquiri enquanto a carregava no colo. — Abre logo a porta do carro, Casimiro.
— Solte-me, por favor, — Antonella abriu os olhos e cravou a unha em meu pescoço. — Eu não quero ir!
— Fique no carro! — ordenei com uma seriedade hostil.
Ela tentou me empurrar no momento em que entrei.
— Fica quieta! — Impus toda a minha força para não deixá-la sair.
— Ai, a minha cabeça dói. — Ela pôs a mão ao lado do ferimento na testa.
— Não devia andar a cavalo nessa estrada. — Eu cocei minha vista, buscando autocontrole para suprimir a raiva.
— O senhor não entende, eu preciso trabalhar.
— Antonella, acalme-se! — O motorista pediu. — O senhor Bernardo só quer te ajudar.
Naquela tarde, o motorista me auxiliou a levá-la para um hospital na cidade vizinha. Assim que chegamos, eu deixei a garota sob os cuidados dos médicos e fui para o corredor. Mentalmente, eu torcia para não encontrar a filha da minha madrasta, que era médica residente.
— O senhor não lembra dessa garota? — Casimiro perguntou.
— De quem?
— Da Antonella.
— Não.
— Ela é a filha de um antigo funcionário que trabalhou nos vinhedos na fazenda do seu pai.
Cocei a minha nuca instintivamente, a conversa com o motorista ficava cada vez mais entediante.
— O pai dela morreu e, agora, ela cuida da madrasta e do irmão caçula.
— Lamento por ela! — Olhei para a saída. — Vamos embora, Casimiro!
— E quanto à Antonella?
— Eu já paguei a conta do hospital.
— A casa dela é distante daqui, senhor!
— Ela pode pedir carona.
Casimiro hesitou por alguns segundos. Ele olhou para o corredor. Parecia bastante preocupado com a garota.
— Senhor, me dê alguns minutos, por favor! Deixarei um trocado para Antonella pegar um ônibus.
— Não demore, vou te esperar no carro.
Minha mente já estava conturbada demais para sofrer com o problema dos outros. Eu estava pensando em como convencer o meu pai e o meu avô de que era melhor gerir os negócios da família na Sicília. Para falar a verdade, eu não queria ficar preso naquela cidade. Eu não pertencia àquele lugar.